‘Em coluna anterior, uma das primeiras que escrevi após iniciar o trabalho que me trouxe a este espaço semanal, tratei do problema do relacionamento Redação/Comercial a partir de um ponto de vista diferente do que trago agora. Naquela ocasião discutia-se o efeito nefasto – e apenas nefasto –, de um cenário capaz de criar na cabeça do leitor uma confusão entre matéria jornalística e anúncio. Ou seja, debatia-se, então, aquilo que aparece como notícia, escrita como tal, diagramada assim, quando seu conteúdo é eminentemente comercial. Hoje coloco em análise um outro aspecto da questão, menos fácil de ser resolvido, já sei. Trata-se do avanço cada vez mais freqüente da peça publicitária sobre o espaço editorial, na forma mesmo de anúncio, sem escamoteamento, sem pudor, sem disfarce. É aquilo que um publicitário gostaria que fosse definido como criatividade, mas que a corrente à qual me integro prefere entender como o resultado da falta de regras que permitam aos jornais preservar seus espaços editorais com mais rigor. Parece notório que O Povo abriu a guarda em relação a alguns critérios que deveriam ser mínimos e, resultado de união entre espertos, agências e anunciantes têm se aproveitado para ocupar todo espaço que lhes pareça conveniente, por inconveniente que seja para os jornais.. Há um abuso que temos consentido, de maneira perigosa, até, em momentos extremos invertendo a lógica que mandaria cada qual ficar no seu lugar. Anúncio, na forma mesmo de anúncio, tem-se misturado com grande freqüência aos textos editorais, na forma mesmo de textos editorais. Portanto, não se trata de tentativa de enganar o leitor, mas, na verdade, de abusar de sua paciência.
Cada interesse no seu galho
O que nos resta discutir, diante de uma situação criada e que apresenta exemplos que citarei mais adiante, é qual a maneira correta de se encontrar uma alternativa que pareça capaz de contemplar os vários interesses em jogo. O interesse comercial da empresa, que vive de anúncio, quer vender, precisa fazê-lo, até para pagar o salário de quem, como eu neste momento e através de textos internos, exige que sejam respeitados limites. Uma alternativa, ainda, que respeite o objetivo daquele que anuncia e quer seu produto exposto da melhor forma possível, às vezes pagando de maneira diferenciada para ter atendida sua solicitação. Uma saída que considere quem escreve e edita as matérias e, naturalmente, não gosta de ver seu trabalho perdido em meio a peças de alto efeito criativo e, não raro, boladas mesmo para confundir a cabeça do leitor, o qual, por sua vez, também precisa ter preservado aquilo que deve enxergar numa página como informação, objeto, afinal, de sua compra. E, nesta mesma página, o que ali se encontra para lhe atrair como consumidor. São vários aspectos postos, nem todos complementares, criando-se uma situação que, insisto, impõe o estabelecimento de regras.
O anúncio engoliu a notícia
Um exemplo recorrível é o da edição do dia 28 de abril último, na página 9, com anúncio de uma concessionária de veículos. O efeito, que deve ter sido comemorado pelo anunciante e o gênio que bolou a idéia, foi a transformação do que era notícia numa espécie de complemento das brechas deixadas por aquilo que, em tese, era uma publicidade. Na verdade, a parte editorial perdeu qualquer importância diante daquilo que lhe sobrou. A prioridade absoluta de ocupação da página foi para o anúncio. Houve reação negativa externa e, por exemplo, o assunto foi discutido na última reunião do Conselho de Leitores. Com críticas da maioria àquilo que aceitamos veicular, da forma como o fizemos. Outra invasão consentida, esta de maneira mais sistematizada, tem-se dado na capa do segundo caderno, que nós denominamos ‘desdobramento’. Dois pequenos anúncios têm ocupado espaço superior da página, ladeando a manchete, há mais de um mês, diariamente. Há edições em que a presença de outros anúncios na mesma página, que seria nobre, por ser a abertura de um caderno, a transforma numa grande miscelânea, onde a última coisa capaz de chamar atenção é o que estiver lá posto como notícia, seja em texto ou foto, tal o nível de poluição visual. Dá-se, também nestes casos, uma prevalência comercial absoluta, que acaba danosa ao processo jornalístico.
Para um ganhar, o outro não pode perder
Provocada sobre o problema, já que a posição institucional que ocupa costuma convocá-la para intermediar superação de impasses, a presidente-executiva do O Povo, Luciana Dummar, diz considerar maduro o nível atual de relacionamento entre Redação e Comercial. Segundo ela, os dois setores ‘têm como hábito a negociação dos espaços de forma tranqüila e sem imposição de ambas as partes’. É verdade e, quando editor, tive oportunidade de participar de algumas negociações em torno de anúncios por nós considerados inconvenientes. O diálogo existe, mas, vou insistir, a empresa precisa fazer uma análise menos pontual da questão, esforçando-se para o estabelecimento criterioso de mecanismos fixos que evitem a repetição de situações nas quais, ao invés do entendimento, pareça aos leitores que o interesse apenas de vender prevaleceu. Em detrimento dos outros interesses a serem considerados, sobre os quais já falei antes. Sei, ainda, que o quadro incomoda à Redação. O sentimento é de que o setor tem perdido a disputa salutar pela preservação do espaço jornalístico diante do natural assédio que vive a sofrer. É possível que incomode também à própria área Comercial, que depende de um editorial forte e de espaços institucionalmente valorizados para viabilizar seus projetos e negócios. É esta conjunção de interesses que parece faltar para que os excessos sejam barrados. O problema deve ser tratado com a prioridade que hoje requer, diante de ações publicitárias cada dia mais ousadas e que, a depender de quem anuncia, não encontrará limites. O necessário é que a empresa compreenda que um bom negócio financeiro eventualmente fechado não justifica um mau negócio à imagem de um jornal, diariamente cobrado na sua capacidade de se fazer prevalecer como órgão noticioso, prioritariamente. Os anúncios, com todo respeito a quem faz e agradecimento a quem banca, são conseqüência.
Desculpem nossas falhas
A semana que passou foi operacionalmente complicada, no que diz respeito ao contato com o público. Especialmente através da linha telefônica disponibilizada para o atendimento aos leitores, devido a um problema técnico que persistiu durante três dias. Peço desculpas a quem tentou contacto no período e não conseguiu, aproveitando para informar que a comunicação está restabelecida, após a troca do aparelho. Outro problema que perdurava faz algum tempo e parece solucionado, de maneira definitiva, é quanto ao aparelho de fax.’