‘Um desencontro de emails deu a impressão a este ombudsman de que ficara sem direção da emissora a reivindicação de uma telespectadora para que os filmes em língua estrangeira exibidos pela TV Cultura sejam dublados, em vez de serem legendados. Houve resposta, sim. Do presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Markun, e do diretor de Prestação de Serviços, Ricardo Paoletti. Transcrevo, primeiro, a de Paulo Markun:
‘Caro ombudsman,
A dublagem de um filme com qualidade custa caro. Cinco, seis vezes mais do que os direitos de exibição. Por isso, obras que poderiam ser dubladas caso houvesse recursos, são apresentadas com legendas. Como a Cultura não trabalha com os chamados blockbusters obrigatoriamente (não que isso seja um parâmetro), os estúdios não se dispõem a realizar a dublagem para uma língua tão ‘secreta’ quanto o português. Sinceramente, ainda não encontramos uma saída para esse impasse.
Atenciosamente,
Paulo Markun – presidente da FPA’
Do email de Ricardo Paoletti, transcrevo as seguintes informações complementares:
‘A TV Cultura procura manter uma programação variada e de alta qualidade nas faixas de exibição de filmes nacionais do Cinema Brasil e internacionais no DiverCine, além dos muitos filmes que integram a única programação regular de documentários na TV Brasileira (…) Entendemos que a legendagem tem seus adeptos – telespectadores que preferem ouvir a interpretação de voz dos atores originais – e que a dublagem tem o potencial de ampliar o acesso de um público maior. Mas, no nosso caso, a decisão pela dublagem de todos os filmes poderia implicar na exibição de menos títulos, o que certamente seria um prejuízo para nosso público.
Um abraço,
Ricardo Paoletti’
Explicado e compreendido está. Resta agora, em nome dos compromissos maiores da emissora, um esforço de todos na busca de uma alternativa para atender não apenas ao pedido da remetente do email, mas também ao dos potenciais milhões de telespectadores que ela representa. Cidadãos que, se pudessem estar à mesa na hora da definição de orçamentos da TV Cultura, certamente diriam que a dublagem de filmes é uma prioridade. E o diriam não necessariamente por razões estéticas ou culturais, por mais insubstituíveis que sejam as vozes de certos atores e atrizes estrangeiros. Diriam porque boa parte dos telespectadores de TV aberta brasileira simplesmente não consegue ler a tempo as legendas. Perde o fio da meada.
A título de contribuição nesse esforço, vai aqui uma pergunta em forma de sugestão: no caso específico dos citados documentários que a TV Cultura veicula com legendas – como a espetacular série da BBC sobre grandes obras-primas da pintura universal, exibida atualmente pelo programa Cultura Mundo – seria tão caro simplesmente traduzir para o português e narrar, com uma das ótimas vozes do elenco de jornalistas e artistas da emissora, a própria versão original em inglês do documentário?
Outra pergunta que merece ser posta na mesa, no caso, a mesa dos que decidem as políticas públicas na área de Cultura, é a seguinte: quantos espetáculos do Cirque du Soleil ou shows de Caetano Veloso custaria um eventual redirecionamento de frações de incentivo da Lei Rouanet para a dublagem de filmes estrangeiros que não se enquadrem na categoria de blockbusters ?
***
Altos e baixos de junho, 2 de julho
ALTOS
O homem-banda
Radiola, 1º de junho
O quadro ‘Meu instrumento’, do programa Radiola, exibiu em 1º de junho um episódio antológico no qual Fernandinho Beat Box apresenta o ‘instrumento’ que lhe deu o apelido. A demonstração que ele faz de suas manobras vocais para reproduzir os sons e instrumentos acústicos e eletrônicos do mundo dos djs foi tão espetacular que pode levado muitos telespectadores a achar que se tratava de uma montagem de áudio. Com a garganta e a boca, Fernandinho faz som de ‘gato rouco’ para conseguir um baixo perfeito. Com vários tipos de tosse, ele produz sons diversos de caixa. E com uma cuspida seca faz surgir um bumbo inacreditável. Tudo perfeitamente idêntico aos sons originais. E exemplarmente bem-editado. Show.
Lance raro
Cartão verde, 11 de junho
O Cartão Verde de 11 de junho fez justiça à abertura em que Vladir Lemos diz que o programa está ‘a serviço da boa reflexão sobre os principais fatos do mundo da bola.’ No caso, a reflexão esteve a serviço de um gesto raríssimo na chamada crônica esportiva brasileira desde o dia em que Dunga assumiu o comando da seleção brasileira: uma inequívoca retratação da equipe do programa, em especial de Sócrates, em relação ao que foi dito e previsto sobre os jogos do time contra o Uruguai e o Paraguai. É de se louvar, por rara, tanto na telinha quanto nas colunas da mídia impressa, a maneira franca e bem-humorada com que Vladir autopsiou as línguas queimadas de sua equipe diante dos êxitos da seleção de Dunga.
Encruzilhadas amazônicas
Roda Viva, 15 de junho
Nada é fácil, pequeno ou simples na Amazônia. Incluindo os problemas da região e as respectivas soluções. Não deveria surpreender ninguém, portanto, a sensação de impasse que ficou no ar ao final do Roda Viva que pôs em discussão a medida provisória do governo que prevê a regularização das terras públicas da região. Um dos méritos do programa, apesar do fraco índice de audiência, outra surpresa amazônica, foi o de permitir que o telespectador conhecesse mais detalhadamente as encruzilhadas do projeto nas quais os ambientalistas vão para um lado e os ruralistas vão para o outro. E sem olhar pra trás.
Sem naftalina
Campanha dos 40 anos
Foi visível e merecedora de aplausos a preocupação dos autores da campanha comemorativa dos 40 anos da TV Cultura de mostrar, além de preciosidades históricas e afetivas do passado, o que a emissora está levando ao ar atualmente de importante, interessante, bonito e coerente com sua trajetória.
Fotografia em revista (e na TV…)
Vitrine, 13 de junho
Como se não bastassem a qualidade das fotos da exposição ‘Fotografia em Revista’ – com um pouco do trabalho de 170 profissionais que já passaram pela Editora Abril – a trilha inspiradora de César Camargo Mariano e a entrevista de um deles, o lendário Pedro Martinelli, o quadro ‘Retrato’ ainda contou com a participação e os comentários de Thomaz Souto Corrêa, vice-presidente do conselho editorial da empresa. Corrêa, aliás, propiciou uma ótima abertura de matéria quando, diante da pergunta de Sabrina Parlatore sobre quais as fotos mais marcantes de todos esses anos de Editora Abril, respondeu, preocupado com o egos envolvidos: ‘Não respondo nem sob tortura’.
Tudo junto e misturado
Manos e Minas, 13 de junho
Vez por outra, este ombudsman recebe emails, alguns à beira do racismo e outros impregnados de altas doses de paternalismo elitista, com críticas ao conteúdo do Manos e Minas. Em geral, tentam desqualificar a música, a cultura e os códigos comportamentais da periferia, em vez de discutir suas contradições à luz do bom senso e da tolerância. Cabe perguntar: será que os críticos do Manos e Minas seriam capazes de oferecer alternativas de conteúdo mais libertárias e cidadãs às comunidades da periferia? O problema é o tipo de música, como a que toca na Casa do Hip Hop de Diadema, mostrada no mesmo programa, dentro do quadro Circular Periférico? Pode ser, mas foi outro convidado do programa, o cantor JC Sampa, da banda Sampa Crew – típica representante música romântica brega-urbana que incendeia as platéias domingueiras da TV aberta – quem deu a senha para conviver bem com o Manos e Minas: ‘Ninguém é obrigado a gostar de nada. Mas tem que separar quem não gosta de quem discrimina.’
Incentivo à reflexão
Especial Cultura Lei Rouanet , 19 de junho
O formato foi, por assim dizer, standard. Mas estava claro que a proposta não era fazer uma grande produção sobre a anunciada reformulação da Lei Rouanet e a atual política de incentivos culturais do governo federal. O que não quer dizer que o foco não tenha sido quase sempre preciso, tematicamente abrangente, editorialmente equilibrado e, acima de tudo, bastante adequado a uma característica fundamental que muitos documentários financiados pela mesma Lei Rouanet – e exibidos nas emissoras públicas – não têm: linguagem, ritmo e tratamento para TV aberta.
Entrada à francesa
Nossa Língua, 29 de junho
O Nossa Língua, em sua edição de 29 de junho, mais uma vez saiu dos limites do estúdio e do clima de sala de aula e – para usarmos aqui uma referência do programa a um poema de Carlos Drummond de Andrade – foi ser gauche na vida: fez uma rica e interessante viagem pelas influências da língua francesa no português escrito e falado no Brasil. E provou, usando com eficiência os recursos e a linguagem de televisão, que, como disse o professor Pasquale Cipro Neto, ‘a França está entre nós há muito mais tempo do que se possa imaginar’.
BAIXOS
Ainda sem resposta
Transcrevo, fazendo minha a indagação mais que pertinente de uma telespectadora, publicada aqui neste espaço no dia 22 de junho e ainda sem resposta de qualquer instância da TV Cultura:
‘Gosto muito da programação de vocês, porém, nas sextas-feiras, são passados filmes excelentes, mas todos com legendas. Considerando a hora em que são exibidos, não dá para ficar lendo. E tem mais: algumas pessoas (como eu), se lêem legendas não conseguem ver as cenas. Desculpe, mas eles poderiam ser dublados. Deixem a tecla ‘SAP’ para os puristas. Acontece a mesma coisa com documentários que são passados às quartas-feiras. É muito caro fazer uma dublagem de qualidade?
Reação corporativa
Roda Viva, 8 de junho
Se os entrevistadores não estivessem tão mordidos – compreensivelmente, diga-se – com a decisão esdrúxula da Petrobras de criar um blog que praticamente inviabiliza reportagens exclusivas sobre a empresa, certamente o presidente Sergio Gabrielli teria enfrentado perguntas e questionamentos mais desconcertantes ou difíceis de responder.
Tradução errada
Vitrine, 13 de junho
A boa reportagem em forma de crônica da correspondente de Nova York, Carol Campos, sobre os templos do Harlem que se tornaram atração turística, desafinou um pouco na tradução incorreta – ou, no mínimo, incompleta – do termo gospel. Em sua narração, a correspondente disse que gospel ‘é uma abreviação de god spell, que significa good news ou boas novas em português’. Não é bem assim: há um sentido muito mais religioso. Gospel quer dizer evangelho e pode também ser traduzida como credo, já que, juntas, as palavras God (Deus) e spell (soletrar ou palavra soletrada) ganham o sentido de ‘palavra de Deus’.
Direito de resposta
Roda Viva, 23 de junho
Para o telespectador, o programa com o chanceler Celso Amorim foi uma importante oportunidade de ele se posicionar em relação a todas as questões que envolviam a política externa do governo Lula. Com dois reparos que, aliás, também podem ser aplicados às últimas edições do Roda Viva: a proporção frustrantemente baixa de perguntas feitas pelos telespectadores e que são feitas ao entrevistado durante o programa, e a forma atropelada e impertinente com que o âncora às vezes tenta conduzir a entrevista, principalmente quando o entrevistado, como no caso de Celso Amorim, não abre mão do direito de completar uma resposta.
Coisa de cinema
A’Uwe , 24 de junho
Na primeira parte do documentário ‘Crianças da Amazônia’, da brasileira Denise Zmekhol, a produção norte-americana, além de recontar a história de Chico Mendes, mostra como estão os índios que Denise conheceu e fotografou em outra ida à região, 15 anos antes. Apesar da impecável qualidade técnica das imagens e da edição – estimulada por uma abertura em que uma lupa de fotógrafo percorre slides dos indiozinhos fotografados, criando a expectativa sobre como estariam eles depois de 15 anos – e do recurso a um instrumento infelizmente raro nesse tipo de trabalho – o da narração em off, no caso da própria Denise – ‘Crianças da Amazônia’, pelo ritmo da narrativa, por seus silêncios suecos pontilhados de sons da mata, pelo enfoque histórico, enciclopédico e sem atualidade jornalística – mais apropriado, portanto, a públicos menos informados sobre o assunto do que o brasileiro comum – não consegue fugir de sua vocação de documentário (só) para cinema. E ainda assim, destinado a platéias específicas, em ambientes educacionais ou militantes.
Vai ser bom, não foi?
Tudo o que é sólido pode derreter, 28 de junho
‘Tudo o que é sólido pode derreter’, apesar de suas potencialidades e pelo salto de qualidade que representou no cenário atual da TV aberta brasileira, acaba cedo demais, aparentemente sem tempo de criar algo importantíssimo em televisão e particularmente difícil para uma emissora com uma média baixa de audiência como a TV Cultura: o hábito do telespectador. E parece não haver dúvidas de que quanto maior for o hábito e a fidelidade que um programa conquistar, maior será a disposição – e a paciência – do telespectador para continuar sintonizado nesse programa, mesmo nos momentos de conteúdo mais complexo e difícil como o melancólico episódio inspirado no poema ‘Ismália’, de Alphonsus Guimaraens.
***
Fora do modelo, 1º de julho
Quem acompanhou o Roda Viva com a escritora, empresária e consultora Glorinha Kalil não deve ter tido grande dificuldade para entender a razão pela qual ela é titular de um dos quadros do programa Fantástico, da TV Globo. E antes que a afirmação acima seja interpretada, por setores menos tolerantes do fiel público do programa, como uma crítica irônica e velada deste ombudsman à decisão do Roda Viva de entrevistá-la, é bom esclarecer que o objetivo é bem outro: saudar o ecletismo da pauta do programa e a maneira inteligente e elegante com que a entrevistada respondeu à proposta de se discutir moda e etiqueta sob uma perspectiva menos frívola e anoréxica que a das passarelas das fashion weeks que acabam de mobilizar a mídia do eixo Rio-São Paulo.
‘Você fala de coisas muito mais profundas do que a mera roupa’, resumiu Lídia Goldenstein, uma das entrevistadoras convidadas, ao comentar a riqueza do olhar de Glorinha para a atividade que domina. Olhar que incluiu a definição de etiqueta como sinônimo de ‘inclusão e conhecimento, para que as pessoas se sintam seguras em relação aos códigos da sociedade’, análises econômicas sobre a poderosa indústria que gravita em torno da moda no Brasil, questões polêmicas como a inserção dos negros – como modelos e consumidores – nesse mercado e a relativização da importância da chamada ‘moda de grife’.
Não por acaso, a audiência do programa foi uma das melhores do ano. Determinada a se manter sempre distante do estereótipo afetado e arrogante que caracteriza o meio em que atua, Glorinha foi simpática e deu respostas inspiradas, como na hora em que definiu as diferentes formas de o brasileiro se vestir: ‘Em São Paulo, é mais vestido, no Rio, mais pelado, em Minas, mais enfeitado, barroco, e, no Nordeste, veste-se de cor, sem se importar se está mais gordo ou mais magro’. Ao falar de Dona Mariza, Glorinha mostrou que pratica, com brilho, a elegãncia que ensina ás pessoas: ‘Agradeço o esforço que ela faz para nos representar bem’.
Se, com todos esses ingredientes ecléticos, ainda assim o Roda Viva desagradou aos seus admiradores menos afeitos a assuntos deslocados do eixo da política e da economia, eles não têm razão para grandes preocupações. Os próximos entrevistados serão Adalberto Luis Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e ninguém menos que o jornalista e escritor Gay Talese.
Tombo na passarela
A lamentar, e muito, para quem acompanhou a retransmissão da entrevista pela televisão, no horário tradicional do Roda Viva, o fato de o programa ter sido atingido abruptamente por um longo break comercial que interrompeu, pelo meio, uma frase de Glorinha Kalil. A lamentar, ainda, a solução dada ao problema: na volta do intervalo comercial, o trecho interrompido da entrevista simplesmente não foi retomado. E ficamos por isso mesmo…
***
Entrada à francesa, 30 de junho
O Nossa Língua, em sua edição de 29 de junho, mais uma vez saiu dos limites do estúdio e do clima de sala de aula e – para usarmos aqui uma referência do programa a um poema de Carlos Drummond de Andrade – foi ser gauche na vida: fez uma rica e interessante viagem pelas influências da língua francesa no português escrito e falado no Brasil. E provou, usando com eficiência os recursos e a linguagem de televisão, que, como disse o professor Pasquale Cipro Neto, ‘a França está entre nós há muito mais tempo do que se possa imaginar’.
A passagem das câmeras do programa pela exposição ‘O francês no Brasil em todos os sentidos’, no Museu da Língua Portuguesa, a entrevista de Felipe Reis com a produtora de moda Gabriela Pinesso – ilustrada por chemisieres, bustiês, bufantes, cache-coeurs, voiles e pantalonas – a ida à ‘Mercearia do Francês’, onde Steven Kerlo explicou a origem de palavras como creme brulée, steak tartar, tarte tatin, crepe, croissant, baguete e outras que compõem a mesa brasileira do café da manhã ao jantar, tudo sempre pontuado com esclarecedoras intervenções do professor Pasquale Cipro Neto, fizeram com que este Nossa Língua certamente atraísse um espectro mais amplo de telespectadores. E sem perder o foco que diferencia o programa.
A destacar, além das envolventes citações literárias e cinematográficas que rechearam o programa, a entrevista de Felipe com a professora de francês Gabriela de Mello Freire e a bem-humorada dramatização de ‘Quadrilha’, outro poema de Drummond, recitado pelo poeta, no encerramento de um programa rico e saboroso, como muitas palavras francesas que hoje fazem parte da nossa vida.
***
Para poucos, 29 de junho
‘Tudo o que é sólido pode derreter’ vai chegando ao fim, repetindo qualidades já citadas aqui neste espaço e alguns problemas que, no episódio inspirado no poema ‘Ismália’, de Alphonsus de Guimaraens, se acentuaram, devido ao clima triste, ao ritmo bergmaniano e às situações predominantemente reflexivas através das quais o roteiro entremeou a loucura da personagem do poema com a depressão aguda de uma das pacientes da mãe da personagem Thereza, o suicídio de Augusto – o tio e conselheiro querido da protagonista – e um trabalho escolar sobre o conceito de sincronicidade. Tudo isso num programa que abandonou quase totalmente o mundo juvenil e que, em boa parte do tempo, esteve ao som da ‘Sonata ao luar’ de Beethoven, uma das mais devastadoras e geniais traduções da tristeza que a música já produziu em todos os tempos.
Não é exagero, portanto, imaginar que muitos jovens sintonizados no horário tenham abandonado o episódio por considerá-lo pesado, ‘cabeça’ demais e, acima de tudo, carente das tramas cotidianas, afetivas e adolescentes bem-desenvolvidas e entrelaçadas com a literatura que marcaram outros momentos da série. Se houve mesmo essa debandada de audiência, o melhor caminho, para os realizadores e para os que acolheram a série na grade da TV Cultura, talvez não seja o habitual conforto de consciência de ter levado ao ar, sem fazer concessões, um conteúdo complexo de alta qualidade que, no final das contas, acaba mesmo sendo para poucos.
O caminho, em nome da coerência com a missão e com os compromissos públicos da emissora, talvez seja o de não se acomodar e tentar formatos, narrativas, recursos e ‘pegadas’ que permitam que esse mesmo conteúdo de alta qualidade seja atraente e importante ‘para muitos’. O veículo televisão, aliás, por sua natureza, é sempre para muitos. Sai muito caro e é um enorme desperdício – seja para um empresário ou para um governo – fazer televisão para poucos.
‘Tudo o que é sólido pode derreter’, apesar de suas potencialidades e do salto de qualidade que representou no cenário atual da TV aberta brasileira, também acaba cedo demais, aparentemente sem tempo de criar algo importantíssimo em televisão e particularmente difícil para uma emissora com uma média baixa de audiência como a TV Cultura: o hábito do telespectador. E parece não haver dúvidas de que quanto maior for o hábito e a fidelidade que um programa conquistar, maior será a disposição – e a paciência – do telespectador para continuar sintonizado nesse programa, mesmo nos momentos de conteúdo mais complexo e difícil como o melancólico episódio de ‘Ismália’.’