‘Das duas mensagens abaixo, apenas uma é real e foi efetivamente endereçada à TV Cultura. Não se trata obviamente de uma pegadinha, mas do ponto de partida de um pequeno exercício de reflexão sobre o que é produzir conteúdo para TV aberta, principalmente se ela é uma emissora pública como a TV Cultura. Às mensagens:
Mensagem 1:
‘Boa noite! Há alguns minutos minha esposa me disse que alguém na TV estava confirmando a estória do coelhinho da Páscoa, e que a nossa filha caçula estava assistindo, prestando muita atenção. Onde já se viu uma emissora pública que tem o compromisso com a educação e a cidadania exibir uma reportagem que reproduz um mito consumista importado como o dos coelhinhos de Páscoa? Não seria mais adequado exibir reportagens que conscientizassem nossas crianças e jovens sobre essa exploração, mostrando práticas e costumes mais adequados à sua formação e à cultura do nosso povo? Sinceramente, estou decepcionado como pai, cidadão e telespectador. Grato.’
Mensagem 2:
‘Boa noite! Há alguns minutos, minha esposa me disse que alguém na TV estava desmentindo a estória do coelhinho da Páscoa, e que a nossa filha caçula estava assistindo, prestando muita atenção. De fato, consegui ainda ouvir alguns depoimentos de jovens dizendo como seus pais faziam para enganá-los, com pegadinhas pintadas, com ovos pelo jardim etc. Da minha parte, considerei muita falta de criatividade do programa e muita falta de respeito em relação aos pais e às crianças que ainda estão passando por esta fase da vida. Grato’.
A mensagem verdadeira é a segunda e foi enviada esta semana ao programa Pé na Rua. O que não quer dizer, absolutamente, que não existia a possibilidade de o programa ter recebido manifestações com o teor da primeira mensagem. Muito pelo contrário.
A contraposição das duas visões – legítimas e representativas – e a resposta dada (abaixo) à mensagem verdadeira pela direção do programa Pé na Rua dão uma idéia da complexidade do desafio diário que é produzir conteúdos ao mesmo tempo importantes e interessantes para uma audiência que, pelo menos em tese, deve incluir todo o espectro social, econômico e cultural da população do estado de São Paulo, pelo menos. Um desafio muito mais difícil, por exemplo, do que escrevermos ou postarmos o que bem entendermos sobre tudo e todos num blog da Internet.
Para que o telespectador tenha mais condição de avaliar o conteúdo que lhe é oferecido pela TV Cultura, vale transcrever aqui a resposta da diretora do Pé na Rua, Anna Terra:
‘Prezado telespectador,
O programa Pé na Rua de sexta-feira não teve a intenção de desmentir a história do coelhinho e, muito menos, faltar ao respeito com pais e filhos. Tanto assim que, entre os vários entrevistados da reportagem sobre a festa do chocolate, havia um adolescente que disse ainda acreditar em coelhinho da páscoa e outro que afirmou estar em dúvida. Outros informaram que se lembravam com saudades e carinho do tempo em que os pais pintavam pegadinhas e escondiam os ovos. Em nenhum momento eles disseram que os pais ‘tentavam enganá-los’.
Além disso, os apresentadores convidaram os entrevistados a cantar para o coelhinho porque ‘dizem que quanto mais cantamos para ele, mais ovos ele traz’. Era assim que se encerrava a reportagem: com os adolescentes dizendo que haviam se comportado durante o ano, mereciam muitos ovinhos e cantando para o coelhinho. Mais: no final da matéria, os apresentadores desejavam uma feliz festa do chocolate para quem acredita e para quem não acredita também. Deixando claro que existem, no mínimo, duas possibilidades com relação a esta questão.
Nada disso foi por acaso. Todos estes cuidados foram tomados em respeito às crianças que assistem ao Pé na Rua porque, embora o programa se dirija aos adolescentes e jovens, sabemos que muitas crianças veem e gostam do Pé na Rua. Temos certeza de que aquelas que assistiram à reportagem continuam a acreditar em coelhinho da páscoa. Esperamos, sinceramente, que sua filhinha também. Muito obrigada por seu contato e suas observações. Atenciosamente, Anna Terra’
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Não eram cochilos, 16 de abril
Não poderiam ter sido melhores as explicações para alguns problemas operacionais que prejudicaram alguns programas nos últimos dIas e que foram registrados aqui neste espaço. Ao contrário do que este ombudsman imaginou, os problemas não foram decorrentes de cochilos durante a transmissão. Foram, de acordo com a mensagem que recebi diretor de produção Marcelo Amiky, efeitos colaterais previsíveis e passageiros de um importante salto tecnológico que a TV Cultura acaba de dar.
É melhor que eu deixe o próprio Marcelo explicar:
‘Prezado Ernesto,
São pertinentes e oportunas as observações com relação aos problemas de exibição da ultima segunda-feira na TV Cultura. No domingo também tivemos um problema parecido no Viola Minha Vila.
Este fim de semana marcou um momento muito importante da história da TV Cultura. Saímos da era ‘paleozóica’ em se tratando de transmissão de sinal de TV, e entramos definitivamente na era digital, já com todos os recursos da Alta Definição. Na madrugada de sábado para domingo revertemos os equipamentos e inauguramos o novo controle mestre da TV. Foi um esforço enorme de várias áreas (engenharia, informática, operações e programação).
Junto a alguns fornecedores, desenvolvemos um sistema que integra vários equipamentos de diversos fabricantes, beneficiando a TV Cultura com um sistema realmente eficiente e de alta qualidade de transmissão. Nos livramos do PAM-M, pelo menos dentro da emissora, até o sinal chegar no transmissor analógico, e isso encurta o caminho de transcodificações e perda de qualidade no nosso sinal analógico, que se refletia nitidamente (ou não) no sinal por muitas vezes ‘ lavado’ que recebíamos em casa, principalmente por TV a cabo.
No domingo tivemos nossa primeira transmissão em HDTV (Direções III) sem ‘gambiarras’, com qualidade e segurança de transmissão. Apesar de um intenso esforço que foi realizado nas últimas semanas, alguns problemas de operação só puderam ser detectados e solucionados ‘ ao vivo ‘. Foi o que ocorreu nestes casos. Pequenos erros de operação (…) que se refletiram no ar. Estes problemas estão já mapeados e foram solucionados, o que deve colocar nossa operação em ‘vôo cruzeiro’, só que de Boeing, mais eficiente, mais moderno, mais seguro.
Abraços
Marcelo Amiky
Diretor de Produção
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Barba, cabelo e bigode, 14 de abril
Teve de tudo: a péssima qualidade da banda larga brasileira, o desafio de proteger a rede dos hackers, os limites éticos e tecnológicos da legislação para o setor, a impossibilidade da censura, a violação de privacidade em escala planetária, a difícil preservação da propriedade intelectual, a adesão atípica dos brasileiros ao risco de se expor na rede, o perigo de responsabilização dos usuários pelo ônus da prova nas fraudes bancárias pela rede, o tiro pela culatra dos conteúdos condenados que se tornam recordistas de acesso, a possibilidade de criação uma nova rede mais segura e menos aberta, a transformação do Google no grande intermediário, o mundo da ‘Second Life’, a sobrevivência das outras mídias, o risco da tutela excessiva do cidadão, o poder dos americanos no controle da rede, a disputa pela governança da rede, a sustentabilidade da produção cultural e jornalística e a inclusão digital no Brasil.
Praticamente todas as questões e inquietações relacionadas à assimilação e ao convívio dos brasileiros com a revolução da Internet foram abordadas no excelente Roda Viva com o engenheiro Demi Getschko, responsável pelas decisões do Comitê Gestor da Internet no Brasil. A começar por Heródoto Barbeiro, que abriu o programa com uma pergunta atualíssima sobre pane recente da Telefônica em São Paulo e esteve sempre vigilante para que expressões mais especializadas como, por exemplo, ‘tecnologia Wi-Max’, fossem devidamente traduzidas para o telespectador comum, os entrevistadores convidados – Carlos Eduardo Lins da Silva, Daniela Braun e Silvio Meira – só fizeram contribuir para que o estilo contagiante, o notável conhecimento e os conceitos de Demi Getschko fossem conhecidos e discutidos durante o programa.
Algumas frases de Getschko:
‘O problema dos conteúdos absurdos ou nocivos é que o simples fato de se ir contra eles lhes dá sobrevida’
‘A Internet é construída por humanos e nada do que é humano é estranho a ela. As pessoas têm de saber que o mundo da Internet é um mundo perigoso. Colocar fotos no Orkut é como colocar fotos num poste da rua. Devemos nos comportar na Internet como nos comportamos na vida fora dela’
‘Além do espírito de colaboração típico da Internet, a rede também tem muito espírito de porco’.
Pena que um programa tão bom tenha sido prejudicado por quase um minuto e meio de tela em ‘black’, sem qualquer sinal de áudio ou vídeo, após a chamada do intervalo, no final do primeiro bloco.
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Brilhos e panes, 13 de abril
Em mais um episódio ‘puro-sangue’ em matéria de linguagem de televisão, o capítulo da série ‘Cultura é currículo’ sobre o Parque do Ibirapuera, além da ótima captação de imagens e da edição ágil e envolvente, tinha uma qualidade fundamental, em se tratando de um conteúdo destinado prioritariamente aos jovens: o texto, que contava a história do parque e contextualizava nomes que muitos paulistanos repetem sem saber seu significado ou importância, não tinha os falsetes literários costumam adornar programas destinados ao público jovem. A jovem repórter que apresentou o episódio parecia orgulhosa do que dizia e sabia. O que deve ter feito uma enorme diferença para quem não gosta de ser tratado como criança.
Jogão de bola
‘Apita o árbitro. Começa o espetáculo da língua portuguesa!’. A brincadeira da abertura do contagiante Nossa Língua ‘temático’ que teve o mundo do futebol como cenário para mais uma viagem pelo nosso idioma não poderia ser mais adequada. A exemplo do programa de estréia da nova fase, este Nossa Língua foi mais uma saborosa tabelinha de humor e inteligência entre o professor Pasquale Cipro Neto e o jovem humorista Felipe Reis, desta vez ambientada no Museu do Futebol e nas instalações do estádio do Pacaembu, contando ainda com a participação do comentarista Silvio Lancelotti e do radialista José Silvério. É importante destacar que o programa, longe de ser uma exploração oportunista do apelo que o futebol tem para o público telespectador, continuou sendo, minuto a minuto, uma revista eletrônica dedicada ao conhecimento e à degustação da língua portuguesa. Com a vantagem, no caso, de ter sido atraente até para quem tem traumas com aula de português. Por tudo isso, o Nossa Língua não merecia ter sido vítima de um lamentável incidente operacional que, além de avançar a exibição em fast-foward durante alguns segundos, privou o público do que certamente deve ter sido mais uma performance hilariante de Felipe Reis como apresentador de telejornal.
Cochilos que custam caro
Foi uma noite especialmente infeliz em termos operacionais na TV Cultura. Além do já citado incidente que privou o telespectador de parte do programa Nossa Língua, houve pelo menos duas outras panes: em uma delas, a apresentadora Domingas Person chamou o intervalo do Metrópolis e continuou no ar por intermináveis segundos de tensão e constrangimento. Em outro, este bem mais grave, Heródoto Barbeiro encerrou um bloco do Roda Viva e, em vez de assistir à programação do intervalo, o telespectador ficou quase um minuto ‘no escuro’. A essa hora da noite, falhas como essa de uma tela sem sinal algum de áudio ou vídeo costumam ser um empurrão para o traço de audiência. Uma pena.’