Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ernesto Rodrigues

‘O povo não sabe gostar disso. Ainda vai ter que aprender, mas vai aprender’.

A resposta, para explicar a dificuldade de se sensibilizar o público da televisão para a música de Bach, Chopin, Debussy, Villa-Lobos e de outros compositores eruditos, não era da cantora e apresentadora Inezita Barroso, entrevistada do Roda Viva desta segunda-feira, 19 de julho, campeã de…

‘O povo não sabe gostar disso. Ainda vai ter que aprender, mas vai aprender’.

A resposta, para explicar a dificuldade de se sensibilizar o público da televisão para a música de Bach, Chopin, Debussy, Villa-Lobos e de outros compositores eruditos, não era da cantora e apresentadora Inezita Barroso, entrevistada do Roda Viva desta segunda-feira, 19 de julho, campeã de audiência da programação adulta da TV Cultura e há três décadas comandando o ‘Viola, minha viola’, o mais longevo dos programas da TV brasileira.

Quem respondia era uma outra Inezita, filha de uma tradicional família paulista, que aprendeu a tocar Bach, Chopin, Debussy e Villa-Lobos, que cantava bossa nova em boates do Rio e que, para desespero de sua ‘família embolorada’ e de ‘uns primos bestas’, adotou para sempre o mundo caipira e o folclore, tornando-se um ícone da chamada música brasileira de raiz.

Essas duas Inezitas mostraram, no Roda Viva, porque merecem ser ouvidas com atenção pelos que fazem a programação da TV Cultura: os que se identificam com o início pessimista de seu comentário, os que acreditam, como ela, que o povo pode, sim, aprender a gostar de música erudita, e os que se escandalizam com o fato de um programa de música caipira ser a maior audiência na emissora pública de uma das metrópoles mais modernas, dinâmicas, cosmopolitas e frenéticas do planeta.

Já no início da entrevista, Inezita derrubou o mito de que o ‘Viola minha viola’ é coisa de velhos, dizendo que o que mudou, nos 30 anos do programa, foi o público, ‘cada vez mais jovem’, segundo ela. Faz sentido, já que se a audiência do ‘Viola…’ fosse apenas de velhinhos setentões, eles não estariam mais aí depois de três décadas do programa no ar. Inezita, na prática, mostra que cumpriu um dos deveres de casa mais elementares de quem faz televisão aberta: manter a fidelidade de seu público e conquistar novos telespectadores ao longo do tempo.

Em outro comentário, respondendo a uma pergunta sobre qual seria o segredo da longevidade do ‘Viola’, Inezita deu mais uma demonstração de sintonia com a gramática da televisão ao dizer que o que sempre procurou foi ‘fazer o que é simples e espontâneo’. Mais uma pergunta, desta vez sobre sua fórmula musical, e outra lição em matéria de televisão: ‘É a música sentida que está presa no coração e que eles querem soltar para fora’.

‘Eles’, no caso, é bom lembrar, são os fiéis telespectadores de Inezita. Aliás, a importância que ela dá ao seu público, na hora de explicar a equação de conteúdo do ‘Viola’, é outro diferencial em uma emissora onde, historicamente, a preocupação com a satisfação do telespectador não parece ser determinante ou prioritária. Não por acaso, a resposta de Inezita quando perguntaram a ela se faltava um museu para o folclore em São Paulo foi antológica: ‘Falta espaço para o folclore não é em museu. É na cabeça das pessoas’.

Sábia Inezita Barroso. Gostemos ou não de seu programa e de suas músicas, ela sabe o que faz, para quem faz e como faz. Quantos, na TV Cultura, poderiam dizer o mesmo? Não será surpresa, aliás, se este Roda Viva obtiver uma boa audiência, mesmo tendo sido exibido num horário quase impraticável para o público majoritariamente madrugador do ‘Viola minha viola’.