‘Há alguns anos, a convite da direção da PUC-RJ, estruturei um programa para a disciplina Comunicação em TV, a partir de reflexões sobre os meus 15 anos na função de editor e executivo de telejornalismo em vários programas da TV Globo. O preâmbulo que fiz para o curso, revisitado abaixo e agora adaptado aos desafios de minha função atual como ombudsman da TV Cultura, merece ser assunto desta coluna, não como pretensão de documento acadêmico, mas como mais uma reflexão que está na base das análises que tenho feito aqui desde maio de 2008.
A televisão, do conteúdo ao aparelho, é fortemente condicionada pela forma com que nós a consumimos. Na prática, é um eletrodoméstico tecnicamente sofisticado que tem de conviver ou disputar – e às vezes perder – o espaço doméstico com outros estímulos e interferências do cotidiano, como as conversas paralelas, o preparo do jantar, o acerto de contas da casa, bebês e pimpolhos impacientes, campainha, telefone e outras modalidades de poluição sonora e visual.Uma televisão ligada está longe de ser, portanto, um programa cultural da família. É mais uma companheira, um elemento colorido e sonoro da paisagem doméstica. Existe mais para ser usada do que desfrutada.
Por ser feita simultaneamente para públicos específicos e genéricos, a televisão aberta é refém do comportamento predominante das pessoas ao longo do dia e da noite. O que torna desaconselhável, por exemplo e por motivos óbvios, programar Cocoricó para as 23h ou substituir o Jornal da Cultura pelo Café Filosófico.
Versão eletrônica para milhões da janela para a rua das casas do interior, a TV aberta também corre o risco de ser virtualmente ignorada se sua dramaturgia, seu telejornalismo, seus programas de entretenimento e seus conteúdos culturais estiverem desconectados da realidade do dia e da hora do telespectador.
Na maioria absoluta dos lares brasileiros, a televisão é um veículo de toda a família, o que desaconselha ou proíbe, principalmente se estivermos no horário nobre, uma programação especializada. Como uma espécie de bem coletivo, a grade de conteúdo da TV aberta brasileira tem de ser, portanto, antes de tudo, democrática e representativa.
Os baixos índices educacionais e culturais da maioria da população – e o conseqüente papel da TV aberta como veículo de aculturação desse contingente – são crucialmente importantes, já que essa condição torna praticamente obrigatória uma programação de conteúdo predominantemente linear e com baixos índices de vanguardismo. Daí a narrativa clássica das telenovelas, a preocupação didática no telejornalismo e o componente ‘enciclopédico’ das temáticas e coberturas, entre outras características.
Se a TV aberta brasileira tem notórias limitações como veículo para certos tipos de conteúdo, ela ocupa, por outro lado, um patamar único em relação a qualquer outra forma de comunicação, mesmo se nós consideramos a rede gigantesca – e ainda pulverizada – que é a Internet: trata-se do inigualável impacto que a TV aberta tem e ainda terá por muito tempo, pelo menos na sociedade brasileira.
Por essas e outras convicções, o que proponho aos meus alunos na PUC e aos eventuais leitores das minhas análises como ombudsman é que, na hora de discutir e conceituar conteúdo de televisão, esqueçamos, com todo respeito e admiração, a eletricidade da boca de cena do teatro, o arrebatamento intimista da tela do cinema, a atmosfera religiosa das galerias de arte e o silêncio discreto e paciente com que os livros nos contemplam, abertos sob a luz do abajur. Em vez de tentar travestir a TV aberta de arremedo banal e impotente de outras formas e veículos de comunicação e expressão, vamos nos entregar à resignada e reveladora compreensão dos seus limites. Só assim saberemos e poderemos realizar todo o seu potencial.
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Rodada de queixas, 7 de outubro
Transcrevo trecho de um email do dia 5 de ouubro em que o telespectador José Carlos Ferreira faz uma pergunta que muitos devem ter feito, em relação ao Roda Viva com a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius. Ao email:
‘Acompanhei a entrevista de Yeda Crusius no Roda Viva hoje, pelo IPTV. Também votei na enquete do programa. Para minha surpresa, o resultado da enquete que, conforme o Heródoto informou ao final do penúltimo bloco, seria divulgado no final do programa, simplesmente não foi ao ar. Para dirimir minha dúvida, pois até então pensava que a informação teria sido fornecida, acompanhei novamente o Roda Viva pela TV Cultura. Constatei então que o resultado da enquete não foi divulgado mesmo.’
Outra pergunta sem resposta foi da própria entrevistada: depois de ser cobrada por Heródoto Barbeiro em relação ao fato de o PSDB estar dando legenda a políticos com ‘ficha suja’, Yeda Crusius quis saber quais eram esses políticos. Nem Heródoto nem a produção do programa – no caso, através de um contato pelo ponto eletrônico – providenciaram a informação.
Em outros emails, telespectadores têm feito queixas que têm sido freqüentes quando o entrevistado do Roda Viva é um político, independentemente do fato de ele ser uma Marina Silva ou uma Yeda Crusius – para citarmos duas convidadas recentes e pertencentes a campos ideológicos e partidários diversos.
Mesmo descontando, desses emails, um real e compreensível choro de correligionário-admirador, não há como discordar quando esses telespectadores reclamam de abordagens às vezes inquisitórias, abruptas e quase mal-educadas por parte dos entrevistadores. Abordagens nas quais, muitas vezes, o convidado é impedido de concluir sua resposta, seja ela convincente ou não.
As mensagens também se referem, às vezes com razão, ao fato de que nem todos os que fazem perguntas se preparam como seria de se esperar para transformar as entrevistas do Roda Viva num conteúdo documental um pouco mais rico, profundo e revelador que as apressadas declarações do dia-a-dia da mídia impressa e eletrônica. A propósito, transcrevo trecho emblemático de um email recebido da telespectadora Cris Takata:
‘Em tempos em que o jornalismo é tão especulativo quanto minhas vizinhas que conversam na calçada durante a varrição, está cada vez mais difícil obter dados que ofereçam ao cidadão uma base consistente para fazer sua própria análise e construir sua própria opinião. Diante dessa aridez de fontes e de dados, ainda entendo, portanto, que o programa Roda Vida é uma das pouquíssimas alternativas na TV Aberta para ‘sabatinarmos’ personalidades públicas. Por isso, como talvez eu tenha uma expectativa maior em relação ao que tal programa pode me oferecer, fiquei frustrada com as edições que trouxeram Marina Silva e Yeda Crusius para o centro da roda’.
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Vizinhança reveladoras, 6 de outubro
O fato de o Programa Novo e o Nossa Língua serem llimítrofes, na grade de programação, no início de noite de segunda-feira, aliado à notória diferença de formato e linguagem dos dois programas, talvez seja uma boa oportunidade de avaliação do comportamento do público jovem nessa faixa de horário, independentemente do tamanho dos índices de audiência da emissora.Haveria fuga, espera, aumento ou perda de jovens nessa passagem de um programa para outro? A resposta, com toda a imprecisão e com os condicionantes inerentes à complexa tarefa de interpretar a vontade e o perfil dos telespectadores, seria muito útil para todos, incluindo os responsáveis pelos dois programas.
Perto do formato propositalmente quase caótico do Programa Novo, o que representaria, principalmente para o público jovem, o Nossa Língua: mar sereno ou calmaria? Caretice ou clareza? Aula ou viagem?
Ainda que pareça convencional quando entra no ar logo após um conteúdo como o Programa Novo, o Nossa Língua, como pode ser percebido nos episódios de sua nova fase, tem sido experiência genuína de televisão dedicada ao uso e ao prazer de usar o nosso idioma.Na edição de 5 de outubro do Nossa Língua, por exemplo, estavam lá, com a simpática ancoragem do professor Pasquale, a legendagem artística da voz de Carlos Drummond de Andrade em seu poema ‘Procura da poesia’, uma animação de dois poemas concretistas, a citação audiovisual de um show do cantor Lenine para ilustrar o uso da palavra paciência e, claro, a participação do simpático Felipe Reis em entrevistas – com os poetas Mariana Ianelli e Glauso Matoso – e no papel do apresentador Gélson Babosa, no ótimo ‘telejornal’ que mergulhou nos significados de amor e sexo com a ajuda de Rita Lee, Roberto de Carvalho e Arnaldo Jabor.
Um programa que esteve longe, portanto, do padrão telecurso de outros tempos. Resta saber o que acontece às segundas-feiras. E a torcida aqui nesta coluna é para que esse esforço da equipe do Nossa Língua esteja sensibilizando o maior número possível de telespectadores.
Mercedes Sosa
Não poderia ser de outra maneira: o denso e emocionante perfil de Mercedes Sosa, escrito, editado e exibido pela equipe do Metrópolis de 5 de outubro, foi uma homenagem à altura da importância e do legado da cantora argentina para a música latino-americana. E também do papel que o programa vem desempenhando há muitos anos como alternativa de qualidade na TV aberta, em se tratando de revista eletrônica diária de arte, cultura e entretenimento.’