‘Oferecemos, em duas situações vivenciadas nos últimos dias, um mau e um bom exemplo de como se deve apresentar ao leitor uma matéria que pareça capaz de confundi-lo em relação ao que é notícia de interesse coletivo e o que seja um mero anúncio, disfarçado de informação, dentro de uma edição jornalística. Primeiro abordarei o mau exemplo, em respeito à ordem cronológica como os dois apareceram. Na edição do último sábado, dia 20, a página 8 foi aberta com uma matéria sob a seguinte manchete: ‘promoção dá cama box ao assinante’. Um longo texto, uma boa foto, de uma das tais camas, além de um quadro sob o sugestivo e propagandístico título de ‘assine já’. A idéia, aparentemente, seria aproveitar a credibilidade do jornal para passar ao leitor como informação o que, em verdade, não passava da divulgação de uma campanha cujo objetivo é ampliar o leque de assinaturas. Para um objetivo que se deve reconhecer legítimo, portanto, utilizou-se de um artifício ilegítimo, considerada a natureza do negócio jornal e a necessidade, cada vez mais clara, de separar seus objetivos comerciais do comportamento editorial que adota. O ideal que se busca é de fazê-los complementares, esforço nem de longe observado neste caso, onde se dá uma simples ‘invasão’ de um espaço que deveria estar resguardado para uma notícia, da forma como classicamente a conhecemos. Fiz constar no comentário interno minha visão crítica sobre o fato.
Fazendo a coisa certa
Cinco dias depois, na edição da quinta-feira, dia 25, o assunto estava de volta ao nosso espaço editorial. Com outra manchete de página, a 28: ‘campanha informativa e confortável’. Ao contrário da vez anterior, porém, vê-se o material localizado no espaço correto, com a abordagem certa e sem qualquer objetivo aparente de ludibriar o leitor, sensação que ficou quanto ao caso anterior. Esta segunda abordagem da promoção foi editada na página ‘Publicidade & Mercado’, semanal e voltada, como diz o cabeçalho, para publicitários, anunciantes e afins. Portanto, o assunto seria de natural interesse de boa parte dos leitores habituais daquele espaço, interessados em saber como a campanha nasceu, de que forma foi pensada, estratégia de execução, resultados que busca etc. Àquele que a informação não interessou, portanto, bastou pular a página sem motivo para qualquer sensação de que alguém tentara lhe passar a perna. No primeiro caso, ao contrário, ocupou-se espaço da editoria de Fortaleza, o qual, prioritariamente, deveria estar preenchido por uma matéria de real interesse para o conjunto dos leitores. É relevante destacar, ainda, que foi uma manchete de página, lançando ao plano secundário assuntos de notória prevalência jornalística ou editorial. Por exemplo, um acidente que deixou oito feridos em Mocambo, alguns dos quais em estado grave.
Uma manchete pra vender
É ruim que a gente continue oferecendo confusões do tipo no nosso noticiário. Especialmente porque contamina a credibilidade, ou seja, um episódio se soma ao outro, que se soma ao outro, por aí segue, criando-se uma situação que cansa o leitor, desrespeitado, às vezes, até na sua boa fé. O interesse comercial da empresa toma emprestado sua cara editorial para oferecer como matéria uma informação que, no primeiro momento e da forma como a apresentamos naquele dia 20, somente ao próprio jornal e seu eventual parceiro poderia interessar. Além do contra-senso que representa o jornal não acreditar em sua própria força como veículo de uma informação a partir de uma linguagem comercial. Seria como demonstrar insuficiente o anúncio dentro do seu estilo convencional, produzido por publicitários, dentro de uma abordagem publicitária, focado no interesse prioritário de vender e ocupando um espaço claramente delimitado dentro de uma edição, para mostrar suas diferenças em relação ao que ali está como informação. Incentiva, mesmo que não seja a idéia ou intenção, o anunciante à criação do falso convencimento de que precisará de uma manchete como se uma notícia fosse, de uma foto com o ângulo jornalístico, de um quadro com a feição editorial, para convencer ao potencial cliente de que está oferecendo o que realmente lhe interessa.
Para o jornal, anúncio é notícia
Diretor-executivo da Redação, o jornalista Carlos Ely discorda da avaliação que faço do episódio. Segundo ele, há um convencimento institucional, fruto de discussões que envolvem os setores de Marketing, Circulação e a própria Redação – através dos que a comanda -, de que promoções que visam oferecer algum tipo de bônus aos assinantes precisam de uma comunicação além da que lhes é oferecida via campanha publicitária. ‘Não é a primeira vez que utilizamos o recurso da matéria, sem qualquer maquiagem, sem qualquer esforço de parecer o contrário ao leitor, para falarmos de uma campanha de assinaturas que o jornal esteja fazendo’, diz ele, questionando a avaliação de que este tipo de informação não seja notícia. ‘Nós consideramos que seja’, afirma, admitindo discutir se era o caso de, na edição de 20 último, diante de outras opções existentes, ser manchete de página. Carlos Ely diz que o assunto é fruto de boas discussões internas e também não vê o risco de o jornal, como eu entendo, estar abrindo um precedente exemplar perigoso quando lança mão de um artifício editorial para reforçar uma campanha de venda fartamente divulgada nos seus espaços comerciais. ‘O entendimento é de que, nestes casos, há necessidade de passar uma informação a mais aos nossos assinantes e leitores eventuais, nem sempre atendidos pelos anúncios, devido à existência de detalhes na campanha que uma matéria pode destacar da maneira como se considera necessário’, justifica. Fica claro que o jornal insistirá no uso do artifício, o que faz prever que voltaremos ao assunto em oportunidades posteriores, porque de outra parte, mantenho o entendimento de que é uma atitude equivocada e que, em tempos de briga por espaço editorial cada vez mais acirrada, prejudica o noticiário.’