Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Especialistas, analistas e experts

O leitor do New York Times já deve ter reparado como o jornal gosta de invocar a opinião de ‘especialistas’ em suas matérias, escreve o editor público do jornal, Daniel Okrent, em sua coluna de 31/10/04. Mas foi apenas quando contou, num dia aleatório, quantas referências desse tipo saem numa edição inteira, que o ombudsman se deu conta da grande profusão de ‘especialistas’ nas páginas no diário.

No dia 26/10, saíram 33 ‘experts’, ‘analistas’ e figuras afins. Maus repórteres, observa Okrent, localizam esse tipo de entrevistado através de assessorias de imprensa de universidades e departamentos de pesquisas de empresas, sem se preocupar com o comprometimento das fontes com o assunto sobre o qual opinarão. Jornalistas muito ruins fazem pior: vão atrás de especialistas que apenas corroboram idéias pré-estabelecidas.

Os bons repórteres mantêm contato constante com as fontes, estabelecendo aos poucos quem são os analistas confiáveis e imparciais. Encontrá-los é muito difícil. Se são do mercado financeiro, comumente tentarão valorizar alguma ação que estão negociando no momento, ou, de alguma outra forma, tentarão usar o poder de influência que ganham através do jornal para tirar vantagem. Cientistas, cada vez mais, estão vinculados a empresas. Nos anos 80, 30% das pesquisas farmacêuticas nos EUA eram financiadas pelo setor privado. Hoje são 60%.

O melhor que o Times pode fazer, na falta de um analista imparcial, é discriminar o interesse que ele tem naquilo que analisa. Os redatores reclamarão que isso comprometeria a fluência das matérias, mas seria plenamente viável colocar, ao fim de cada texto, uma remissão a uma página de internet onde o leitor obteria esse tipo de informação. Isso seria inútil, no entanto, para os muitos casos em que as fontes sequer têm seus nomes citados. No dia 26/10, foram 17 das 33 referências encontradas por Okrent. O correspondente diplomático Steven Weisman, por exemplo, atribuiu a ‘muitos especialistas’ a conclusão de que as negociações entre EUA e Coréia do Norte não avançarão antes da definição da eleição presidencial americana. Indagado a respeito, Weisman admitiu que foi ‘pego usando escrita preguiçosa’ motivada pela pressão do fechamento e pela exaustão de uma longa viagem de avião.

‘Fico agradecido pela honestidade de Weisman e gostaria de achar que receberia respostas semelhantes dos repórteres que, em apenas alguns dias, contaram aos leitores do Times o que ‘os analistas políticos dizem’ sobre as taxas de criminalidade declinantes, o que os ‘analistas da indústria’ acham da venda de autopeças pela internet e o que os ‘analistas em Damasco’ pensam da fronteira entre Síria e Iraque’, escreve o editor público. ‘Eu botaria muito mais fé em afirmações atribuídas a esses fantasmas se elas fossem feitas na própria voz dos autores’. Weisman concorda: deveria simplesmente ter escrito que ‘parece improvável que o impasse’ americano-coreano ‘chegue a uma solução em breve’.