‘‘Não, não é mais uma análise daquela minissérie. Desta vez, trata-se de um registro sobre a importância do especial Cultura 40 anos que resgatou momentos preciosos do programa ‘História da Telenovela’, exibido pela emissora em 1979. Com participação de Irene Ravache e de entrevistados como Artur da Távola, Daniel Filho, Herval Rossano e Bráulio Pedroso, entre outros profissionais, o programa…
Não, não é mais uma análise daquela minissérie. Desta vez, trata-se de um registro sobre a importância do especial Cultura 40 anos que resgatou momentos preciosos do programa ‘História da Telenovela’, exibido pela emissora em 1979. Com participação de Irene Ravache e de entrevistados como Artur da Távola, Daniel Filho, Herval Rossano e Bráulio Pedroso, entre outros profissionais, o programa não só lembrava novelas que foram marcos de várias épocas. Ele mostrava um interessante e revelador making of da novela Marron Glacê – em exibição na TV Globo na época em que o programa da Cultura foi ao ar – e, principalmente, discutia a linguagem, o formato e a temática que a teledramaturgia brasileira havia desenvolvido até aquele momento.
Mais do que resgatar, os trechos exibidos no especial reconstituíram um pouco da história de uma genuína revolução da teledramaturgia brasileira: a novela Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso. Ao dar a dimensão do inquestionável passo à frente que a novela representou na linguagem da nossa televisão, a crítica Helena Silveira, entrevistada pelo programa, definiu ‘Beto Rockfeller’ como ‘uma reviravolta’ na qual ‘acabaram-se as mocinhas, os heróis bonitinhos, todo aquele mundo estereotipado’.
Bráulio Pedroso, também ouvido pelo programa, acrescentou: ‘Pela primeira vez aparece um herói que não era impoluto e corajoso. Pelo contrário, Beto era um mentiroso, um carreirista. Hoje, as novelas são quase todas feitas de anti-heróis, mas o Beto foi o primeiro a aparecer na TV’.
A diferença de Beto Rockfelller para outras experiências da época e atuais feitas em nome de uma nova teledramaturgia, foi a de ter não apenas transformado conceitos, processos e métodos de realização de telenovela: mesmo sendo revolucionária, ela teve um impacto imenso de audiência. Foi e continua sendo um modelo inspirador para autores e realizadores que se sentem destinados a mudar ‘tudo isso que está aí’.
A lamentar, apenas a tímida ligação do conteúdo do programa de 1979 com os tempos atuais, através da ancoragem de um Antonio Abujamra pouco solicitado em tudo o que ele é capaz de fazer diante de uma câmera. Um programa como esse, assim a maioria dos que têm sido reprisados nas comemorações dos 40 anos da TV Cultura, merecia dialogar um pouco mais com a produção e os realizadores atuais.
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Mais uma vez, o amor
Transcrevo – e comento depois – mais uma manifestação sobre a minissérie ‘O amor segundo B. Schianberg’, desta vez da telespectadora Luciana de Paula: ‘Sou espectadora do programa ‘Direções’ da TV Cultura e não pude deixar de me manifestar após ler os comentários postados aqui acerca da série ‘O amor’. Minha questão é: o fato das produções da Tv…
Transcrevo – e comento depois – mais uma manifestação sobre a minissérie ‘O amor segundo B. Schianberg’, desta vez da telespectadora Luciana de Paula:
‘Sou espectadora do programa ‘Direções’ da TV Cultura e não pude deixar de me manifestar após ler os comentários postados aqui acerca da série ‘O amor’. Minha questão é: o fato das produções da Tv Cultura serem financiadas pelo dinheiro público gera algum tipo de responsabilidade com a acessibilidade de seu público com a sua produção?
Em primeiro lugar, creio que se não for o patrocínio do dinheiro público, infelizmente, não haverá espaço para uma postura artística experimental verdadeiramente livre e fértil. Em segundo lugar, se a Tv Cultura tem algum compromisso com a preservação de um espaço para manifestações artísticas relativas à teledramaturgia, é extremamente contraditória a preocupação com a aceitação, acessibilidade e até mesmo com um possível caráter ‘pretensioso elitista’ de sua produção.
Tais preocupações terminam não só por desrespeitar mas por violentar a infinita verticalidade de impressões e de sensações que só temos acesso através da arte. É como se a arte tivesse a obrigação de manifestar e de produzir um mesmo sentido inflexível em todos os que a contemplam.
Por fim, essa preocupação com a acessibilidade soa como se o espectador da Tv Cultura não possuísse a capacidade de pensar, segundo suas experiências, sentimentos etc. a produção artística da emissora.
Creio que a Tv Cultura não deve se preocupar em ditar uma mensagem inflexível, mas antes em provocar a reflexão e o diálogo de seus espectadores em torno de sua programação. Assim, ela estará prestando um serviço de utilidade pública e honrando o dinheiro público que usa’.
Vamos lá:
Existem prateleiras inteiras de livrarias e legiões de intelectuais dedicados ao assunto nos quatro cantos do planeta. Portanto, não seremos nós – a telespectadora Luciana de Paula e este ombudsman – os que darão a palavra final sobre o assunto. Ainda assim, sinto-me no dever de comentar algumas colocações de Luciana.
Ao alinhar-se com os que defendem a exibição da minissérie, ela pergunta: ‘o fato de as produções da TV Cultura serem financiadas pelo dinheiro público gera algum tipo de responsabilidade com a acessibilidade de seu público com a sua produção?’ Este ombudsman e, com certeza, a maioria absoluta dos telespectadores que passaram pela TV Cultura na noite de 5 de julho, estréia da minissérie, diríamos que sim, absolutamente sim, se considerarmos que o imposto pago pelo contribuinte, aos cofres do estado de São Paulo, deve retornar para ele através da irrestrita ‘acessibilidade’ deste cidadão a um posto de saúde próximo de sua casa, a uma escola decente para seus filhos, a equipamentos públicos eficientes e, no caso da Cultura, a conteúdos que sejam inegociável e concomitantemente inteligíveis, de qualidade e, de alguma maneira – parafraseando aqui um trecho do estatuto da Fundação Padre Anchieta – importantes para o bom e eficiente exercício da cidadania.
Luciana não diz categoricamente que sim nem que não, mas sugere que essa responsabilidade não é relevante ao afirmar que ‘se não for o patrocínio do dinheiro público, infelizmente, não haverá espaço para uma postura artística experimental verdadeiramente livre e fértil’. Essa premissa econômica é no mínimo discutível, principalmente se olharmos para os países onde inúmeros, prestigiosos e espetaculares museus, bibliotecas, teatros, conservatórios, fundações e complexos culturais são sustentados exclusiva ou predominantemente pela iniciativa privada e por doadores individuais. A dependência do estado, ao que parece, é brasileira. E relacionada com a mentalidade medíocre e imediatista que prevalece no empresariado nacional, quando se fala em investimento na cultura.
Luciana diz ainda que, ‘se a TV Cultura tem algum compromisso com a preservação de um espaço para manifestações artísticas relativas à teledramaturgia, é extremamente contraditória a preocupação com a aceitação, acessibilidade e até mesmo com um possível caráter pretensioso elitista de sua produção’. Para ela, ‘tais preocupações terminam não só por desrespeitar, mas por violentar a infinita verticalidade de impressões e de sensações a que só temos acesso através da arte’. É, segundo ela, ‘como se a arte tivesse a obrigação de manifestar e de produzir um mesmo sentido inflexível em todos os que a contemplam’.
Será que essa defesa da liberdade absoluta do espírito criativo é o único critério para que um artista ou autor desfrute do enorme privilégio que é ocupar a programação da TV Cultura, qualquer que seja o talento, a qualidade, o impacto social, o compromisso estético ou a relevância cultural desse artista ou de sua obra? Certamente não, pelo menos em uma emissora pública.
A incapacidade de um autor de estabelecer algum tipo de comunicação com o público, multiplicada exponencialmente quando se trata de um programa de televisão como o que abrigou ‘O amor segundo B. Schianberg’, em vez de ser um problema para o autor e a emissora resolverem com urgência, torna-se, muitas vezes, argumento para a construção de uma espécie de biombo intelectual dentro do qual autores supostamente geniais e incompreendidos em seu tempo se vêem cercados de ignorância, obscurantismo e caretice de todos os lados.
A satisfação intelectual e estética do telespectador, por este critério, não é problema do artista ou da emissora. Ao contrário, o que se propõe, indiretamente, é que o telespectador, por ser praticamente dispensável nesse processo, simplesmente procure outro canal. E, sob pena de ser considerado ignorante ou esteticamente insensível, não se atreva a desconfiar que a TV Cultura, muitas vezes, compra – e passa pra frente, com sua conceituada chancela – o caótico como se fosse o complexo, o confuso como se fosse o flexível, o incompreensível como se fosse o sofisticado e o equívoco como se fosse vanguarda.
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Futebol também é Cultura
– Mano Menezes, boa noite e muito obrigado por sua participação aqui no Roda Viva. – Boa noite. Eu que agradeço, em nome do futebol, estar ocupando um lugar tão privilegiado do jornalismo brasileiro. Os cumprimentos iniciais entre Heródoto Barbeiro e Mano Menezes, mais do que uma formalidade, foram a antecipação de um programa em que o técnico…
– Mano Menezes, boa noite e muito obrigado por sua participação aqui no Roda Viva.
– Boa noite. Eu que agradeço, em nome do futebol, estar ocupando um lugar tão privilegiado do jornalismo brasileiro.
Os cumprimentos iniciais entre Heródoto Barbeiro e Mano Menezes, mais do que uma formalidade, foram a antecipação de um programa em que o técnico do Corinthians se incluiu na galeria de entrevistados do Roda Viva que se destacaram pela elegância das respostas, pela ética na crítica que fez a técnicos, jogadores e dirigentes, pela suave franqueza com que apontou pecados recorrentes do jornalismo esportivo brasileiro e pelo dedo certeiro que apontou na direção de feridas estruturais de organização e de gestão do esporte mais importante do Brasil.
Vale destacar, a propósito, seu sincero e contundente depoimento sobre a incapacidade da maioria dos jogadores brasileiros de cuidar da própria vida profissional, seja para se alimentar corretamente num prosaico café da manhã, antes dos treinos, ou para planejar a vida depois de pendurar as chuteiras.
Heródoto e os entrevistadores Dan Stulbach, Antero Greco, Vladir Lemos e Andrea Pasquini foram coadjuvantes de um programa interessante e envolvente que esteve quase sempre distante da temática estritamente futebolística de certas mesas-redondas da TV. Mas a notória admiração pelo entrevistado – para não falar do coração corintiano de alguns – talvez tenha contribuído para que, num rasgo de pudor, todos poupassem Mano de duas perguntas específicas e obrigatórias, à luz do noticiário atual: a atuação de Dunga à frente da seleção e o convívio de Mano com Ronaldo Fenômeno no Corínthians.
Há telespectadores que ficam inconsoláveis quando a pauta do Roda Viva sai dessa maneira de seu eixo tradicional de temas e convidados. E alguns desses telespectadores identificam qualquer fresta de popularidade e o conseqüente potencial de audiência desse tipo de pauta como indício automático de uma irreversível descambada da emissora a caminho da submissão a supostos e demoníacos critérios ‘globais’ de programação. Em uma das mensagens recebidas por este ombudsman, o telespectador considerou o convite a Mano Menezes ‘Globo demais’, dando a entender que a paixão de milhões de torcedores pelo Corinthians e a importância do clube no cenário esportivo, social e antropológico brasileiro, na verdade, fariam parte de mais um pacote manipulador supostamente engendrado no departamento de marketing da emissora atualmente detentora dos principais direitos de transmissão do futebol no país.
Menos, pessoal. Menos. Se fosse assim, o Roda Viva não teria entrevistado, ao longo de sua existência, além de muitas personalidades internacionais, praticamente todas as pessoas importantes em praticamente todos os setores da vida brasileira.
Fora de si
Um momento de excelência em matéria de humor e conteúdo didático na edição do Nossa Língua de 13 de julho: o ‘telejornal’ em que o ator Felipe Reis, no impagável papel de Gélson Babosa, apresentador do noticiário, e o professor Pasquale Cipro Neto, abordaram a falta de concordância proposital de Arnaldo Antunes na letra da música ‘Fora de si’.
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Avanço ou retrocesso?
A propósito da análise feita aqui do primeiro episódio da série ‘O Amor Segundo B. Schianberg’ exibido em 5 de julho pelo programa Direções, recebi os seguintes comentários do coordenador de Conteúdo e Qualidade, Gabriel Priolli: ‘Caro Ernesto, Embora eu compartilhe integralmente da sua preocupação com a pouca clareza e a difícil inteligibilidade da narrativa, problema que foi…
A propósito da análise feita aqui do primeiro episódio da série ‘O Amor Segundo B. Schianberg’ exibido em 5 de julho pelo programa Direções, recebi os seguintes comentários do coordenador de Conteúdo e Qualidade, Gabriel Priolli:
‘Caro Ernesto,
Embora eu compartilhe integralmente da sua preocupação com a pouca clareza e a difícil inteligibilidade da narrativa, problema que foi apresentado e reiterado ao diretor Beto Brant, julgo importante considerar a proposta da série ‘Direções’, que é a de experimentar novas abordagens e linguagens na teledramaturgia.
Trabalhamos com diretores de teatro pouco ou nada familiarizados com a linguagem audiovisual e, nesta terceira fase do projeto, também com cineastas sem vivência anterior em televisão. O preço a pagar nessa ousadia é a irregularidade dos produtos que obtemos. Alguns, a meu ver, estão aquém da experimentação proposta, são convencionais, até antigos nas soluções adotadas. Outros, como este criticado por você, estão além, avançam tanto no rumo da invenção que se descolam totalmente das convenções básicas da televisão, entre as quais a clareza, a comunicação fácil.
A posição do supervisor do projeto ‘Direções’, e do programador dos produtos que resultam dele, é bastante complexa. Se pressionamos os diretores para que as convenções sejam obedecidas, como fizemos com Beto Brant e todos os demais, corremos o risco de tolher a criação, limitar os experimentos e obter a mesma teledramaturgia de sempre. Se flexibilizamos a partir de certo ponto, em nome da não-interferência na liberdade de criação, o risco é de ter programas eventualmente incompreensíveis, ou pouco palatáveis ao gosto médio do público. Entre essas alternativas, nós e o parceiro SESC-TV preferimos a segunda.
A experimentação é sempre feita de erros e acertos. E este é um projeto em que o processo de produção, a vivência desse processo, é tão ou mais importante do que os produtos obtidos. Por isso, toda crítica é benvinda. Ela é que permite aos realizadores amadurecer a sua visão dos problemas envolvidos na comunicação televisiva, para que acertem cada vez mais, sem renunciar à invenção.
Abraço,
Gabriel
Registro feito, considero importante dizer que não concordo com a idéia de que a série dirigida por Beto Brant avance no rumo da invenção, como acredita Gabriel Priolli, ou com a conclusão de que ela seja pouco palatável apenas ao gosto médio do público. A título de ilustração desse pensamento, transcrevo a mensagem sobre o mesmo assunto que recebi do telespectador Gerson Batista:
‘Sinceramente – e falo como admirador da Tv Cultura – não consigo imaginar que motivos levaram a emissora a exibir (aliás, produzir, também) essa mini-série-reality absurda. Fico pensando: quanto desperdício de dinheiro público! Acompanho com interesse as experimentações que vêm sendo feitas no programa Direções. A primeira temporada da série foi magnífica, inclusive com excelentes e esclarecedores making-ofs, que depois deixaram de ser feitos. Daí para a frente, a série foi decaindo até chegar no que eu, particularmente, considero o fundo do poço.
Não há conteúdo (perceptivel, pelo menos), não há qualidade técnica (às vezes parece um jornalismo com câmera escondida), não há uma história a ser seguida, não há nada, apenas uma enorme pretensão. Nada contra o experimentalismo, mas há que se ter um mínimo de critério antes de se levar ao ar o resultado.
Lamento o descaminho que a proposta de uma teledramaturgia na Tv Cultura está trilhando, mas espero que o bom senso prevaleça e que os conselheiros, diretores e as pessoas que decidem o que fazer com o dinheiro com o qual o contribuinte sustenta essa emissora, muitas vezes sem saber, consigam imaginar uma maneira de criar algo menos hermético, menos pretensioso, menos ‘elitista’ (nem sei se é…) e mais popular. Creio que as pessoas que acompanham teatro e teledramaturgia vão agradecer.
Gerson Batista’