Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Efeitos da lei de Murdoch

O miliardário áustralo-americano Rupert Murdoch está dando uma lição ao mundo, com o caso do seu extinto jornal dominical News of the World, na Inglaterra, fonte de grande arrecadação publicitária.

Infelizmente a lição não é de boas práticas do jornalismo, mas a de que o abuso incontido da liberdade da informação nega o próprio direito à liberdade.

O jornal de Murdoch especializou-se em eventos atribuídos a personalidades conhecidas, para cujo levantamento jornalístico todas as ousadias (legais e ilegais) foram aceitas. Corrupção de policiais para darem dados de investigações proibidas, com e sem ocultação de fatos relevantes para “sensacionalizar” a notícia, são alguns dos desvios profissionais denunciados.

Murdoch, em lance brilhante, desistiu, por ora ao menos, de adquirir o controle total da BSkyB, líder multinacional da comunicação eletrônica, que ampliaria a área coberta por seus veículos.

Figurante conveniente

Murdoch e seu filho disseram que não sabiam dos abusos. Pessoas ligadas diretamente à família também afirmaram ignorar os fatos.

A desculpa é conhecida por aqui, até quando utilizada por figurões da política. Seremos cegos e surdos se não atentarmos para os perigos envolvidos, principalmente porque Murdoch tem empreendimentos importantes nos EUA na área da televisão, interferindo diretamente nas disputas eleitorais americanas e nos meandros da política.

A Constituição brasileira define os princípios relativos à comunicação social (impressa, eletrônica, empresarial e não empresarial) com a plena liberdade de manifestação. Está no parágrafo 1º do artigo 220: “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.

Exige respeito ao artigo 5º, IV (manifestação livre, proibido o anonimato), V (assegurado direito de resposta), X (inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem), XIII (liberdade profissional) e XIV (livre acesso à informação, resguarda o sigilo de fonte).

Trata-se de direitos individuais, mas a sociedade deve ser protegida contra o abuso, sobretudo se atrelado a fontes vindas do exterior.

Seria inútil no caso de Murdoch, com seu império estrangeiro, se os fatos noticiados se passassem no Brasil, nada obstante a Constituição reservar a brasileiros natos ou naturalizados a propriedade de empresa jornalística ou de radiodifusão.

Os não residentes no Brasil que cometerem excessos nos veículos de comunicação serão praticamente inalcançáveis pela lei brasileira em caso de abuso contra direitos daqui. Sempre haverá um ou outro figurante de segunda categoria, bom para ser oferecido ao escárnio público.

Contra abusos

O caso Murdoch confronta dois elementos fundamentais: a liberdade plena da informação e o direito das pessoas a sua própria intimidade, dignidade e honra. O jornal de Murdoch não hesitou, segundo o noticiário, em ousadias para vender mais, para ampliar lucro, nos veículos de comunicação dos quais ele detém o controle.

O mau exemplo das empresas de Murdoch é ruim. Se por um lado devemos cogitar seriamente mecanismos contra abusos, não deveremos partir desse mal para outro extremo muito pior: o da censura e da liberdade restringida.

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[Walter Ceneviva é advogado e colunista da Folha de S.Paulo]