‘Até o retorno do ombudsman de suas férias, no dia 1º de fevereiro, esta coluna vai republicar, diariamente, textos que ele selecionou entre os postados aqui ao longo do segundo semestre de 2009, levando em conta a permanência e a atualidade dos conteúdos, sempre no interesse do telespectador.
Depois de uma abertura ágil, bem-editada e que remete diretamente para a proposta do programa, o Almanaque Educação, logo na estreia de sua nova temporada, deixa claro que deu uma guinada considerável no formato do projeto, trocando as ruas da grande cidade por um cenário bem mais familiar ao cotidiano de milhões de estudantes brasileiros: um quarto bagunçado com um computador conectado à Internet e os vários ambientes de uma escola.
Mais do que uma troca de cenários, o programa reinventou os eficientes quadros da primeira fase, adaptando-os ao novo eixo narrativo formado por Cadu (Glauko Dias) e Mano (Fabio Baldacci), os amigos que resolvem fazer um programa caseiro de TV voltado para as situações e desafios que vivem diariamente.
O elenco original, se já não é mais a trupe circense que ancorava o programa, agora é um elemento decisivo na sustentação dos quadros, principalmente se considerarmos que Glauko e Fabio, por serem atores jovens ainda em fase de aprendizado das técnicas de representação, nem sempre conseguem a química exigida pelos personagens Cadu e Mano.
Os quadros do programa agora ficaram inteiramente a serviço das necessidades, curiosidades e aflições de jovens estudantes como Cadu e Mano. O ‘Pílulas do Saber’, por exemplo, serviu tanto para um olhar mais sofisticado sobre um típico assunto curricular – no caso, a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial – quanto para que Cadu – e, por tabela, os telespectadores – entendessem o que acontece com o nosso corpo em situações de stress, como a de ser chamado para uma conversa com a diretora da escola depois de uma travessura.
Na mesma linha estão o ‘Fala aí!’, uma janela para a participação dos telespectadores; o ‘Túnel do Tempo’, feito para mergulhos específicos de pesquisa audiovisual – no programa em questão, um paralelo entre a iminente punição disciplinar de Cadu e a repressão aos estudantes na Praça da Paz Celestial, em Pequim, 1989; e o ‘Ser ou não ser’, uma espécie de guia vocacional que, na estreia da nova temporada, mostrou um pouco da profissão de jornalista através de um encontro de uma estudante com Heródoto Barbeiro na redação da TV Cultura.
Vale destacar, no quadro ‘Grande Reportagem’, a divertida simulação com material de arquivo na qual Cadu ‘entrevistou’ ninguém menos que Ronaldo Fenômeno – um filão, aliás, praticamente inesgotável (e barato), se pensarmos na riqueza do acervo da emissora. E, no quadro realmente inédito chamado ‘TV do Cadu’, a bem-humorada entrevista com um Batman septuagenário e morrendo de ciúmes do Oscar conquistado pelo personagem Coringa.
Por tudo o que mostrou na retomada do projeto, o Almanaque Educação ganhou mais foco, pertinência, ritmo e eficiência como conteúdo de TV aberta voltado para o público infanto-juvenil. E tudo isso sem ter que abandonar as premissas educacionais que inspiraram o programa.
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Prestígio e solidão, 4 de janeiro
A cobertura jornalística feita semana passada sobre o anúncio do Vale-Cultura, além de tornar pública uma crítica do presidente da República às empresas que fazem mecenato com o dinheiro do contribuinte sem tirar do próprio bolso, trouxe de volta algumas estatísticas que servem muito ao debate sobre a missão e as responsabilidades das emissoras públicas do país.
De acordo com a Folha de S. Paulo de 25 de Julho, 93% dos brasileiros nunca foram a um museu, 87% não freqüentam cinema e 83% não compram livros. O jornal não especifica os números relativos à televisão, mas não é difícil concluir que o gigantesco contingente de cidadãos que passam longe de museus, salas de cinema, livrarias e teatros tem, principalmente na TV aberta, sua única fonte de informação jornalística, entretenimento e de cultura.
As estatísticas da Folha são coordenadas precisas e contundentes para desenharmos, por exclusão, não apenas o perfil médio do telespectador da TV aberta brasileira, mas também o tipo de conteúdo que ele, de certo modo, impõe às emissoras. Os dados também servem para diagnosticarmos a extensão e a profundidade da falta de sintonia entre boa parte dos conteúdos exibidos pela TV Cultura e esse telespectador que, ao contrário do presidente do Senado, é uma pessoa comum.
Pela experiência de mais de um ano no cargo, não considero absurdo afirmar que a programação adulta e juvenil da TV Cultura não se preocupa, prioritariamente, com esse telespectador médio. Mais que isso: não prevalece, na emissora, um compromisso orgânico, metodológico, disciplinar, estrutural e filosófico de democratizar seus programas, de torná-los mais compreensíveis, mais atraentes, mais – palavrão supremo! – competitivos em relação aos canais comerciais, menos excludentes, menos impenetráveis e menos estranhos ao telespectador pertencente à categoria que não compra livros, não freqüenta cinema e não vai ao teatro.
E o pior: pelo tipo de correspondência que recebo como ombudsman, constato que boa parte dos que enviam mensagens cultiva – alguns involuntariamente, outros de forma explícita – um aprofundamento ainda maior dessa distância entre os ‘sensíveis’, ‘cultos’ e ‘exigentes’ de um lado, e a ‘massa ignorante’ que engorda a audiência das emissoras comerciais, de outro. É uma mal-disfarçada celebração do elitismo, do preconceito cultural, da incomunicabilidade das classes sociais e, em última análise, da manutenção do atual descalabro na distribuição da riqueza cultural brasileira. Tudo custeado, compulsoriamente, diga-se, por milhares de contribuintes telespectadores que são excluídos da festa não porque não se sentem convidados para participar dela, mas por serem considerados ignorantes, indolentes, ingratos e, em última análise, culpados únicos pela pobreza cultural que os cerca.
Para esse tipo de ‘defensor’ da TV Cultura para poucos – e os inabaláveis representantes dessa postura dentro da emissora – qualquer movimento no sentido de abrir pontes entre qualidade e audiência, como aconteceu no recente debate sobre a minissérie de Beto Brant, é automaticamente classificado como uma concessão vergonhosa e criminosa aos baixos ditames das TVs comerciais. E como são poucos os que se levantam contra essa enorme e custosa mistificação, tudo fica como antes: programação noturna autista, audiência baixa e a fama cada vez mais consolidada de emissora preferida dos que não assistem televisão.
Na mesma edição da Folha de S. Paulo citada no início desta coluna, entrevistado em uma das reportagens sobre o Vale-Cultura, o cantor Chico César, ao manifestar seu apoio ao novo benefício, nos deu, sem querer, uma síntese das contradições da TV Cultura: ‘Em qualquer área, as políticas públicas são feitas para a sociedade. Na cultura, são para o artista’.’