‘Nós, jornalistas brasileiros, perdemos uma excelente chance de promovermos, de maneira transparente, uma discussão elevada sobre a atividade profissional que exercemos. Seria uma boa ocasião para discutirmos o que somos, porque somos, o que estamos fazendo, porque estamos fazendo, a quais interesses atendemos, a quais deveríamos atender, enfim, a oportunidade parecia própria a uma reflexão profunda e capaz de qualificar melhor o exercício da atividade abraçada. Digo que a chance foi perdida porque saiu da pauta do Congresso, definitivamente, o projeto de lei que previa a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Nem discuto se o que estava proposto era bom ou ruim, se estabelecia ou não qualquer tipo de censura, se viria ou não a ameaçar as liberdades de expressão, de pensamento… Discuto, como forma de entendermos de que maneira um lobby se manifesta e prevalece, a maneira pouco ética como se comportaram os que, jornalistas e proprietários dos meios, potencializaram na proposta apenas todos os defeitos que consideram que ela tinha.
Os novos paladinos são velhos conhecidos
Desde quando o projeto saiu do Palácio do Planalto e chegou ao Legislativo nunca se ofereceu à sociedade o direito de, pelo menos, conhecer o ‘monstro’ do qual se falava. Não houve discussão, a crítica foi mediocrizada, optando-se por simplesmente demonizar a proposta e desqualificá-la, de pronto. O resultado, sepultada a idéia que nasceu na Federação Nacional dos Jornalistas, é que não há mérito a discutir. O assunto morreu, comemoram parlamentares do porte do líder do PFL, José Carlos Aleluia, o mais visível porta-voz dos que foram contra a iniciativa no ambiente do Congresso. Estivesse o parlamentar baiano ao lado dos que parecem defender os direitos do cidadão há mais tempo, e com igual entusiasmo, o seu líder político histórico, Antônio Carlos Magalhães, teria mais dificuldade no tratamento que costuma dar aos que pensam diferente dele, aplicando ao seu modo o conceito de liberdade, inclusive a de expressão.
Como poucos podem ter percebido, em mais um round da desinformação a que foi submetido o cidadão em torno do assunto, vale informar que a Câmara dos Deputados rejeitou por votação simbólica na noite da quarta-feira, dia 15, o projeto de lei que criaria o Conselho Federal de Jornalismo. Uma simples tentativa de regular a atividade jornalística, como há tantos outros organismos do tipo com igual função para tantas outras categorias profissionais, de repente, acabou transformada em intenção governamental de tolher o direito dos cidadãos a pensar. Antes de se rejeitar a iniciativa, o que poderia ter acontecido como resultado natural de uma ampla discussão em torno dela, optou-se por rejeitar o debate. Lamentável.
Com quantos anúncios se faz um noticiário
Leitor que assina como J. D. Castro coloca em discussão algo que, de fato, parece importante de ser avaliado pela empresa. Apesar de ser uma manifestação individual, isolada, certamente retrata um incômodo que não é apenas dele. Castro reclama de um avanço da publicidade sobre o espaço editorial nas páginas do jornal, dizendo ter sentido um agravamento da situação mais recentemente. ‘De vez em quando consulto edições antigas na Biblioteca Pública Menezes Pimentel e constato que no passado não era assim’, afirma, lembrando ter, recentemente, colocado uma edição atual ao lado de outra de 1974, quando a diferença ficou fortemente evidenciada. ‘Sei que os jornais dependem dos anúncios, da parte comercial, mas está ficando insuportável ver as notícias serem colocadas em segundo plano, numa inversão do que se considera normal’, desabafa. A queixa é parcialmente endossável, embora existam dados concretos indicando que uma parte dela, mesmo compreensível, não se confirma. Pra começar, qualquer comparativo descontextualizado entre dois momentos diferentes da história apresenta problemas evidentes na aplicação. De qualquer maneira, levei a apreensão do leitor ao setor competente do jornal para uma discussão.
Na estatística, o editorial sempre prevalece
Como é normal que os jornais façam, O Povo administra os espaços de forma que, mantida a relação ideal, 65% das páginas terão conteúdo editorial, disponibilizando-se 35% para ocupação comercial. Uma margem de 5% permanece aberta a uma negociação, conforme a demanda eventualmente determine. Ou seja, no dia em que o limite máximo tiver sido atingido os anúncios responderão por 40% do espaço total. Cynthia Serretti, gerente geral de Negócios, até reconhece que a ocupação tem sido acima daquela que normalmente se registra. ‘O varejo vive um momento de forte aquecimento e o meio jornal, para ele, é o mais eficiente, o que tem provocado um aumento na demanda. Mesmo assim, ele está sendo atendido respeitando os limites pré-estabelecidos, o que garante sempre a prevalência do editorial’, diz ela. Conforme a própria Cynthia, nem aos anunciantes interessa um jornal onde o comercial ocupe mais espaço do que o editorial, os anúncios superem as notícias.
Ao contrário do que fazemos transparecer ao leitor, muitas vezes, a discussão sobre o assunto nada tem de tabu ente nós. O conflito entre editorial e comercial existe, é assumido por ambos os lados e apenas precisa ser administrado até o limite delimitado pelo objetivo comum que une os setores. A área comercial sabe que depende de um noticiário forte para ter um produto mais vendável à disposição, o que muitas vezes requer espaço. De sua parte, o setor editorial já consegue entender que os anúncios, pelo retorno financeiro que trazem, acabam possibilitando à empresa jornalística tocar o seu dia-a-dia de compromissos e responsabilidades. Assim é que estamos nos acostumando a estabelecer uma convivência que já se tem como possível. Um avanço expressivo, podem acreditar.’