Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Guálter George

‘O professor universitário Angelo Brayner avalia que O Povo aplica ‘três pesos e três medidas’ na cobertura da campanha eleitoral de Fortaleza. Para ilustrar a conclusão recorre ao exemplo da edição do último dia 7, analisando a forma como aparecem as matérias dos três candidatos melhor posicionados nas pesquisas. Para ele, a distribuição das notícias, em si, manifestaria o favorecimento de uma candidatura, pelo que entendi a do tucano Antônio Cambraia. Naquele dia, Cambraia aparece sozinho no primeiro caderno, abrindo a página de ‘Últimas’, enquanto Moroni Torgan (PFL) e Inácio Arruda (PCdoB) justificavam manchetes de páginas no caderno seguinte, no espaço da ‘Política’. A disposição das matérias, a maneira como aparecem editadas, o uso ou não de fotos foram elementos pesados por Angelo para concluir que há uma intenção deliberada de ‘induzir o leitor a formar uma imagem negativa de um determinado candidato, talvez por não ser o candidato do meio de comunicação’.

Editor considera critério superado e surreal

A avaliação de Angelo Brayner é rebatida pelo diretor-executivo da Redação, Arlen Medina. Segundo ele lembra, ainda no início da campanha o jornal tornou claras as regras de sua cobertura, explicitando, já então, que ela ‘não iria se pautar por critério de centimetragem editorial, prevalecendo a relevância editorial’. Há duas eleições que O Povo abandonou a centimetragem como critério editorial, diz o jornalista, avaliando que a prática ‘foi superada por ser surreal. Não é possível considerar que candidato a, que tem x por cento da preferência do eleitorado, receba a mesma cobertura em centimetragem que candidato y, que tem zero por cento ou traço. Nem a legislação eleitoral é mais assim’.

Do exemplo ao conselho, um pulo

O debate entre o leitor e o editor abriu espaço para um paralelo, sobre o polêmico Conselho Federal de Jornalismo, que o governo Lula está propondo em iniciativa encaminhada ao Congresso. Angelo Brayner junta uma coisa à outra, dizendo que o episódio reforçaria a necessidade de levar adiante a criação do tal Conselho, ‘para regular a postura ética de profissionais da área’. Arlen Medina rejeita a hipótese, considerando-a ‘impertinente. Interferir em conteúdo jornalístico é atribuição dos que gerenciam a Redação’. Arlen lembra existirem, no caso do O Povo, instrumentos eficazes de pressão com origem externa, citando o Ombudsman e o Conselho de Leitores. O jornalista fecha sua posição acerca do tema questionando quem seriam ‘os juízes’ que analisariam o conteúdo de uma matéria para definir se ela está correta. ‘Dispenso que isso seja feito por quem está fora do dia-a-dia das Redações. Já somos julgados pelos leitores a cada edição’.

O custo que pode valer a diferença

Certo é que a discussão aberta apresenta grande utilidade, para nós e os leitores. O caminho pelo qual O Povo optou nas suas últimas coberturas é, por natureza, mais tortuoso e mais possível de gerar análises como a do leitor Angelo Brayner. A forma determina que o equilíbrio venha pelo fato em si, ou seja, o apuro exigido para escolher o que merece ou não ser matéria, o que deve ou não ser manchete de página, o que precisa ou não ter o nosso acompanhamento mais próximo, é muito maior do que quando se faz a simples divisão do espaço disponível pelo número de candidatos e a possibilidade de cada um na disputa. Quanto ao debate sobre o proposto Conselho de Jornalismo, tenho adiado a abordagem do tema na coluna à espera da manifestação oficial do jornal, já prometida anteriormente pelo seu comando. Adianto, porém, que sou favorável à sua criação e, na boa companhia de nomes como a professora e ex-ombudsman Adisia Sá, não enxergo na medida o amplo leque de ameaças ao exercício da profissão que seus críticos vivem a apontar.

Depois do risco da praia há o bairro

A assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) faz críticas, em grande parte procedentes, à maneira como O Povo trabalhou os números por ela disponibilizados sobre as ocorrências policiais na região da Praia do Futuro, em matéria veiculada no último dia 4. Uma área, vale dizer, cuja abrangência expande-se para além daquela formada pelas barracas que a população e os turistas freqüentam episodicamente e que exigem fazê-lo sob maior segurança. O que acontece é que os números fornecidos ao jornal e por ele publicados na matéria ‘falta segurança na praia do Futuro’ – 394 roubos e 151 furtos, além de cinco homicídios, desde janeiro até julho de 2004 – não abrangem só a areia, o calçadão, as pousadas e as barracas. Envolvem favelas, por exemplo, localizadas a alguma distância da freqüentada área de lazer. Todo o tratamento que a matéria dá aos números, porém, os relaciona à parte eminentemente turística, às queixas dos barraqueiros ou, no máximo, a quem mora próximo às barracas. Os roubos, assaltos e homicídios daquela estatística até incluem a área onde fomos buscar suas repercussões, mas, parece evidente, estendia-se para além dela.

Carlos Ely Abreu, que comanda o Núcleo de Cotidiano, considera, ao contrário da assessoria, que os números da SSPDS foram utilizados de maneira conveniente na matéria. ‘A Praia do Futuro é um bairro e assim foi entendida na abordagem’, diz ele, lembrando que há depoimentos de moradores sobre o problema da insegurança na área. É natural que os barraqueiros predominem nas queixas, explica, ‘tratando-se de uma área marcadamente turística. Em nenhum momento, porém, desconsideramos que o bairro é muito mais do que o risco de praia’.’