‘Transcrevo email recebido da diretora do programa Nossa Língua, Solange Martins, não apenas pelo dever de abrir espaço para os esclarecimentos que ela faz em relação à coluna na qual analisei a edição do último dia 19 de maio (‘Abaixo o juridiquês’), mas também porque esse diálogo – não importa quem esteja com a razão ou quais sejam os ocupantes das duas pontas da linha – deveria ser uma rotina em todos os núcleos responsáveis pelos conteúdos que a TV Cultura leva ao ar.
Infelizmente não é rotina.
É exceção.
Por isso, vamos a ela:
Prezado Ernesto,
Com respeito à sua avaliação do Nossa Língua, programa 7 – juridiquês, tenho a informar que:
1. checamos tecnicamente o programa e não foi identificada a mancha vermelha citada. Provavelmente, acredito ter sido problemas em decorrência de sua recepção (sinal TV a cabo, satélite, etc.);
2. quanto à crítica colocada: ‘o programa ficou visualmente distante dos cenários reais (no caso, o mundo jurídico e seus ícones), o que resultou em um dos problemas do antigo modelo do Nossa Língua: a dependência demasiada do estúdio.’ que atinge a série no seu parecer, para mim é um alerta para que não percamos o rumo. Temos nos empenhado, apesar de algumas questões de produção e de agenda, em pautar nosso roteiro conforme proposta apresentada aos núcleos de Educação e de Conteúdo e Qualidade. Tais questões, eventualmente, podem prejudicar o dinamismo esperado no trato dos temas que abordamos.
Observei que você deixou de comentar os últimos cinco programas que foram ao ar e que estão disponíveis na íntegra no site do programa. Convido-o a dar uma olhada neles. Programas que abordaram temas muito interessantes desenvolvidos em espaços públicos, arejados e com personagens que trouxeram referências históricas e curiosas da nossa cultura e da língua portuguesa. Os temas dos programas que já foram ao ar: linguagem infantil, cartas, metáfora e tupi. De todos esses programas temos recebido apoio e elogios dos telespectadores.
3. Em relação ao quadro Liga Portuguesa, estamos buscando ainda o formato ideal não só na questão do texto como na linguagem.
Adianto que, no programa da próxima semana, haverá uma entrevista do Pasquale com a jornalista Nina Horta gravada em estúdio, por questões de agenda. Sabemos que não é a solução que desejamos.
Ernesto, concluindo: considero seu olhar externo sobre o nosso trabalho um forte apoio para mantermos a obrigatória qualidade que é um dever da nossa emissora pública. E tenha a certeza de que, no que depender da equipe, o programa não cairá no formato antigo.
Obrigada, mais uma vez.
Solange Martins
Diretora do Nossa Língua
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Conversa de ombudsman – II (21/5/09)
A televisão e a Internet, ainda que representadas com um quarto dos participantes da reunião anual da ONO (Organization of News Ombudsman), foram ausências sentidas na temática das palestras e debates do encontro realizado em Washington no início da semana passada. Concentrados nos desdobramentos traumáticos da crise que anda encolhendo redações de jornais do primeiro mundo, os responsáveis pelo conteúdo da reunião nem chegaram perto de esboçar estratégias para convencer as grandes emissoras do mundo da necessidade, da utilidade e das vantagens da presença de um ombudsman nessas organizações. Menos ainda da discussão da especificidade e dos requisitos necessários para o exercício de analisar, além do telejornalismo, todos os outros conteúdos geralmente transmitidos pela TV e quase sempre copiados para a Internet: dramaturgia, música, arte, esporte, talkshows, reality shows, programas infantis e educativos, entretenimento em geral, documentários e cinema.
Outra abordagem importante que também não chegou a ser nem mencionada pelos organizadores da reunião da ONO foi a da necessidade de se conceituar, discutir e formatar um modelo atuação do ombudsman de TV que dispense ou não se restrinja à intermediação dos sites das emissoras e tenha, desse modo, um alcance e um impacto bem maiores, através de programas regulares na grade de cada emissora, com espaço garantido, estrutura, verba e autonomia equivalentes à que os ombudsmen têm nos blogs e páginas de jornal. Até porque se os ombudsmen e os leitores de jornal têm espaço no mesmo produto que, respectivamente, analisam e consomem, qual a justificativa para que o mesmo não aconteça na televisão?
A reunião da ONO, embora tenha sido rica na abordagem dos temas gerais da função do ombudsman, como destaquei na coluna do dia 18, de certa forma virou as costas para a televisão e a Internet. O que equivale à reação das pessoas à chegada da televisão, na era de ouro do rádio, um século atrás.
E é uma pena.
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Abaixo o juridiquês (19/5/09)
Mais uma edição oportuna e interessante do Nossa Língua, desta vez contra os absurdos herméticos do juridiquês, para o bem geral do público que precisa da Justiça, e não do especialista. O programa entrevistou advogados e juízes sobre a floresta impenetrável da língua dos tribunais, destacando pérolas hilariantes como ergástulo público (cadeia pública), remédio heróico (mandado de segurança), consorte supérstite (viúvo) e manias como a que alguns advogados têm de iniciar uma petição dizendo ‘por proêmio cabe obtemperar’ (inicialmente é importante analisar). Tudo destacado na tela, sem medo do recurso às frases garrafais, que valorizam as palavras – razão de ser do programa – e que funcionam muito mais do que simples créditos em caracteres.
Pena que, mais uma vez, um problema operacional – agora em forma de mancha vermelha – tenha tomado conta da mesma tela no início de mais um quadro com o ator e repórter Felipe Reis, cortando o início da história em torno da palavra chichisbéu (cortejador). Felipe, aliás, continua perfeito no papel do apresentador de telejornal que protagoniza diálogos bem-humorados da linguagem jornalística com os temas do programa.
O quadro ‘Liga Portuguesa’, no entanto, começa a destoar do bom conteúdo geral do novo Nossa Língua, pelo texto às vezes caricato e pela falta de agilidade da edição. Vale lembrar também que, desta vez, o programa ficou visualmente distante dos cenários reais (no caso, o mundo jurídico e seus ícones), o que resultou em um dos problemas do antigo modelo do Nossa Língua: a dependência demasiada do estúdio.
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Conversa de ombudsman (19/5/09)
Há uma semana começavam três dias de palestras e debates durante os quais ombudsmen e ouvidores da mídia escrita e eletrônica filiados à ONO (Organization of News Ombudsmen) discutiram e refletiram em profundidade seu papel, os princípios fundamentais da função e os desafios deste momento em que as empresas e instituições do setor sofrem o impacto da crise econômica internacional e da fulminante transformação tecnológica e comportamental que está revolucionando o mundo da comunicação.
O fato de a reunião anual da ONO ter sido realizada em salas e auditórios cedidos por três instituições da mídia americana em Washington – o Washington Post, a sucursal do New York Times na capital americana e a sede da NPR (National Public Radio), respectivamente – contribuiu para que parte dos debates acabasse refletindo um pouco a séria crise que atinge os jornais dos Estados Unidos e da Europa. O que prevaleceu, no entanto, crise à parte, foi uma rica troca de experiências sobre como os ombudsmen estão desenvolvendo e aprimorando o serviço que prestam aos leitores, ouvintes e telespectadores em qualquer parte do mundo.
Uma pesquisa apresentada pelos holandeses Jan van Groesen, ombudsman da Foundation Media, e Huub Evers, da Fontys University of Applied Sciences, mostrou que existem pelo menos seis tipos de ombudsmen e que eles diferem entre si de acordo com o tipo de responsabilidade que têm, a periodicidade de suas manifestações e análises, o grau de envolvimento de cada um com a equipe responsável pelo conteúdo que analisam e a autonomia em relação ao comando da empresa ou instituição onde atuam.
Vale registrar que o perfil do ombudsman da TV Cultura, pelas características do contrato que define sua atuação, por sua autonomia e pela distância física e funcional que mantém da emissora e de seu organograma administrativo, técnico e operacional, pode ser enquadrado no modelo que os autores da pesquisa – e a maioria absoluta dos integrantes da ONO – consideram ideal, juntamente, por exemplo, com os ombudsmen do Washington Post, do New York Times (chamado de Public Editor) e da Folha de S. Paulo.
O que não muda, qualquer que seja o perfil do ombudsman, é o tipo de queixa que ele recebe e, consequentemente, o conteúdo predominante das análises internas, colunas ou programas que produz: falta de isenção, erros factuais, imprecisões, uso errado da língua e, claro, conteúdos tendenciosos, inadequados, pouco educativos ou de mau gosto. Boa parte dos ombudsmen tem outro comportamento comum: eles tomam muito cuidado para não confundir o leitor, ouvinte ou telespectador autêntico com as investidas organizadas e quase agressivas de certos blogueiros, independentemente das bandeiras ideológicas, filosóficas ou corporativas que esses militantes dizem representar, em qualquer parte do planeta.
Uma outra pesquisa apresentada no encontro de Washington, desta vez por Tom Rosenstiel, diretor do ‘Project for Excellence in Journalism’, mostrou que a razão de ser do ombudsman não muda, não importando o tipo de veículo de comunicação ou o país onde ele atua. Para Rosenstiel, o ombudsman é ou deve ser, ao mesmo tempo, um autenticador de condutas e conteúdos veiculados, um explicador da mídia para o público leigo, um ouvidor individual de queixas e comentários, um incentivador de debates, um organizador de padrões e, principalmente nesses tempos de buscas infinitas na Internet, um ‘navegador’ seguro e confiável para o leitor, ouvinte ou telespectador.
Que assim sejamos…
Obs: Houve muito mais no encontro da ONO. Voltarei ao assunto sempre que considerar interessante ou pertinente para o telespectador da TV Cultura.’