Sunday, 29 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Guálter George

‘Dois editoriais recentes do O Povo, publicados nos dias 10 e 17 últimos, incomodaram ao leitor Gustavo Menescal. O problema estaria no fato de o jornal considerar, nos dois textos, ‘esgotada’ a experiência da democracia representativa. No primeiro, sob o título ‘Rombo nos municípios’, dentro de um contexto onde se pretendia discutir desvios em administrações municipais e as dificuldades que a sociedade enfrenta para coibi-los devido à falta de mecanismos de controle eficientes. No segundo – ‘As lições da Venezuela’ -, a abordagem é mais direta, partindo-se do exemplo do que ora acontece na Venezuela, com a aplicação do referendo revogatório do mandato do Presidente da República, para reafirmar a defesa de que nosso modelo de democracia precisa ser revisto. O leitor reclama da falta de clareza da tese defendida e, para ele, o honesto seria o jornal aprofundar mais o debate sobre assunto, até, se for o caso, liderando uma campanha pelo voto nulo, considerado o pressuposto de que o modelo hoje em vigência no País já deu o que tinha de dar. O seu interesse, manifestado através de e-mail e em contato telefônico posterior, é saber até onde a posição externada é do jornal, oficialmente, ou se, conforme chega a sugerir, trata-se de uma visão pessoal do editorialista, abraçada pela empresa. Foi esta dúvida que levei ao comando do O Povo, que indicou o jornalista Valdemar Menezes, o editorialista em questão, para apresentar os argumentos cabíveis.

Jornal considera posição transparente

Para Valdemar Menezes, o posicionamento do O Povo quanto ao assunto é claro e está manifestado em vários outros editoriais publicados antes dos dois que chamaram a atenção do leitor. ‘O jornal defende, faz algum tempo, um avanço do que temos hoje em direção à democracia participativa’, esclarece, adiantando que não há qualquer incoerência. A idéia nunca foi, assegura, negar o que há hoje. ‘Na verdade, a tese é de importantes e respeitados constitucionalistas brasileiros, a começar pelo cearense Paulo Bonavides, autor de várias obras acerca do tema. O que se defende é uma junção entre o que há de melhor nas democracias representativa e direta, resultando num modelo que daria muito mais possibilidades de participação à sociedade e, em especial, lhe garantiria mecanismos de controle sobre os agentes públicos muito mais eficientes’, diz Valdemar. O editorialista considera normal que o leitor questione se a posição é do jornal, oficial, ou dele, particular, lembrando que na coluna semanal que assina aos domingos – Concidadania – reforça convicções pessoais acerca do assunto. Neste caso, o que não é uma regra, nem poderia ser, as opiniões do jornal e de quem as editorializa convergem e, como mostra o caso, até confundem-se.

A grande questão que se coloca é se a defesa da tese de uma democracia diferente da que temos hoje contamina a cobertura do jornal no campo político. Parece evidente que as falhas que o nosso noticiário político apresenta, em nível acima do que gostaríamos, com certeza, nada têm a ver com as teses que os editoriais de vez em quando manifestam. Portanto, há espaço para uma convivência harmônica entre a visão que tem O Povo do que seja uma democracia ideal e o acompanhamento cotidiano dos fatos relacionados à democracia que a realidade nos permite ter. Por mais justificada que pareça a apreensão que o leitor Gustavo Menescal torna pública, a partir do que lê no espaço de posicionamento institucional do jornal, inexistem elementos capazes de configurar má-fé ou algo mais que pareça resultar de qualquer intenção de impor uma idéia aos leitores. Até hoje, pelo menos, foi assim.

Moradora de rua sim, assassina talvez

Leitor encaminha questionamento, repassado à Redação, quanto aos critérios que o jornal utiliza para definir quando deve, ou não, identificar alguém que esteja sendo acusado da prática de ilícito, especialmente no campo criminal. Alega ele, no que está correto, que se em algumas ocasiões o nome é omitido sob o pretexto de que se trata ainda de uma suspeita, não há condenação, em outras expõe-se acusados sem qualquer cuidado maior aparente. Foi o que aconteceu na edição de 18 último, na qual publicamos a foto de Maria Célia dos Santos, a ‘Celina’, acusada de envolvimento com a morte do morador de rua José da Silva Souza, o ‘Negão’, queimado ainda vivo enquanto dormia em calçada de Fortaleza. A foto tinha sido distribuída pela polícia e ela é apresentada como uma suspeita, nem sequer tinha sido ouvida, até então, enfim, apresentava todas as características de tantos outros acusados que O Povo costuma optar por não expor os nomes, muito menos fotos. Excetuando-se o fato de ser uma indigente, moradora de rua tanto quanto a vítima, nada mais diferencia a exposta Celina dos outros mais que costumamos optar por não apresentar ao leitor na forma de acusados, sob argumento de que precisam ser protegidos, inocentes que são até prova em contrário.

Carlos Ely, diretor de Redação, defende a publicação da foto da acusada Celina. ‘De fato’, esclarece, ‘amadurecemos bem o debate, internamente, antes da decisão de expor a imagem dela. Acontece que, mais do que simplesmente acusada, ela, àquele altura, já era apresentada pela polícia como uma fugitiva. De certa forma, inclusive, a publicação da foto até ajudaria uma eventual localização’. Indaguei, então: o fato de ser uma simples moradora de rua nada tem a ver com a decisão? ‘Posso assegurar que não’, disse o jornalista.’