‘Num país ainda sacudido pelo filme-fenômeno ‘Tropa de elite’, um documentário como este Doc TV IB ‘Jesus no mundo maravilha’, mesmo sendo uma nova reprise, merecia ser mais valorizado com chamadas da programação e até cabeças de estúdio.
O assustador perfil do PMs paulistas aposentados ( por idade ou expulsão) que fazem bico de segurança na periferia da capital é um documento raro, pela naturalidade com que eles assumem, diante das câmeras, a sinistra filosofia do extermínio justiceiro de supostos bandidos ou marginais. Tudo isso filmado e editado magistralmente em meio a crianças e brinquedos, carrosséis e barracas de um parque de diversões de Itaquera.
Parece um pesadelo surreal, mas é a realidade. Os PMs existem, os casos que eles contam são verdadeiros e a mímica que fazem da matança é de arrepiar. Um dos PMs, ao descrever como matou um assaltante, celebrou o primeiro dos muitos tiros que deu dizendo: ‘Bateu fofo, ‘tuf’, aquele barulho maravilhoso’. Em suma, um documentário de primeira qualidade que ficou meio escondido do telespectador.
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Resposta exemplar, 12 de março
Nunca é demais lembrar: todos, rigorosamente todos os emails enviados a este ombudsman são lidos, avaliados pelo próprio e encaminhados ao Serviço de Atendimento ao Telespectador, que, por sua vez, se encarrega de acionar as áreas envolvidas da emissora para dar uma resposta que seja a mais satisfatória possível ao telespectador.
Como exemplo desse novo sistema de comunicação da TV Cultura com seu público, vale citar o caso de um telespectador que mandou uma mensagem particularmente alarmante que envolvia a série Cocoricó. Pai de família, compulsoriamente forçado a ficar em casa por motivo de doença, ele disse ter acompanhado alguns capítulos e se mostrou escandalizado com o que chamou de ‘mensagens subliminares’ de ‘traição’, ‘maldade’, ‘vingança’ e com o uso de expressões como ‘imbecil’ e ‘idiota’.O email do telespectador ao ombudsman provocou imediata mobilização na emissora. Primeiro, de Fernando Gomes, diretor da série Cocoricó, que, em resposta pessoal, disse nunca ter visto tal tipo de interpretação de conteúdo em 13 anos de exibição do programa. Suas palavras:
‘Nunca um termo como ‘idiota’ ou ‘imbecil’ veio escrito em algum roteiro, até porque os roteiros passam por infindáveis aprovações antes de entrar em estúdio. E se no momento da gravação qualquer ator usasse uma palavra assim, a cena provavelmente não seria aproveitada. Até porque, mesmo depois de gravada, ela é revista muitas vezes no processo de edição e finalização. Seria inutilizada e refeita’.
Ao comentar as supostas mensagens subliminares apontadas pelo telespectador, Fernando disse que os personagens do programa ‘são passíveis de sentir inveja, ciúme, medo, tristeza, solidão e até raiva em algum momento’ pelo fato de estas serem ‘situações reais que uma criança vai encontrar durante a vida’. Esclareceu, no entanto, que o objetivo é o de ajudar a preparar as crianças. E assegurou:
‘Nunca um personagem passa por uma situação negativa e é essa a mensagem final. Se algum dos vilões usa de um comportamento questionável para se dar bem, até o momento final do programa ele se arrependerá do fato, pois verá que sua atitude não deu certo e não foi boa’.
O segundo passo da atitude exemplar da equipe do programa Cocoricó ficou por conta do coordenador Fernando Salem, que, depois de analisar 52 roteiros produzidos pela atual equipe de criação da série, afirmou não existir neles uma única menção das expressões ‘imbecil’ e ‘idiota’. E acrescentou:
‘O mais ‘agressivo’ que encontrei é o bordão ‘bobalhão’ já consagrado há anos pela dupla Dito e Feito’.
Salem também informou ao telespectador queixoso ter relido as sinopses dos 52 episódios e não ter encontrado qualquer atribuição, a personagens, de ações baseadas em atitudes antiéticas. Ele explicou:
‘Há sim, sentimentos como ciúmes, solidão e, por parte dos vilões Pata Vina e Pato Torquato, tentativas de tripudiar – sempre mal-sucedidas. Claro, como em todas histórias infantis, há o antagonismo natural entre as ações antiéticas dos vilões e o ponto de vista dos pequenos heróis. Sempre prevalecendo a idéia de que o respeito coletivo, a solidariedade e a parceria são vitoriosas. Em todos os episódios, o final enaltece uma iniciativa baseada em valores calçados na ética e no respeito à cidadania’.
Ao finalizar a resposta ao telespectador, Fernando Salem enumerou as premissas presentes e obrigatórias no processo de roteirização dos novos episódios da série: não valorizar a vida urbana em detrimento da vida rural, não estimular o egoísmo, valorizando as ações coletivas; levar em conta a diversidade de personalidades, estilos e atributos de cada criança, não tornando uma melhor do que a outra; estimular o papel dos adultos nas situações de risco e contendas; levar o Estatuto da Criança e do Adolescente ao público de forma compreensível e prática; valorizar jogos e brincadeiras corporais em comparações com a utilização de games; utilizar a língua portuguesa de forma coloquial e ágil, introduzindo vocabulário; colocar conflitos de valores sem mensagens moralistas, deixando as crianças refletirem baseadas nos parâmetros da ética e do respeito; não utilizar termos chulos ou de duplo sentido, apenas gírias ligadas ao estilo dos personagens; atentar para os perigos de acidentes domésticos e conscientizar para a questão ambiental.
Independentemente de sabermos se o telespectador que se queixou do Cocoricó vai manter suas graves acusações ou descobrir que fez alguma confusão entre programas ou emissoras, este episódio foi uma demonstração referencial de eficiência e de respeito ao telespectador, em várias instâncias da TV Cultura.
Que assim seja sempre.
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A TV que fez bem, 11 de março
Aula I
As vinhetas da série ‘Plantão Ortográfico’, que duram em torno de 40 segundos e estão pontuando a grade de programação sob o comando competente e bem-humorado do professor Pasquale Cipro Neto, são um exemplo perfeito da força e do impacto que conteúdos aparentemente acadêmicos ou burocráticos podem ganhar, se concebidos, produzidos e editados em formatos adequados à gramática da televisão, em particular a da TV aberta.
E se pensarmos na tremenda utilidade da série e na eficiência com que ela está disseminando as regras estabelecidas pela reforma ortográfica, estaremos diante de um momento irretocável da TV Cultura no cumprimento de sua missão como emissora pública.
Aula II
Que ninguém se engane: por trás do estilo ágil, jovial, aparentemente clipado – no sentido negativo de fragmentação – e despudoradamente alegre que, na opinião deste ombudsman, torna o Pé na Rua uma referência de linguagem entre os programas atuais da TV Cultura, há uma gramática, uma narrativa construída de forma clara, precisa e inteligível – o que é brutalmente importante num tipo de comunicação no qual não temos, pelo menos por enquanto, como um fazer replay instantâneo, como fazemos com os olhos nas páginas de um livro ou de um jornal.
Exemplo: na enquete ‘Qual é o seu grande sonho?’, no programa de 10 de março, a edição agrupou, com cuidado e senso de humor, primeiro as respostas sobre o sonho de cada jovem entrevistado, depois as explicações para os sonhos, o grau de esperança de cada um de realizá-los, os sonhos secundários, e as alternativas de cada um para a hipótese de os sonhos não se tornarem realidade. Para fechar a edição, o Pé na Rua lembrou os exemplos de grandes sonhos que se realizaram (Santos Dumont, Graham Bell, Thomas Edison), deixando no ar a sugestão de que vale sempre a pena lutar por eles. Tudo claro, encadeado e saboroso como uma boa página de jornal, uma bela coreografia ou uma sequência impactante de cinema.
Há, é claro, quem proponha linguagens heterodoxas ou alternativas. Mas para nos aventurarmos nelas com algum êxito é preciso saber, primeiro, contar muito bem uma história em televisão. E isso a equipe do Pé na Rua sabe.
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Dunga na roda, 10 de março
Não foi assim um João Saldanha, modelo que este ombudsman desconfia ser o secretamente preferido da maior parte dos (poucos) telespectadores do programa Roda Viva que dão atenção ao futebol, mas a entrevista com Dunga teve o mérito de permitir que todos tivéssemos oportunidade de conhecer e avaliar, além do azedume generalizado com que a crônica esportiva tem tratado o personagem, a dimensão – e também as fronteiras – do pensamento do atual técnico da seleção brasileira.
Os entrevistadores convidados – os jornalistas José Silvério e Soninha Francine, o ex-jogador Raí e o ator e técnico bissexto Nuno Leal Maia – ajudaram Heródoto Barbeiro a tirar Dunga da retranca, a não ser nos momentos em que Silvério, na determinação de mencionar seu inquestionável conhecimento do futebol e sua participação nos grandes momentos do esporte das últimas décadas, teve certa dificuldade de passar a bola para o entrevistado.
Dunga, algumas derrapadas no português à parte, mostrou que, tendo tempo e um ambiente menos agressivo que o das coletivas para a imprensa esportiva, consegue ir além do seu recorrente e previsível discurso de união e responsabilidade, e da conversa tática típica das mesas-redondas, proposta, neste Roda Viva, principalmente, por Nuno.
O técnico – apresentado por um perfil competente e informativo no início do programa – igualou-se ao desempregado Luis Felipe Scolari nas pressões que vem sofrendo, fez referências ao mesmo tempo carinhosas e cuidadosas a Ronaldo Fenômeno um dia após o histórico gol do atacante contra o Palmeiras, não hesitou em fornecer argumentos e estatísticas para defender sua geração e desmontar o discurso de que ela jogou um futebol feio e defendeu o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, com o argumento de que ‘não adianta renovar por renovar’. Ao defender a prática de treinos privados como expediente para evitar o oba-oba fatal da seleção na Copa de 2006, Dunga deu uma cutucada antológica no comportamento obsessivo da imprensa esportiva: ‘Eles transmitem até bobinho’.
Heródoto Barbeiro, muito à vontade em sua reestreia como âncora do programa, apesar de prejudicado pela falta de um teleprompter no texto de abertura, pode ter dividido opiniões apenas num momento específico. Foi quando, ao perguntar sobre as relações de Dunga com Ricardo Teixeira, assumiu um tom que, para alguns, era mais de interpelação do que jornalístico.
Paulo Caruso, assim como Ronaldo fez com os palmeirenses, deixou para o finalzinho do programa um cartoon antológico: Dunga, com a roupa de anão do personagem do desenho animado, pergunta à entrevistadora Soninha: ‘Você que é a Branca de Neve’?
E já que o assunto é futebol..
Não é o caso de cair na tentação e nos exageros da idealização do passado e começar a desancar o futebol que se joga no mundo hoje, mas a série especial do programa Grandes Momentos do Esporte com a íntegra de jogos importantes – no caso, a partida de estreia da seleção brasileira contra a União Soviética, na Copa de 1982, narrada pelo vibrante Luciano do Vale, então estrela da equipe da TV Globo, detentora dos direitos exclusivos de transmissão – e comentários no intervalo – no caso, uma conversa de Hélio Alcântara com Sócrates, o capitão do grande time dirigido por Telê Santana – é um presente para os telespectadores que se desesperam com a falta de alternativas da TV aberta aos domingos.’