‘O Povo encerra com a edição de amanhã, simbolicamente, a primeira etapa da execução do seu planejamento de cobertura das eleições de 2004 no Ceará. É hora de fazer um balanço parcial para discutir os erros e acertos, especialmente visando a seqüência da campanha de Fortaleza, que tem praticamente certa a necessidade de uma extensão até o dia 31 próximo, em Segundo Turno. Há mais acertos, embora os erros mereçam uma boa discussão para evitar que se repitam. Para analisar se o previsto realizou-se é necessário um retorno à edição de 6 de junho último, quando um texto assinado pelo editor-executivo do núcleo de Conjuntura, Érick Guimarães, anunciava que o processo estava deslanchado e tornava públicas as linhas mestras de como o jornal pretendia se comportar. Ali constava, no geral, que O Povo não se prenderia a um equilíbrio fabricado, ou seja, que não se limitaria a ocupar seus espaços dividindo a quantidade de páginas pelo número de candidatos. Também se anunciou naquele texto que o foco não seria nos candidatos ou seus interesses, priorizando-se, ao contrário, o ponto de vista do cidadão, da sociedade, da cidade. Três meses e 27 dias depois, o que fizemos, ou deixamos de fazer, quanto àquilo que estava anunciado?
A blindagem parece ter funcionado
Primeiro o que O Povo cumpriu. A Redação demonstrou-se bem protegida dos factóides, daquelas notícias que surgem com o interesse estratégico, às vezes mal disfarçado, de ajudar este ou aquele candidato. O jornal conseguiu fugir de ‘armadilhas’ e manteve a distância recomendável destes interesses. Outra ação positiva foi quanto à execução de pautas importantes ao fortalezense, mesmo que fora dos discursos oficiais de campanha. Um exemplo foi a série que se propôs a mostrar como a cidade está distribuída administrativamente, apresentando perfil, problemas e potencialidades de cada uma de suas regiões. Outros bons momentos vieram através de cadernos editados aos domingos e que aprofundaram temas de uma forma que o dia-a-dia corrido nem sempre permite. Vale citar aquele veiculado em 25 de julho que traçou um raio-x da Câmara Municipal de Fortaleza, mostrando pra que serve, quanto custa e, assim, alertando o leitor/eleitor para a necessidade de escolher bem o candidato que deve receber seu voto na disputa proporcional.
Havia campanha além de Fortaleza
Lamentavelmente, pra nós, nem só de acertos viveu a cobertura. Houve erros, alguns resultantes de problemas estruturais, outros como reflexo de campanhas que, em si, são planejadas mais para confundir do que esclarecer, outros, ainda, conseqüência de escolhas e posicionamentos equivocados da Redação, de origem meramente editorial. É problemático, por exemplo, que o jornal tenha quase desprezado o processo eleitoral no Interior. O entendimento de que não conseguiríamos estar em todos os lugares parece nos haver levado à conclusão de que o melhor seria não estar em lugar nenhum, excetuando-se Fortaleza. Para uma eleição e uma cobertura com foco nos municípios, uma opção difícil de compreender. Não seria o caso, claro, de exigir a montagem de uma estrutura que desse ao jornal a condição de se fazer presente em todas as regiões cearenses. O ruim, insisto, é sair quase que por completo do processo, trazendo ao noticiário muito pouco da disputa espalhada pelos municípios interioranos, na maioria dos casos tão intensa quanto a observada em Fortaleza.
O emblemático ‘caso França’
Um outro problema, já de volta a Fortaleza, diz respeito ao distanciamento do jornal em relação a alguns debates da campanha que exigiam uma ação mais afirmativa. O exemplo mais evidente envolveu o propalado, discutido e pouco explicado ‘caso França’. Durante boa parte do processo os discursos de candidatos e coligações ficaram centrados no tema, enquanto o jornal optava por somente reproduzir o ataque de um, as defesas de outros, indo além disso apenas para entrevistar um ou outro personagem escalado pelas coordenações. Uma atitude estranha, porque o tal caso tornou-se público e ganhou ares de escândalo, no ano de 1997, a partir de uma série de reportagens do próprio O Povo, valendo-lhe até, posteriormente, reconhecimentos nacionais importantes, como a conquista do cobiçado prêmio Esso/Nordeste. Ou seja, o jornal poderia ter ido ao seu Banco de Dados para recuperar o que ele próprio publicara antes, tentando identificar se o nome do delegado Cavalcante, candidato a vice-prefeito, realmente constou entre os envolvidos no esquema à época denunciado e desmantelado. Isto poderia lançar um sopro de isenção no debate que desenvolveu-se até o final da campanha em clima de ataque e defesa, sem que se tenha entendido, finalmente, se a razão estava com quem atacou ou com quem defendeu.
As notas que destoaram
Outro problema a registrar envolve as colunas que, mais uma vez, fugiram ao controle em muitos momentos. Diariamente, quase, eram apontados exemplos de uma nota indevida, uma informação mal apurada, uma brincadeira fora de hora, uma análise pouco própria a uma abordagem editorial. Apesar de, nas regras anunciadas em 6 de junho, constar que também os colunistas estariam enquadrados dentro de um código de conduta que vedaria, aos profissionais envolvidos na cobertura, em todos os espaços editoriais, ‘explicitar preferências políticas no processo eleitoral, resguardando a credibilidade do jornal’.
Os argumentos e razões do editor
Érick Guimarães, que coordena o processo, diverge de minhas análises quanto à cobertura do Interior e o caso França. Quanto ao acompanhamento das campanhas fora de Fortaleza, segundo ele, ‘houve avanços em relação a anos anteriores, mesmo que, admito, o resultado ainda tenha ficado abaixo do previsto’. Érick informa que o planejamento inicial previa a presença do jornal em pontos definidos do Estado, ‘mas, infelizmente, acabamos enfrentando dificuldades insuperáveis para encontrar profissionais que atendessem aos padrões internos que definimos’. Um dos aspectos seria a ausência de vínculo político local de qualquer nível. Para ele, mesmo assim, ‘noticiamos o que de fundamental aconteceu nas disputas municipais, especialmente pelo eficiente acompanhamento dos julgamentos ocorridos no âmbito da justiça eleitoral’. Quanto ao caso França a defesa do editor é mais enfática e curta: ‘o exploramos na medida certa. Fomos além do ruge-ruge dos candidatos e ouvimos quem precisava ser ouvido’. O convencimento da Redação, que fez a opção após discutir o tema internamente, foi de que não havia necessidade de um aprofundamento. O O Povo poderia, agindo diferente, ter permitido ao eleitor ir às urnas, hoje, melhor esclarecido quanto a um dos temas mais debatidos ao longo da campanha fortalezense.’