Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ernesto Rodrigues

‘Um ano e sete meses após a primeira de muitas análises e colunas em que este ombudsman aponta uma série de indícios da inadequação, para a TV aberta, particularmente a TV aberta brasileira, da linguagem e dos formatos da maioria dos documentários exibidos pela TV Cultura, a exibição do documentário `Espelho Nativo` pelo programa DOCTV, na noite de 11 de dezembro, indica que, nesta área específica de conteúdo, nada mudou. Continuam, de um lado, a inadequação e, de outro, a audiência inexpressiva.

Atualmente, parece continuar proibido escrever um texto e providenciar uma narração para que o conteúdo de um documentário fique atraente ou pelo menos compreensível. Pelo menos em documentários brasileiros feitos para cinema e que acabam sendo exibidos para audiências residuais nas grades generosas das emissoras públicas. A dúvida que fica, neste e em outros casos, é se a ausência do texto se deve à incapacidade de articulação do autor do roteiro ou a uma opção equivocada de narrativa.

Outro problema que persiste é uma espécie de volta ao tempo em que entender o que era dito nos filmes nacionais era um pesadelo, devido à péssima qualidade da captação de áudio. Os documentaristas parecem ignorar que uma captação de áudio problemática resulta em desconforto, quando a exibição se dá em salas de cinema, e em ruído incompreensível, quando o mesmo filme passa na TV.

E como se não bastassem esses obstáculos técnicos e de linguagem, o conteúdo do filme de estreia do DOCTV tinha tudo para afugentar a quase totalidade dos telespectadores que passaram pelo canal por volta das 22h30m daquela noite de sexta-feira. A própria chamada veiculada nos intervalos da programação, que teria o objetivo de seduzir o público com os aspectos mais atraentes do filme, mais parecia o enunciado de uma tese de antropologia, ao definir `Espelho Nativo` da seguinte maneira: `As questões que envolvem o tema indígena no estado o Ceará são discutidas a partir da interação de indígenas com a produção do documentário`.

Não deixa de ser irônico o fato de que no programa anterior a este DOCTV, mais uma edição do `Provocações` de Antônio Abujamra, a convidada do dia, a produtora Sara Silveira, responsável pela viabilização de filmes de inquestionável repercussão cultural como `Alma Corsária`, `Ação entre amigos`, `Cinema, aspirinas e urubus`, `Bicho de sete cabeças`, `Person`, `Falsa loura`, `Dois Córregos`, `Durval Discos` e os recentes `É proibido fumar` e `Insolação` – este último vencedor do Festival Internacional de Brasília – tenha passado boa parte do programa detalhando a dificuldade dos realizadores para sustentar a própria atividade num país onde só 8% das pessoas que vão ao cinema assistem filmes brasileiros.

Depois de dizer que reconhecer que para um filme `bonito` ou `importante para a cinematografia brasileira` chegar ao público `são outros quinhentos`, e de confessar, diante da famosa câmera da verdade de Abujamra, que seu sonho é `ter um filme de sucesso`, Sara deixou gravada uma lição de humildade:

`Você não pode arregaçar. Se o filme responde, você vai lá e roda mais uma copiazinha e vai jogando`.

A julgar pelo documentário que o programa DOCTV exibiu logo depois, não parece que os responsáveis pelo projeto – os da TV Cultura e os parceiros externos – estejam sequer preocupados com a conquista de qualquer público que seja.

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Depois do traço, o cinema vazio, 15 de dezembro

A estreia, em São Paulo, do filme `Diário de Sintra`, de Paula Gaitán, recebeu uma critica elogiosa assinada por José Geraldo Couto na Folha de S. Paulo de 11 de dezembro passado, sob o título `Paula Gaitán investiga últimos dias de Glauber`. No texto, Couto descreve o filme como `misto de documentário, ensaio poético e home movie` no qual `o épico cede lugar ao elegíaco, o som e a fúria são amortecidos num quase silêncio (ou antes, num murmúrio)`.

No final da resenha em que o filme obteve a avaliação de `bom`, o crítico da Folha diz: `Seja pela névoa, pela luz estourada, pelo movimento, pelo recurso freqüente aos reflexos e transparências (água, vidro, seda), ou simplesmente pela corrosão do tempo, em `Diário de Sintra` a nitidez da imagem é subvertida de modo sistemático, em favor de uma melancólica imprecisão. Análoga, de certo, à da memória e do afeto`.

Não há risco algum em dizer que `Diário de Sintra` não levará um público sequer razoável às salas de cinema em que for exibido. E não levará porque o filme, para a maioria absoluta das pessoas que tiverem a oportunidade de assisti-lo, mesmo em uma sala de cinema, será, como todo respeito aos críticos, incompreensível e, nos casos mais agudos, insuportável.

Pois este mesmo filme – uma obra, vá lá, difícil até para público de festival de documentário brasileiro – foi exibido, em junho de 2008, pela TV Cultura, no que foi um caso emblemático de aplicação de um critério de programação que ignora as gritantes limitações da televisão para certos tipos de conteúdo. Apenas por esse motivo – o da defesa de uma mudança radical desse critério – é que transcrevo abaixo o trecho final da análise interna que fiz sobre a exibição de `Diário de Sintra` pelo então projeto `Cinco por Cinco`:

`Diário de Sintra` é um constrangedor equívoco cinematográfico, realizado às custas do culto cego, arrogante e mistificador de um grande intelectual brasileiro, baseado num paupérrimo e ineditável acervo de imagens de família, preguiçoso em sua incapacidade de coletar, organizar e exibir de forma inteligível depoimentos e documentos que nos dessem a real dimensão do que foram os últimos dias de Glauber Rocha em Portugal, e pernóstico, por não se dar ao trabalho sequer de traduzir e legendar as poucas frases em inglês e francês do cineasta.

`Diário de Sintra` é, acima de tudo, na opinião deste suposto representante dos telespectadores, escandalosamente inadequado para exibição na tv aberta, pelo hermetismo que beira a impostura, pelo desdém com o público não iniciado no Cinema Novo, por sua suspeitíssima linguagem fragmentada, e, principalmente, pelo desserviço que uma obra tão desconectada com o veículo presta a uma emissora que tem como objetivo fundamental aproximar – e não afastar – o cidadão comum de uma programação ao mesmo tempo atraente e de boa qualidade.

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Defesa do consumidor, 14 de dezembro

Transcrevo o email abaixo por considerá-lo representativo de uma dificuldade antiga e infelizmente comum entre telespectadores que recorrem a este ombudsman para obter – a maioria explicitamente disposta a pagar – cópias de conteúdos exibidos pela emissora, tanto os recentes quanto os mais antigos. Ao fazê-lo, sugiro desde já que os responsáveis pela comercialização de conteúdos da TV Cultura usem este espaço para todas as explicações e orientações necessárias. O email do professor Luiz Macedo, de Uberlância, Minas Gerais, diz o seguinte:

`Sou professor e faço questão de indicar e utilizar os diversos programas e documentários da TV Cultura. No entanto, quando se trata de adquirir os produtos como, por exemplo, os programas da Roda Viva, é uma novela… Pago adiantado, em dinheiro, com acréscimo de envio do pedido por SEDEX e tenha paciencia… Aliás, estou com um pedido pendente, a quem devo recorrer? Ao Procon?`

A força da TV

Um email de Mauricio Valim acrescenta mais alguns dados importantes que ilustram, de forma cabal, a importância e a presença que a TV aberta ainda tem na sociedade brasileira (assunto da coluna de sexta-feira, 11 de dezembro). O texto:

`Prezado Ernesto, o fato que mais chamou minha atenção na divulgação dos dados do IBGE foi a porcentagem que a TV atinge nos lares brasileiros, veja o texto extraído do Invertia: `Apenas 23,8% dos lares brasileiros têm computadores ligados à internet, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2008 divulgados nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora esteja em crescimento, o número é bem distante do percentual de casas que possuem rádio (88,9%) e televisão (95,1%), que seguem como os meios de comunicação mais presentes para os brasileiros`.’