‘O leitor do O Povo deparou-se com duas informações, na edição de quinta-feira última, dia 23, sobre a disputa eleitoral em Trairi, município distante de Fortaleza 137 quilômetros. Uma, na página 21, indicava que, pelo instituto ‘x’, o líder nas intenções de votos dos eleitores locais é o candidato ‘a’, situando-se bem à frente do candidato ‘b’. Duas páginas adiante, a 23, realidade diferente era apresentada, a partir de trabalho de outro instituto, o ‘y’, onde as situações dos dois candidatos se invertiam e os números sorriam diferentes para um e para outro. O jornal considera que o fato de as informações sob cercadura e embalagem de anúncios publicitários deixa claro que não se trata de uma peça editorial, portanto, o leitor saberá eximi-lo de responsabilidade por aquela situação. Além disso, afirma vir adotando para tais casos o cuidado que a lei requer, submetendo à área jurídica cada proposta comercial do gênero que chega, a fim de saber se as pesquisas cumprem requisitos legais, a começar pelo registro junto à zona eleitoral correspondente e o respeito aos prazos mínimos previstos.
O atalho da esperteza levou aos anúncios
Sugeri, no comentário interno daquele dia, que se desse um basta ao que defini, e continuo fazendo-o, como ‘abuso’. O debate sobre as pesquisas e o melhor uso que os candidatos podem fazer delas é antigo, não tem levado a quase nenhum avanço no País e, em 2004, até apresenta sinais de retrocesso. O Povo, por exemplo, que sempre foi criterioso – em 2002 chegou a definir como uma das regras da cobertura excluir as pesquisas de suas possibilidades editoriais de manchete –, agora tem deixado que suas páginas se infestem de pesquisas dos mais diversos municípios, realizados pelos mais diversos institutos, com os mais diversos resultados, às vezes refletindo um mesmo universo, e prevalece a impressão, no ambiente interno, de que tudo isso parece normal. Afinal, alega-se, é anúncio publicitário.
Nem tudo deve caber no espaço que está cercado
Imagino o que pode passar pela cabeça de um leitor em Trairi, esgotando-se um pouco mais a discussão sobre o caso que trouxe o assunto à tona. Exigimos dele o entendimento de que o jornal não é o responsável pelas duas pesquisas que traz em espaços cercados de suas páginas, visto que cada uma delas teve alguém que pagou e, em tese, pode ali colocar o que lhe for conveniente. O que interessa saber, apenas, é se havia registro, se as frias recomendações legais estavam atendidas e, claro, se o contratante se dispunha a pagar o que a tabela de anúncios determina. O problema, no entanto, é mais complexo. A pesquisa, em si, não basta para um candidato vender ao eleitorado a idéia de que tem chances de vencer, que lidera a disputa etc etc. Há necessidade de fazê-la chegar ao público por meio de um canal acreditado, um veículo que chancele a informação. Editorialmente seria impossível, visto que neste aspecto O Povo está protegido, estabelecendo regras claras e suficientes para manter tal prática distante do seu noticiário. Sobra, então, a esperta via comercial, onde as barreiras a transpor parecem menos resistentes.
Anúncio com este tipo de cara e objetivo não merece tratamento semelhante àquele que se dá, por exemplo, ao de uma concessionária de veículos. As diferenças são notórias e o jornal nunca deveria, atendidas que estivessem as exigências da lei eleitoral, aceitar publicar, numa mesma edição, duas pesquisas que se desmentem entre elas. Era uma questão de respeito ao leitor, que não houve em nome de uma opção absoluta pelo comercial.
Pior do que o erro é a sensação de descaso
A freqüência e, hoje, a qualidade dos erros do O Povo continuam incomodando aos leitores. O pior é constatar que as manifestações trazem um justificado protesto quanto à suspeita de que grande parte do problema deriva de um certo ‘descaso’ da nossa parte. O advogado Gerson Sampaio Gradvohl valeu-se de três exemplos da edição do dia 21 passado para reclamar da negligência, que diz notar em textos gerais da imprensa, ‘com a escrita escorreita, resultando em toda sorte de desacerto ortográfico e gramatical’. Outro que se manifestou sobre o assunto foi Michel Pinheiro, que optou pela ironia ao comentar informação equivocada do jornal relacionada ao processo de indicação do Procurador-geral de Justiça. Para ele, ‘a pressa pode estar sendo parceira da incompetência’, referindo-se à carta de um estudante de Direito, publicada na edição de 22 último, onde se aponta o erro, que o jornal detectara antes haver cometido e vinha consertando em textos posteriores sobre o assunto.
Consciência não basta, mas é o começo
Já tive oportunidade de falar sobre o tema em coluna anterior e volto a fazê-lo diante das manifestações citadas, às quais se somam outras que chegam quase diariamente na mesma linha. É importante reafirmar que existe uma consciência interna de que erramos além do aceitável e a Redação não está parada diante desta realidade. Há esforços para reverter o quadro, mesmo que os resultados aparentes não sejam satisfatórios. Vale lembrar, ainda demonstrando que não há passividade do jornal, que todos os casos citados nas manifestações do advogado Gerson Gradvohl e do juiz Michel Pinheiro foram objeto de discussão interna ou, até, já tinham sido motivo de reconhecimento público de erro na seção indicada, a de ‘erramos’. Inclusive a terrível inversão que, em manchete de página da citada edição do dia 21, transformou um caso provável de homicídio seguido de suicídio numa improvável seqüência em que o suicídio viria antes do homicídio. Ou seja, a única coisa que não se pode acusar O Povo é de tentar varrer o erro pra debaixo do tapete.’