Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Joaquim Furtado

‘Sobre a natureza da correspondência habitualmente dirigida a esta coluna, a última crónica referia-se aos leitores que escrevem protestando por não verem publicadas cartas que enviaram ao jornal. E referia que esse facto é interpretado de diversas formas. Todas interrogando-se sobre os critérios de escolha, muitas pondo-os em causa: ‘há uma selecção apertada nas cartas que são publicadas (…) não podem ser politicamente incorrectas (…) e, sobretudo, não devem questionar o próprio Público’ (A. Lima, Lisboa); ‘Esta opinião dos leitores, remetida para um espaço deliberadamente ínfimo, serve de garantia ao jornal para que as suas decisões em cortar ou não publicar sejam consideradas adequadas e normais’ (Teresa Sá e Melo, Lisboa); ‘Quando as cartas contêm algo que o jornal (…) não concorda, por ideologia política, social, etc. etc…vai para o cesto dos papéis do lixo ! Neste aspecto, o PÚBLICO não está isento de culpa de abominação’. (Manuel Xarepe, Amadora).

‘Agradeço que dirija os meus e-mails à rubrica das Cartas ao Director, embora tenha a noção que, mais uma vez – já que não é a primeira em que abordo o assunto – vai cair em saco roto’. (Rui Moura, Ramada); ‘Junto envio um texto cuja publicação foi recusada (…) não contém ofensas a ninguém, nem expressões menos correctas’ (Pedro Melo de Almeida); ‘Mando-as com conhecimento ao provedor, por julgar que o provedor pode (deve) interferir na contribuição para que o Público seja mais plural’ (Bernardo Barbosa, Viana do Castelo); ‘ Se das duas primeiras estranhei a não publicação de qualquer das minhas críticas, aceitei-a. As críticas eram mordazes e não estiveram para me aturar e, até podiam os CTT não ter entregue qualquer das cartas. Desta vez porém o mail foi com certeza entregue. Mais uma vez nada saiu no jornal. Porquê ? ‘ (Ângelo Cardoso, Leiria).

O director responde, em termos gerais, pelos critérios de escolha usados: ‘Só podemos publicar uma pequena parte dos textos que nos são enviados e temos de seleccioná-los em função do espaço disponível, da sua oportunidade, pertinência e interesse, da autoridade pública dos seus autores (…) também procuramos equilíbrio e moderação’. José Manuel Fernandes respondia, noutra ocasião, questionado por esta coluna, a propósito de um caso concreto. E esclarecia: ‘as cartas não são analisadas pessoalmente pelo director, pois tal seria impossível. São tratadas por um serviço adjunto à direcção, que as selecciona e edita. Só em casos mais controversos são colocados à consideração do director’.

Sobre a necessidade de seleccionar, face ao espaço disponível, o Director do jornal remete para nota que enquadra a rubrica das cartas: ‘O PÚBLICO reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos’.

O Livro de Estilo é, no entanto, mais explícito sobre as condições de acesso das cartas, às páginas do jornal: ‘deverão versar temas de interesse público’ ou incidir sobre textos publicados no jornal, usarem de linguagem correcta, ‘de acordo com as normas de urbanidade e de bom senso, não ultrapassando, em princípio, os 1500 caracteres’. O jornal pode ‘ proceder às adaptações necessárias, desde que não seja desvirtuado o sentido dos textos’.

Tradicional instituição da imprensa (1), o correio dos leitores é tido como uma das secções mais lidas. E aquela que permite, a qualquer cidadão, aceder ao espaço público.

Muitas vezes usadas para auto-promoção dos jornais, através da opção por cartas elogiosas, as rubricas dos leitores, além de poderem constituir uma fonte de informação, devem servir para divulgar ideias e acolher debates. Entre leitores e entre leitores e jornal. Designadamente em jornais como o PÚBLICO que, aberto à discussão de ideias, estimula nos seus leitores esse gosto, ciente de que (como se lê no estatuto do provedor), ‘nenhuma redacção dispõe da massa de conhecimentos e da capacidade crítica que os leitores do jornal representam’(2).

Sendo a publicação das cartas, matéria da exclusiva competência da direcção do jornal, as queixas sobre a gestão dessa responsabilidade são, no entanto, um tema recorrente nas colunas dos provedores.

Serão as queixas inevitáveis, seja qual for modelo de relacionamento entre jornal e leitor; seja qual for o espaço disponibilizado para as cartas ao director; seja qual for o critério de selecção aplicado? Talvez, mas isso não deverá impedir uma leitura interessada dos comentários transcritos que, equacionados no geral e não no particular de cada caso, se constituiram em motivo desta crónica.

Sem esquecer que os leitores também chegam ao jornal através de textos de opinião regularmente recolhidos fora do núcleo habitual de colunistas, bem como da ‘Tribuna do Leitor’ e do recurso ao direito de resposta, vejamos como : as regras deverão ser claras para todos. Nesse sentido, uma reformulação do pequeno texto que enquadra a rubrica ‘cartas ao director’, poderia ser positiva. A explicitação (inscrita no Livro de Estilo mas não ali) do número de caracteres aceitável, teria a vantagem de balizar, e ajudaria a evitar a tarefa – por vezes muito difícil – de reduzir um texto.

Uma ampliação do espaço da rubrica, não só aumentaria a capacidade de participação como prejudicaria (para ambos os lados) o argumento da exiguidade.

Uma página inteira, uma vez por semana, além do espaço diário que actualmente existe, é possível?

Por outro lado, responder a todos os leitores, cujas cartas não foram seleccionadas para publicação, é possível ( Jorge Wemans, primeiro provedor do PÚBLICO: ‘É de regra que carta recebida e não publicada origina carta-resposta, explicando as razões da não publicação’).

Na verdade, o leitor tem direito a saber o motivo que impediu a selecção do seu texto. E o jornal tem direito a que os critérios que aplica, não sejam abusivamente interpretados.

(1) – Daniel Cornu, em ‘Jornalismo e Verdade’, associa-a à relação entre os jornais e os cafés, na Inglaterra do séc. XVIII, relevando a importância do surgimento, então, de jornais abertos ao debate e, neles, o papel das cartas: ‘a história da imprensa mostrará à saciedade que muitas vezes é através das cartas de leitores que se revelam os verdadeiros problemas de uma sociedade, que surgem os verdadeiros debates’.

(2) – Claude-Jean Bertrand (‘A deontologia dos media’), considera o ‘correio dos leitores’ como um dos ‘meios para assegurar a responsabilidade social dos media’ – M*A*R*S – conceito que criou e em que inclui também, designadamente, os provedores do leitor, os conselhos de imprensa, as associações de espectadores e os códigos deontológicos dos jornalistas. Segundo o autor, a importância deste M*A*R*S liga-se à ideia de ‘proporcionar um forum’, o que ele considera ser ‘uma função primordial dos media’.’