Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guálter George

‘O advogado e leitor João Quevêdo Ferreira Lopes ligou na última quinta-feira, dia 7, para comunicar que, insatisfeito com resposta a demanda apresentada contra o jornal, iria desencadear campanha de desmoralização contra o atual ocupante do cargo de Ombudsman, no caso, eu. Contado o final da história, vamos ao início dela. Em 5 de maio último, o citado cidadão encaminhou documento reclamando do O Povo por haver deixado de publicar textos seus, pagos, nos quais avalia que levava denúncias ao público que ‘incomodavam aos poderosos, os donos da verdade, funcionando como um látego em suas consciências’. O presidente da empresa jornalística, Demócrito Dummar, lhe chamara em abril do ano passado para uma conversa, na qual solicitou a suspensão das matérias por um tempo. ‘Atendendo a este pedido passei um ano sem levar qualquer nota pra publicação’, diz o leitor, filho de João Jacques Ferreira Lopes, redator e secretário de Redação do O Povo durante décadas. Quevêdo afirma que mudou de opinião ao tomar conhecimento do que ele diz que seriam os reais motivos: ‘uma imposição de alguns membros do Ministério Público Federal local, que se achavam prejudicados em suas atividades, decorrentes de denúncias levadas ao público via jornal O Povo, devidamente comprovadas’. Ele, já então, se dizia decepcionado com o jornal e reivindicava do Ombudsman que, informado por ele do que acontecia, se manifestasse contra ‘as censuras aos seus trabalhos jornalísticos’.

As razões que o advogado rejeita

O material de João Quevêdo foi encaminhado ao presidente da empresa Demócrito Dummar com solicitação dos esclarecimentos necessários, que vieram através de texto onde a história é parcialmente confirmada. A conversa entre os dois ocorreu, de fato foi a pedido do dirigente do jornal e também procede a informação de que na oportunidade se fez uma comunicação de que os textos, mesmo pagos, deixariam de ser publicados. No entanto, a versão oficial indica que na raiz do problema estaria o convencimento de que ‘as publicações voltadas unicamente aos membros da magistratura se manifestavam claramente como campanha’, algo proibido inclusive para os articulistas e colunistas do próprio O Povo, ‘justificando-se apenas quando feitas pelo jornal, diante de questões de alto e inarredável interesse público’. A direção confirma demandas de pessoas que ‘se consideravam atingidas em sua honra por publicações subscritas pelo leitor João Quevêdo, mormente profissionais ligados ao ambiente da Justiça’. O incômodo era com o fato de o jornal agregar valor às acusações do advogado, ao publicar as notas, o que acabou determinando um exaustivo debate interno, quando até conselheiros do jornal chegaram a ser consultados, levando à jurisprudência editorial anunciada ao próprio Quevêdo. Uma resposta que o advogado, em português direto, definiu como ‘fajuta’.

Ele com a dele, eu com a minha

Onde entramos nós, eu e a ameaça de desmoralização? João Quevêdo considera que não me portei no episódio da maneira como ele imagina que deveria fazer o Ombudsman. É o caso, então, de informar o que fiz. Primeiro, como já dito, procurei o comando da empresa para ter informações sobre o que acontecera. De posse delas, chamei o senhor Quevêdo para uma conversa, quando lhe expus o teor da resposta do jornal e dialoguei com ele por uma manhã inteira, quase. Minha obrigação, estou convencido, era buscar uma explicação para o fato de se haver decidido não publicar os tais textos na forma de anúncios, o que fiz e repassei ao leitor e anunciante. Como sugestão, ainda, lhe propus que procurasse a Redação para, na condição de fonte, encaminhar suas denúncias, acusações e outros materiais que diz possuir contra agentes públicos com atuação no Ceará. Neste caso sim, havendo dificuldade de fazer o jornal receber e apurar o material apresentado caberia uma intervenção mais objetiva. Ao recusar a publicação dos textos do senhor João Quevêdo, O Povo recusou anúncios e, não, conforme ele alega, ‘trabalhos jornalísticos’. Nestes, por exemplo, existe a necessidade de ouvir o outro lado, preocupação que nunca esteve presente aos textos que o advogado pagava para saírem cercados.

Quanto às ameaças de questionamento público do jornalista que hoje está Ombudsman, não sou dono da vontade do senhor João Quevêdo. Somos, os dois, suficientemente crescidos para assumir responsabilidade por tudo aquilo que fizermos, especialmente quando o limite do tolerável pode ser extrapolado. Da minha parte não deve restar dúvida de que procuro ter esta consciência. Imagino que da parte dele também.

A manchete que virou manchete

A manchete da edição da última quinta-feira do O Povo – ‘Justiça manda declarar Fortaleza campeão 2002’ – conseguiu a rara proeza de desagradar gregos e troianos, ou, na linguagem mais própria ao fato em questão, alvinegros e tricolores. Foi uma escolha questionável de assunto, observando-se que na edição havia pelo menos três outros de aparente maior interesse público, tais como o relatório que apontava o estado de caos nas rodovias brasileiras, a constatação pelo Governo de que Fortaleza é uma das rotas principais do esquema de tráfico de humanos no País e, finalmente, a aprovação pelo Senado, no dia anterior, da polêmica lei de biossegurança. Assuntos, no dizer do leitor Victor Vasconcelos, ‘torcedor do Fortaleza há mais de 27 anos’, como faz questão de se apresentar, mais importantes e merecedores de ser a manchete do jornal. É no seio alvinegro, porém, que a revolta com a escolha pareceu maior, levando o contador Geraldo Magella a liderar campanha, via Internet, para que os admiradores do Ceará deixem, como ele diz já ter feito, de ler O Povo. Uma idéia encampada por Sérgio Luiz Andrade de Almeida e que deve agradar a Pedro Lacerda, o qual, irônico, parabeniza o jornal pela manchete, imaginando que ela deve ter levado à quebra ‘de todos os recordes de venda na capital’.

Não determinou e não limitou

A editora-chefe Fátima Sudário diz entender e respeitar o sentimento dos torcedores diante de situações como a experimentada naquele dia. Afirma, porém, que a escolha foi resultado natural de um processo onde se detectou, durante a reunião de pauta da noite, que aquele assunto é o que tinha mais mobilizado a atenção entre os próprios editores, um indicador muitas vezes utilizado para definição da manchete principal. ‘Ser um fato esportivo, a favor do Fortaleza e contra o Ceará, não foi determinante para a escolha. Por outro lado, não poderia funcionar como um limitador’, diz ela, atribuindo a uma ‘ousadia’ do jornal a opção pelo assunto e, inclusive, avaliando que a própria repercussão, mesmo a negativa, confirmaria se tratar de um tema de largo interesse coletivo.’