‘Voltamos ao Móbile e não apenas para lamentar, como sempre, a ausência do áudio nas perguntas das entrevistas. Voltamos porque o programa, em sua edição exibida no dia 25 de novembro, foi, mais uma vez, um front exemplar do desafio fundamental e diário que a TV Cultura tem, como emissora pública, de prover, ao mesmo tempo, excelência e acessibilidade.
Excelência, como quase sempre, havia e era perfeitamente assimilável no caso dos conteúdos musicais como as performances da pianista Clara Sverner, a bela voz de Eduarda Fadini – interpretando Lupicínio Rodrigues e Chico Buarque – e o surpreendente saxofone do cartunista Aroeira. Ou quando o acesso só dependeu de uma câmera sensível – no pequeno ensaio sobre a instalação de Celeste Bousier-Mougenot na Pinacoteca – ou da disciplina de ouvir, com atenção, a leitura de um poema de Carlos Vogt pelo próprio.
Apenas ouvir e ver, no entanto, não foi o bastante para o telespectador entender corretamente certos momentos da entrevista de Aroeira, devido às lacunas de áudio que pontilharam a conversa. Uma conversa, aliás, muito interessante sobre a charge, suas técnicas, o uso de computador no cartunismo e o processo que Aroeira definiu como ‘pensar com o lápis’.
Houve ainda um outro momento, compreensivelmente destacado nas chamadas da programação e nos releases da assessoria de imprensa da emissora, que resultou interessante para poucos não exatamente por causa da falta do áudio de Fernando Faro, mas pela inexistência de qualquer esforço de contextualização dos temas da conversa dele com Zé Celso Martinez Corrêa. Nem que fosse, como acontece no mesmo Móbile e também no Provocações, através da inserção de informação em caracteres.
O telespectador que se enterneceu com as imagens da flagrante amizade entre o entrevistado e o entrevistador bem que poderia ter tido, junto com a instigante performance de Zé Celso, algumas legendas que o ajudassem a entender certos trechos da conversa e a identificar alguns personagens citados como o organista Walter Wanderley e a arquiteta Lina Bo Bardi, personagem marcante da vida cultural paulistana. Legendas que, aliás, não faltaram na citação final que o programa fez do texto ‘Dos canibais’, de Michel de Montaigne.
Este ombudsman espera que esses reparos não sejam encarados como crítica negativa. Eles são, muito pelo contrário, resultado direto da responsabilidade que o Móbile tem de democratizar e compatilhar a alta qualidade dos conteúdos e personagens que apresenta ao público.
***
Êpa!, 26 de novembro
Posso ser criticado ou incompreendido na tentativa que se segue de explicar os critérios que uso na análise dos emails endereçados ao ombudsman. Ao mesmo tempo, não posso fugir a uma das principais responsabilidades desta função, que, no caso de uma emissora como a TV Cultura, é também a de tentar fazer uma espécie de mediação entre os telespectadores e as pessoas que tomam decisões na instituição.
Nessa mediação, levo em conta não apenas o bom senso e um mínimo de objetividade, mas também o cuidado para que a condição de intermediário institucional entre o público e a emissora não me transforme em mero retransmissor acrítico e passivo de manifestações de preconceito e de elitismo. O que seria inaceitável, ainda mais em uma TV mantida com recursos públicos.
É preciso dizer, em primeiro lugar, que a maioria dos emails endereçados a este ombudsman tem um traço comum que reflete o que talvez seja o maior patrimônio da TV Cultura: o apreço admirado de seu público, o orgulho do telespectador de se revelar fiel à programação da emissora desde a infância e uma postura mais de fã declarado (e preocupado ou indignado) do que de contribuinte ‘co-proprietário’ da instituição.
Mas existem também – e felizmente são poucos – os que, talvez acostumados com a terra de ninguém ética em que a Internet se transformou, expõem preconceitos de todo tipo, reproduzem graves ilações sobre pessoas e equipes inteiras da TV Cultura, vislumbram conspirações delirantes, xingam e ofendem. Alguns de forma claramente provocativa, como se estivessem querendo testar os limites da tolerância democrática do ombudsman. Outros de forma aparentemente inconsciente. Em qualquer hipótese, porém, não há chance de que tal tipo de manifestação ganhe espaço na página deste ombudsman.
Há ainda uma outra categoria de mensagens que, embora muito próximas da fronteira do bom senso com a intolerância e o elitismo, partem de pessoas autenticamente preocupadas ou indignadas. Telespectadores que parecem apenas equivocados, desinformados ou radicais demais para aceitar a natureza intrinsecamente plural, mediana (no sentido de ser resultante de uma média) e genérica de tudo o que se diga ou se faça em relação à TV aberta, a brasileira em particular.
Entre os exemplos recentes desse tipo de manifestação destaco uma profissional de música que considerou uma banalidade e um desrespeito à memória de Heitor Villa-Lobos o simples fato de o programa Sr. Brasil incluir, na edição em homenagem ao maestro, alguns dos famosos e tradicionais ‘causos’ do apresentador Rolando Boldrin. Outra telespectadora, ao criticar o Programa Novo, considerou os jovens de hoje, todos eles, uma ‘geração de preguiçosos’. E houve um email no qual o autor, em meio a vários ataques aos programas da TV Cultura, disse que eles estão ‘deformando o sotaque paulista que esta emissora deveria ter’ e trocando-o por ‘um sotaque alienígena que nem é do Norte ou do Nordeste, muito menos fluminense’.
Êpa!
***
Entre a fuga e o encontro, 25 de novembro
O levantamento publicado pela Folha de S. Paulo do último domingo, 22 de dezembro, mostrando que as redes Gazeta, Band, Record e Rede TV! montam boa parte de sua programação com programas religiosos e de vendas – respectivamente 45%, 29%, 23% e 40% – inspira uma reflexão importante sobre a real capacidade de produção da televisão comercial brasileira e o papel das emissoras públicas nesse mercado.
A primeira conclusão que se tira desse levantamento é a de que não deve ser muito fácil, barato ou comercialmente viável, mesmo para as redes nacionais, à exceção da poderosa TV Globo, detentora de 80% da verba do mercado publicitário, montar uma grade inteira com conteúdo genuíno, exclusivo e economicamente sustentável. Se fosse, as redes citadas não estariam aproveitando um vácuo na legislação para atropelar o limite legal de 25% de conteúdo publicitário na programação e sublocar parte de seus horários para igrejas e empresas de televendas a preços de liquidação.
Esse quadro leva à conclusão inevitável de que não adianta ter um canal ou multiplicá-lo por quatro, como está acontecendo com a mudança do sistema analógico para o digital na TV aberta brasileira. Nem achar que apenas uma legislação mais distributiva e socialmente representativa na concessão de canais é garantia de uma programação melhor, mais diversificada e mais democrática na TV aberta brasileira.
O levantamento da Folha ajuda o telespectador não apenas a se escandalizar com a obsessão das redes, incluindo a emissora líder, pelos índices de audiência, birutas implacáveis do fluxo da verba publicitária. Ajuda também a entender a irrelevância ou a ausência completa de critérios mais permanentes e cidadãos na definição, por parte dessas redes, dos formatos e conteúdos de suas respectivas grades de programação.
E o que uma emissora pública como a TV Cultura tem a ver com esse quadro? Muito mais do que se imagina, a começar pelo aumento exponencial de sua responsabilidade como alternativa de programação não sujeita à pancadaria das redes comerciais. Em um quadro como esse, a TV Cultura, com sua grade estatutariamente blindada aos baixos instintos da guerra comercial, não pode ser apenas uma ilha meio exótica onde só se atraca – ou se estaciona o controle remoto – com altas doses de berço, disciplina cultural, sentimento cívico e iniciação cidadã, entre outros requisitos facilmente encontráveis nos setores mais abastados da população.
Em vez de ser ponto de fuga de escandalizados, sujeito a uma indiscriminada sucessão de experimentalismos e boas intenções, a TV Cultura, para cumprir a missão e os princípios que inspiraram sua criação, deveria ser muito mais um ponto de encontro da TV aberta com conteúdos e formatos cuja inegociável qualidade não comprometesse a acessibilidade, cujo interesse público não excluísse a adequação dos conteúdos à linguagem do veículo e cuja importância não ignorasse os pressupostos fundamentais que fazem com que uma pessoa se disponha a parar por algum tempo diante de uma tela de TV.
Pode ser um delírio, mas a briga de foice da audiência, da forma como ela acontece no Brasil atualmente, empurrando o nível para baixo em vez de elevá-lo, não é apenas um retrato preocupante da nossa TV aberta. Ela é também um mapa do caminho para alternativas de conteúdo de qualidade que estão sendo sistematicamente abandonados pelas redes comerciais – incluindo, mais uma vez, a emissora líder – e que estão sujeitas ao cruel veredicto da receita versus despesa. Alternativas que poderiam ser exploradas muito mais por emissoras que, como a TV Cultura, não precisam ou não podem alugar a grade para pastores e vendedores de bugigangas.
***
Quem fiscaliza?, 24 de novembro
Transcrevo três mensagens de telespectadores. A primeira delas é representativa de uma preocupação freqüente do público com o controle e o monitoramento da programação de emissoras que transmitem conteúdos originalmente produzidos pela TV Cultura. Abaixo, trechos selecionados do email do telespectador Marlo Camargo e, em seguida, a resposta do coordenador de Expansão e Rede da Fundação Padre Anchieta, Gabriel Priolli.
‘Gostaria de saber quais critérios permeiam a liberação de cessão de transmissão concedidas para produtoras regionais utilizarem o Canal e o nome da TV Cultura para programações sem fins culturais, com objetivos mercadológicos e/ou políticos principalmente. Existe alguma fiscalização sobre ética e contéudo das matérias exibidas? Eu não tenho dúvidas sobre a missão da TV Cultura. A minha preocupação é com alguns programas que estão sendo veiculados em nome da TV Cultura com outros fins nos (canais) regionais onde foram dadas concessões.
Marlo A. Camargo (Caldas Novas, Goiás)’.
A resposta de Gabriel Priolli:
‘A atual política de distribuição de conteúdo da Fundação Padre Anchieta tem o objetivo de ampliar as possibilidades e parcerias, sejam elas nacionais ou internacionais, identificando o melhor modelo de negócio para cada parceiro.
O foco é disseminar os premiados e qualificados conteúdos da TV Cultura, TV RA TIM BUM, Rede Rádio Cultura Brasil e Novos Canais que possam vir a agregar em seu portfólio, independentemente da forma de como e para quem é distribuído, seja um veículo da rede de parceiros da TV ou Rádios Cultura, seja uma operadora que inclua a TV RA TIM BUM no line-up, ou até mesmo uma pessoa física que utiliza DVDs dos programas em sala de aula de sua comunidade.
Aos parceiros está vedada, sob qualquer hipótese, a realização de modificações, alterações, ou edições que comprometam o formato do conteúdo original transmitido, ferindo suas características intelectuais e criativas.
Eles também estão obrigados a manter os padrões técnicos, de qualidade de programação e éticos que regem a Fundação, que incluem o veto à exibição de conteúdos ofensivos, que façam alusão ao sensualismo, bebidas alcoólicas, substâncias ilícitas, violência, ou outros que atentem contra o regimento da Fundação, seja nos conteúdos produzidos, sejam nos espaços de publicidade institucional desses conteúdos, para que assim se possa manter a integridade da instituição e principalmente dos telespectadores.
Quanto à fiscalização do procedimento de nossos afiliados/parceiros, ela é feita como nas demais emissoras, inclusive comerciais: checagem direta por amostragem, na impossibilidade de fiscalizar permanentemente todos eles, o tempo todo; e verificação de denúncias de transgressões. Se for este o caso em Goiás, solicitamos desde já que o telespectador nos aponte, com o máximo possível de detalhes, em qual emissora estariam ocorrendo transgressões e quais seriam elas’
Sugestão
‘Gostaria de dizer que fiquei contente em saber que vocês estão com este projeto de divulgar/postar os vídeos da TV Cultura na internet. Acho isso super importante! (..) Gostaria de propor que, se fosse possível, ao postar um vídeo, vocês o separassem por links de programas (…) pois facilita na busca quando a pessoa deseja ver algo de sua preferência (…) Por morar fora do país, não posso infelizmente mais acompanhar este programa (Provocações) ou mesmo outros que assistia como o Roda Viva ou mesmo Cartão Verde, DOCTV, dentre outros. Espero que minhas dicas sejam construtivas, pois pela internet vejo a oportunidade de vocês divulgarem mais e mais o trabalho realizado com tanto apreço como o de vocês! Abraços.
Michel Prieto (Berlim, Alemanha)’
Mistério
‘Hoje, 22 de novembro, não foi possível assistir ao programa Entrelinhas, pois não havia som. As imagens estavam acompanhadas de uma música apenas. Nos intervalos, o som era normal. Liguei no telefone publicado no site, mas a recepção avisou que não havia nenhum funcionário para me atender. Estudo o autor português que foi entrevistado, por isso fiquei um tanto frustrada. O programa será reprisado? Como posso conhecer a entrevista? Obrigada.
Cibele Lopresti Costa (São Paulo)’’