Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Joaquim Vieira

‘Este caso não é sobre matéria saída no PÚBLICO, é sobre uma não publicada. Tudo começou com uma indignada carta escrita ao provedor pelo editor Horácio Piriquito acusando o jornalista Ricardo Garcia de boicotar a pré-publicação, nas páginas deste jornal, da tradução portuguesa, por si editada, do livro A Ficção Científica de Al Gore, de Marlo Lewis.

Lewis desmascara as teses do ex-vice-presidente americano quanto ao efeito de aquecimento global que alegadamente a Terra estará a atravessar. Tal fenómeno, segundo Gore, resultará da emissão de gases poluentes por acção humana e, a continuar, porá em perigo o equilíbrio ambiental do planeta e a própria existência da humanidade. Os que contestam esta tese sustentam não estar provada a influência humana na evolução climática.

Dizia Horácio Piriquito ao provedor: ‘O debate que é necessário fazer sobre este assunto não será travado por um único jornalista, condicionado e comprometido’. O remetente não adiantava porém nenhum elemento probatório que desse corpo à acusação contra Ricardo Garcia, e assim o provedor comunicou-lhe que sem informação adicional não poderia debruçar-se sobre a questão, tanto mais que a escolha dos livros para pré-publicação é uma prerrogativa inteiramente livre do PÚBLICO. Horácio Piriquito enviou então um longo libelo (a ler na íntegra do blogue do provedor) acerca do que considera ‘as razões pelas quais um pequeno caso acabou por se transformar numa verdadeira causa!’

‘Não há nenhum problema da minha parte com a não publicação do livro no PÚBLICO’, começou por escrever. ‘Nem podia haver. Era o que mais faltava! O PÚBLICO obviamente divulga os livros que entender’. Mas, ciente de ‘ter na mão (…) um documento que facilmente poderia interessar a qualquer jornal’, Horácio Piriquito terá pensado de início neste diário ‘para uma primeira divulgação, cedendo a pré-publicação em exclusivo’.

E desde logo terá surgido um problema: ‘É nesse momento que os tradutores e consultores me chamam a atenção para o facto de o PÚBLICO ser um jornal condicionado nesta matéria e alinhado pela tese do ‘aquecimento global’. E identificaram o nome de um jornalista (…) como a pessoa que normalmente no jornal defendia sistematicamente uma das tendências, promovia os seus arautos e abafava as outras’. (Nesta nova carta ao provedor, Horácio Piriquito não menciona o nome de Ricardo Garcia, mas logicamente refere-se a ele).

O editor diz ter telefonado para uma jornalista amiga na redacção do PÚBLICO, que ‘defendeu o seu colega’ e lhe sugeriu ‘que lhe enviasse o livro por mail (em PDF porque não havia ainda o livro fisico), que ela encaminharia para o seu colega que tratava desta temática’. Assim foi: ‘Enviei o PDF. Passaram semanas e… nada! Nem uma palavra! Silêncio! E o livro, antes mesmo da sua publicação, estava nas mãos de um jornalista que me tinha sido catalogado como tendencioso e manipulador! Não gostei! É um direito que me assiste. (…) O jornalista devia ter-me devolvido o livro, justificando as razões por que não o iria utilizar. Ponto final!’ Horácio Piriquito ficou então a pensar as piores coisas, mais uma vez não comprovadas: ‘Considero isto uma vergonha e um verdadeiro crime deontológico. Hoje tenho o direito de admitir que os apoiantes do ‘aquecimento global’, protegidos pelo referido jornalista, devem ter lido – à borla! – o livro. Mesmo antes da sua publicação já o PDF deveria circular. Peço desculpa, mas perante a falta de deontologia e profissionalismo do jornalista assiste-me o direito em elevar esta suspeita, e não me importo nada de lhe fazer esta acusação!’ (Suspeita sem sentido, pois o livro está no mercado internacional desde há quase dois anos).

A proposta foi então para outro jornal, que ‘mostrou desde logo interesse no tema’ e fez a pré-publicação: ‘E até saiu ao lado de outro livro defensor do ‘aquecimento global’, num texto muito interessante, com duas teses antagónicas em confronto. Jornalismo sério e descomprometido. Tão simples quanto isso!’

Mantendo-se o silêncio por parte do PÚBLICO, Horácio Piriquito escreveu ao seu director: ‘José Manuel Fernandes garantiu-me que iria verificar o que se tinha passado’. A resposta, porém, nunca chegou.

É uma realidade que Horácio Piriquito continuava sem adiantar um elemento factual que consubstanciasse as suas acusações – de natureza especulativa, como o próprio reconhecia. O único dado específico referia-se a uma afirmação entretanto produzida por R.G. no espaço público, mas não neste jornal: ‘Em horário nobre, no Provedor do Espectador da RTP, reparo no jornalista do PÚBLICO a comentar (…). ‘Não podemos dar o mesmo destaque às duas frentes de opinião’, dizia ele, e colocava uma mão acima da outra, confirmando gestualmente que uma delas (a dele, o ‘aquecimento global’) tinha direito a maior destaque’.

Mesmo assim, o provedor entendeu averiguar as razões pelas quais o PÚBLICO não só não fez a pré-publicação como não respondeu ao editor. Solicitado a explicar-se, Ricardo Garcia apresentou uma versão bem menos tortuosa – pura e simplesmente, ter-se-á esquecido de que recebera da sua colega o PDF do livro de Lewis: ‘Possivelmente, o que aconteceu foi eu não ter tido a oportunidade de dar atenção à mensagem de imediato, e depois o assunto foi soterrado por outras solicitações. O editor tem razão num ponto: se ele propôs a pré-publicação, deveria ter recebido uma resposta do jornal. Mas não recebeu, e eu assumo a minha quota-parte de responsabilidade nisso’.

Claro que, sendo assim, a argumentação de Horácio Piriquito fica sem sustentação: ‘O editor engana-se hiperbolicamente ao associar essa não-resposta a uma suposta tentativa minha de ‘esconder’ o livro ou de ‘abafar’ vozes dissonantes – por deliberada manipulação ou alegado comprometimento meu com interesses que ele vislumbra mas não esclarece. As teses contrárias à das alterações climáticas merecem, obviamente, ser ouvidas e avaliadas, como mais uma peça de informação neste complexo tema. E nem o PÚBLICO nem eu próprio deixamos de o fazer. Recordo que o jornal deu tanto ou mais destaque ao livro O Ambientalista Céptico, de Bjørn Lomborg, do que a Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore. Eu próprio fiz um artigo desenvolvido sobre as posições contrárias ao aquecimento global [publicado em 6 de Novembro de 2006, com o título ‘Eles não acreditam que o aquecimento global seja culpa do homem’] (…). A questão das incertezas científicas sobre o clima – e sobre o conhecimento do clima – voltou ao jornal noutras ocasiões, em artigos meus ou de outros colegas, e, não tenho dúvidas, regressará às páginas do PÚBLICO’.

Porquê, então, defender na RTP um tratamento desigual das duas teorias? ‘A teoria de que o clima está a alterar-se, com possibilidade de agravamento do aquecimento global no futuro, recolhe uma ampla aceitação, por quase todos os governos, por milhares de cientistas, por muitas das suas mais representativas academias, por instituições internacionais, por organizações não-governamentais. Em termos gerais, a teoria contrária nunca conseguiu o mesmo grau de consensualidade, tendo alguma dificuldade em obter o aval da própria comunidade científica. Estes são sinais importantes que nenhum jornalista de bom senso deve ignorar. É por isto que digo que, ao tratar da suposta polémica científica sobre as alterações climáticas, o jornalista não pode olhar para os dois lados como sendo absolutamente equitativos. (…) Na mera lógica da supremacia noticiosa do confronto, um cientista que advogue que o tabaco faz bem à saúde deveria ter a mesma atenção jornalística do que décadas de estudos epidemiológicos a provar que o tabaco mata. (…) Isto seria mau jornalismo’.

Quanto a José Manuel Fernandes, admitindo-se ele próprio envolvido nesta temática ao longo da sua carreira de jornalista, assume também o desleixo para ter deixado H.P. sem resposta: ‘Lamento que ao não ter prestado suficiente atenção a este tema o PÚBLICO não o tenha tratado da forma que sempre procura fazer: com abertura e espírito crítico, mas sem omitir posições. E devo um pedido de desculpas a H.P. por não ter respondido ao seu mail, que acabou por ficar perdido entre os muitos a que não consigo dar resposta imediata’.

Esclarecido o caso e desculpando-se tanto o jornalista como o director do PÚBLICO (embora o próprio queixoso acuse sem fundamento), a verdade inconveniente para o jornal é que existe alguma sobranceria ou negligência na forma como a sua redacção se relaciona com entidades externas. Por isso o provedor recomenda que, pelo menos perante propostas de pré-publicação, o PÚBLICO responda atempada e fundamentadamente a cada uma delas. E, de preferência, que nomeie um editor para centralizar e processar toda essa informação.

CAIXA:

O essencial e o acessório

O artigo ‘Fundação Ellipse pode ajudar a salvar Banco Privado Português’, de Cristina Ferreira e Vanessa Rato, sobre a possibilidade da venda da colecção de obras de arte do BPP para ajudar o seu plano de recuperação financeira, publicado na pág. 41 da edição de 26 de Novembro, mereceu do leitor Jorge Antunes Barata os seguintes reparos:

‘Factos: O artigo afirma que colecção tem 400 obras. O site da fundação informa que esta tem ‘cerca de 850 obras’. O bom jornalismo adquire credibilidade nos factos que apresenta, o mau perde-a nos erros que comete.

Fontes: Da única fonte consultada resultou apenas a declaração: ‘É cedo, logo se verá’. O bom jornalismo assenta na análise das fontes. O mau recusa-a.

Informação: O núcleo da notícia resume-se a que ‘uma das medidas (…) poderá ser a venda da colecção’. Logo também poderá não ser. Trata-se de uma hipótese e não de uma informação. O bom jornalismo informa, o mau especula.

Relevância: Em relação à questão de fundo – a necessidade de 500 milhões de euros por parte do BPP –, não se percebe qual a relevância de uma colecção que resultou de um investimento de 20 milhões e cujo valor, no actual contexto, foi ‘cortado para metade’. O bom jornalismo é relevante. O mau jornalismo explora a irrelevância.

Se, no futuro, a colecção for vendida o artigo em causa não se torna um bom exercício de jornalismo. Sem fontes onde se basear, contendo erros factuais, resultando de um exercício de especulação e sendo irrisório para a questão de fundo, o mau jornalismo mancha um bom jornal.’

Através de Cristina Ferreira, o provedor solicitou uma resposta às autoras, que porém não chegou a receber. Mas entende como oportunas as observações apresentadas.

Publicada em 4 de Janeiro de 2009

DOCUMENTAÇÂO COMPLEMENTAR

Carta de Horácio Piriquito

Segue em baixo a carta que acabei de enviar por mail para um jornalista do PÚBLICO, de seu nome Ricardo Garcia, mostrando a minha indignação em relação à matéria referida.

Fico ao dispor para qualquer esclarecimento e informo que este confronto de ideias e o debate que é necessário fazer sobre este assunto não serão travados por um único jornalista, condicionado e comprometido.

Pelo contrário, vai ter de alargar a sua penetração e os timings da sua intervenção. Contra todos os Ricardos Garcias que sejam hornalistas tendenciosos e comprometidos.

Como este assunto já foi largamente debatido em diversos fora, incluindo no âmbito do Provedor do Espectador da RTP, é muito importante que o PÚBLICO avalie a forma como tem desinformado os seus leitores, única e exlusivamente pela forma interessada como um dos seus jornalistas tem abordado a temática. Mais, assumindo publicamente as suas preferências e afirmando que a ‘outra parte’ não pode ter o mesmo nível de destaque na informação à opinião pública (in Provedor da RTP).

Horácio Piriquito

Carta de Horácio Piriquito ao jornalista Ricardo Garcia

A desinformação continua. Sem vergonha! Mas qual ‘aquecimento global’? Estamos a viver tremendas alterações climáticas! Referir apenas um tal ‘aquecimento global’ é um disparate! Desinforma! Um jornalista tem de ser imparcial. Não pode sonegar informações por estar coligado ou ao serviço de interesses!

Não pode dizer na televisão que as duas frentes de opinião não podem passar as suas mensagens ao mesmo nível e com as mãos gesticular e colocar uma mais alta e outra mais em baixo! Não pode ser!

Não é jornalismo sério. Eu fui jornalista durante 25 anos e repugna-me este jornalismo servil, obediente, condicionado e preconceituoso, que abafa as vozes de uns para ampliar as de outros!

Não sou cientista, e por isso estou condicionado neste debate, mas leio pelas mesmas cartilhas que o jornalista lê: cada vez é maior o disparate quando se fala em ‘aquecimento global’!

Mas qual ‘aquecimento global’? Aquele que está a trazer cada vez mais ondas de frio em cada vez mais zonas do Globo e bate records (de frio!) com maior intensidade que o calor? Não entender isto é apostar na desinformação e no ridiculo e é estar ao serviço de alguém!

Mas não quero ir por aí, porque não sou cientista. Apenas comento o assunto com a indignação de um ex-jornalista quando se apercebe de que um ex-colega está ao serviço de alguém e não é um profissional respeitável!

Quando editei em Portugal o livro A Ficção Cientifica de Al Gore e sugeri que déssemos o exclusivo da pré-publicação ao PÚBLICO, os tradutores e consultores do livro para Portugal avisaram-me de imediato que não ia conseguir. Garantiram-me que o PÚBLICO estava ‘controlado’, que não era imparcial, que estava ao serviço assumido apenas de uma corrente e que tinha um jornalista (que eu não conhecia) que não iria permitir que o livro sequer fosse citado no jornal.

Eu sorri! Recorri aos meus 25 anos nos jornais e garanti que os jornalistas não são assim e que essas opiniões (alarves) não passam de uma má deformação da opinião pública sobre os jornalistas.

Defendi eu que bastava mostrar o livro ao PÚBLICO para se perceber que – gostando-se ou não do que lá está escrito! – o bom jornalismo obriga a que o livro seja avaliado e citado! A polémica interessa sempre aos jornais. O livro permitiria até ampliar o debate! E essa é umas das funções mais respeitáveis dos jornais.

Falei com a Lurdes Ferreira e disse-lhe logo a abrir que os meus parceiros neste projecto tinham muito má opinião do PÚBLICO, que achavam que não ia sair nada, o livro iria ser ignorado e até escondido. E reforcei que eu tinha teimado que os jornalistas não eram nada assim… A Lurdes Ferreira reconheceu que eu tinha razão, isso eram preconceitos errados de quem não entende a comunicação social. E passou o livro para o colega dela que tratava destes assuntos!

Pois! Afinal, apesar dos bons oficios da Lurdes Ferreira, uma grande jornalista que não vai em ‘coutadas’, os tradutores e consultores do livro, infelizmente, tinham razão!

A opinião pública pode perfeitamente continuar a criticar alguma classe jornalistica manipulada e instrumentalizada. Pior! Nem se dignam lançar o debate, porque esse é o primeiro sinal do medo que os condiciona e dos compromissos que têm assumidos! Quer melhor prova do que esta?

Quando eu era jornalista, tinha as minhas opiniões, mas delirava, em favor do interesse dos jornais onde trabalhei, quando tinha uma boa polémica e um bom debate de ideias.

Do seu director tenho igualmente a ideia da independência e do confronto de ideias e opiniões. Porque isso é jornalismo!

Mas o jornalista do PÚBLICO sonega, abafa, esconde, manipula! Afinal tem medo de quê? Se a sua opinião, e a daqueles que defende e protege, não pode ser confrontada na opinião pública com nenhuma outra, se o jornalista comandado abafa e esconde as outras opiniões, não pode ser jornalista! Terá de dedicar-se a outra coisa qualquer na vida…

Eu ainda tenho carteira profissional, não actualizada, porque nao estou a exercer directamente a profissão, e combaterei sempre enquanto puder, com a autoridade que o tempo de jornalismo e a minha própria carreira me autorizam.

Afinal o PÚBLICO, através desse jornalista de quem eu nunca tinha ouvido falar, era um jornal controlado, viciado, manipulado e instrumentalizado.

Estamos sempre a tempo de emendar os erros! O Provedor do Leitor do PÚBLICO tem de ajudar a desmontar esta manipulação vergonhosa e assumida da opinião pública protaganizada por alguém que, infelizmente, consegue exercer a digna profissão de jornalista.

Horácio Piriquito

Carta do provedor a Horácio Piriquito

Relativamente à reclamação que envia, pergunto-lhe se se refere a alguma matéria publicada no PÚBLICO ou à questão da não pré-publicação relativa ao seu livro. Se se trata do segundo caso, em princípio o jornal tem a liberdade de escolher os livros sobre os quais faz pré-publicação. Entende que, a este respeito, houve alguma irregularidade? Detectou algum comportamento abusivo da parte do jornalista Ricardo Garcia? Sem mais informação, não poderei debruçar-me sobre o caso.

Joaquim Vieira

Nova carta de Horácio Piriquito

Muito obrigado pela sua resposta e por me dar a possibilidade de esclarecer esta questão.

Vou tentar explicar – tentando, dentro do possivel, não ser muito maçador – as razões pelas quais um pequeno caso acabou por se transformar numa verdadeira causa!

Não há nenhum problema da minha parte com a não publicação do livro no PÚBLICO. Nem podia haver. Era o que mais faltava! O PÚBLICO obviamente divulga os livros que entender. Eu edito dezenas de livros por ano e nunca se colocou essas questão com ninguém. Se alguém tentar usar esse argumento não está de boa fé e tenta desviar as atenções do centro da questão.

Tudo começou quando a minha editora (Booknomics) estava a terminar a edição para Portugal do livro A Ficção Científica de Al Gore, de Marlo Lewis, e íamos passar à fase de promoção e lançamento.

Eu sugeri aos tradutores e consultores do livro – reconhecidos técnicos do IST (Jorge Oliveira e Rui Moura) – que escolhessemos o PÚBLICO para uma primeira divulgação, cedendo a pré-publicação em exclusivo. No meu espírito apenas estava uma simples colaboração jornalística, obviamente com o natural e legítimo interesse de divulgação do livro que qualquer editor tem nestas situações. O Joaquim Vieira também é autor e entende.

Eu sabia ter na mão uma excelente ‘peça’, um documento que facilmente poderia interessar a qualquer jornal, pelo debate de ideias que poderia promover, pela polémica que iria provocar. Enfim, também fui jornalista durante 25 anos e sei muito bem o valor que se dá a estas oportunidades quando estamos descomprometidos e de boa fé.

É nesse momento que os tradutores e consultores me chamam a atenção para o facto de o PÚBLICO ser um jornal condicionado nesta matéria e alinhado pela tese do ‘aquecimento global’. E identificaram o nome de um jornalista, de quem eu nunca tinha ouvido falar, como a pessoa que normalmente no jornal defendia sistematicamente uma das tendências, promovia os seus arautos e abafava as outras.

(Como vê, isto não é de agora. E eu nem sabia!).

Porque é importante percebermos que, neste momento, há mais do que uma tese em confronto! Não sou cientista, não posso abalançar-me por essa zona do debate, mas já li o suficiente para perceber que a expressão ‘aquecimento global’ começa a ficar incorrecta na sua lógica. O que estamos a viver são tremendas ‘alterações climáticas’. Tanto de calor… como de frio. Por isso os adeptos do ‘aquecimento global’ estão a ficar aflitos para explicar as ondas de frio que batem recordes todos os anos. Mais: as ondas de frio estão a bater recordes com maior intensidade do que as ondas de calor.

Mas este é um debate científico, não é para nenhum de nós dois, e só o referi para o Joaquim Vieira se enquadrar um pouco melhor e perceber onde está o problema.

Perante este aviso dos tradutores e consultores do livro, fiz aquilo que qualquer jornalista faz e sublinhei-lhes que não tinham razão, que essa ideia sobre os jornalistas é um preconceito, que podiam confiar em mim, que as coisas não era nada assim…

De seguida – tenho imensos amigos ou conhecidos no PÚBLICO – liguei para a Lurdes Ferreira, jornalista por quem tenho o máximo respeito e consideração há mais de duas décadas, e fiz a proposta de cedência da pré-publicação do livro. A Lurdes Ferreira sugeriu-me que lhe enviasse o livro por mail (em PDF porque não havia ainda o livro fisico) que ela encaminharia para o seu colega que tratava desta temática.

Aí… lembrei-me do comentário dos tradutores e consultores e disse de imediato à Lurdes: ‘Cuidado, que eu tenho informações de que o PÚBLICO tem um jornalista que está alinhado com estas coisas, não é imparcial, só defende e promove uma das partes, abafa as outras, eu não acredito, mas…’. E a Lurdes obviamente defendeu o seu colega e disse-me para eu não me preocupar. Esta não-preocupação batia certo com a defesa que eu próprio tinha feito dos jornalistas, e indirectamente do PÚBLICO, perante os tradutores e consultores do livro! Portanto, fiquei tranquilo e enviei o PDF.

Passaram semanas e… nada! Nem uma palavra! Silêncio! E o livro, antes mesmo da sua publicação estava (em PDF) nas mãos de um jornalista que me tinha sido catalogado como tendencioso e manipulador! Não gostei! É um direito que me assiste.

O jornalista poderia ter evitado tudo isto. Nada! O jornalista devia ter-me devolvido o livro (PDF), justificando as razões por que não o iria utilizar. Ponto final! O respeito e o profissionalismo do jornalista não chegaram a este ponto! Considero isto uma vergonha e um verdadeiro crime deontológico.

Hoje tenho o direito de admitir que os apoiantes do ‘aquecimento global’, protegidos pelo referido jornalista, devem ter lido – à borla! – o livro. Mesmo antes da sua publicação já o PDF deveria circular. Peço desculpa, mas perante a falta de deontologia e profissionalismo do jornalista assiste-me o direito em elevar estas suspeita e não me importo nada de lhe fazer esta acusação!

O jornalista nem se apercebeu (será que não se apercebeu?) de que tinha nas mãos um processo de grande responsabilidade deontológica e de grande responsabilidade ética. Porque o livro estava ainda em produção e ele já dispunha do mesmo em PDF, podendo fazer dele o que muito bem entendesse! Abusou da confiança de toda a gente, incluindo da sua colega Lurdes Ferreira. Porque eu só enviei o livro por causa da confiança que tinha na Lurdes! E o jornalista abusou dessa confiança de forma vergonhosa, interessada e comprometida.

Entretanto, o lançamento do livro aproximava-se … e nem uma palavra do PÚBLICO. Melhor, do jornalista do PÚBLICO! Achei que não devia estar mais tempo à espera e avancei para o Expresso, porque obviamente sabia que nenhum jornal rejeitaria o que eu estava a oferecer, desde que fosse descomprometido.

E tinha razão! O Expresso mostrou desde logo interesse no tema. Falei com o Virgilio Azevedo, creio que somos todos jornalistas mais ou menos da mesma geração, e ele naturalmente pediu-me para lhe enviar o livro (ainda em PDF porque continuava a não ter o livro fisico).

Com toda a naturalidade, o livro saiu no suplemento ‘Actual’. E até saiu ao lado de outro livro defensor do ‘aquecimento global’, num texto muito interessante, com duas teses antagónicas em confronto. Jornalismo sério e descomprometido. Tão simples quanto isso! Só complica, quem quer, ou quem está comprometido!

Do PÚBLICO nada! Silêncio. E o PDF a circular sei lá muito bem por onde! Até hoje! Isto é muito grave, caro Joaquim Vieira!

Escrevi na altura uma carta (mail) para o director, José Manuel Fernandes, mostrando a minha indignação. O director, por quem tenho o máximo respeito e a que reconheço uma independência a todos os títulos inatacável, garantiu-me que iria verificar o que se tinha passado.

Enfim, o tempo foi passando, naturalmente todos temos mais que fazer, eu fui esquecendo, mas fui acompanhando o que os tradutores e consultores do livro escrevem regularmente no blogue ‘mitosclimáticos’, e de facto o PÚBLICO sai sempre muito mal no meio disto tudo, por culpa exclusiva de um jornalista que está condicionado e, por isso, condiciona o jornal em que escreve.

Por uma razão muito simples: o jornalista já assumiu publicamente que toma partido por uma das partes. Ele próprio impõe o seu critério e diz que a ‘outra’ facção não pode ser promovida ao mesmo nível. Ele arvora-se o direito de abafar uma das partes porque se sente no direito de dizer que ‘só há uma verdade!’. Onde é que já ouvimos isto?!

Este tema volta de novo ao meu interesse imediato porque, num sábado à noite, em horário nobre, no ‘Provedor do Espectador da RTP’, reparo no jornalista do PÚBLICO a comentar (nem o conhecia fisicamente), e lá estava ele. Sic: ‘Não podemos dar o mesmo destaque às duas frentes de opinião’, dizia ele, e colocava uma mão acima da outra, confirmando gestualmente que uma delas (a dele, o ‘aquecimento global’) tinha direito a maior destaque e estar acima do debate.

Esté é o problema, caro Joaquim Vieira! Este jornalista está errado. Não é assim que se faz jornalismo. O jornalista tem de equilibrar todas as opiniões. E ele defende e protege uma delas. Só tem um mérito: assume-o pública e desacaradamente. Não o faz às escondidas! Só que não o pode fazer. Ele é jornalista, não é cientista! O jornalista é apenas o link de todas as opiniões até à opinião pública. Enfim, sabemos do que estamos a falar, não precisamos de retórica.

Para além do comportamento deontológica e eticamente vergonhoso e incorrecto de não me ter devolvido o PDF do livro quando ele próprio sabia que não o iria utilizar, o jornalista não pode ter opções e reduzir ou aumentar os méritos ou deméritos a seu bel prazer. É importante que alguém lhe explique isso! Ou então, claro, o jornalista – e por sequência o PÚBLICO – assume só há uma verdade: a do ‘aquecimento global’. Tudo bem! Se o assumirem publicamente, ficamos todos esclarecidos. O PÚBLICO pode defender aquilo que muito bem entender, pode tomar opções e ter opinião. Sou leitor há 20 anos e não é essa a ideia que tenho do jornal. Por isso insisto que quem está errado neste processo é o jornalista. Mais ninguém!

Neste momento, este é um debate aberto e cada vez mais intenso e até agressivo. Não acredito que numa lógica de jornalismo puro e transparente alguém posso sonegar isto! O jornalista deve tentar transmitir a ideia de que todos os que não defendem o ‘aquecimento global’ estão errados e não merecem nenhum destaque… a bem do planeta! Ele está errado! Não é verdade! A tese do ‘aquecimento global’ começou a ser desmascarada de forma que até os seus críticos não esperavam tão cedo! Atenção a isto!

Importante: ao escrever tudo isto, não estou a defender definitivamente nenhuma das teses! Porque eu posso ter a minha opinião – e tenho! – mas sou editor e posso perfeitamente editar o próximo best-seller do Al Gore (quem me dera!)! Sei distinguir as coisas… O jornalista não sabe! Ou pior… Não quer!

Apenas alerto para tudo aquilo que o jornalista do PÚBLICO – comprometido, manipulado e interessado – tenta desesperadamente esconder. Tenho a certeza de que não vai conseguir. Vai acabar descmascarado…

Horácio Piriquito

Esclarecimento do director do PÚBLICO

Efectivamente, tive conhecimento deste caso, ainda antes do desfecho final, através de um mail que me foi enviado pelo Horácio Piriquito. Mas devo admitir que não lhe dei porventura toda a atenção que devia, tendo-o encaminhado para quem habitualmente trata das pré-publicações de livros. Nunca mais me ocupei do assunto, mas, conhecendo as limitações de espaço do jornal e as muitas escolhas que têm de ser feitas, não estranhei.

Desconheço em absoluto o episódio que comprovaria ter o Ricardo Garcia a ideia de que se deve dar mais relevo a uma posição do que a outra, tal como sei que existe um aparente enorme consenso científico favorável à tese do aquecimento global, da mesma forma que não desconheço que alguns cientistas tendem a exagerar nas suas previsões (eles próprios o admitem) para pressionar os decisores políticos.

Como jornalista, este é um tema que acompanho há quase 30 anos, e julgo mesmo ter publicado o primeiro texto sobre alterações climáticas em jornais portugueses: na revista do Expresso, e até foste tu [Joaquim Vieira] que o reviste a pedido do Vicente [Jorge Silva]. E o texto mais recente que escrevi foi uma reportagem nas ilhas Svalbard, no Árctico, onde a certa altura achei importante citar esta frase de um dos cientistas que aí acompanhei: ‘As simplificações excessivas nem sempre prestam um bom serviço à divulgação pública de um problema’. Uma frase que subscrevo.

Apesar de não ter lido o livro referido, mesmo o PDF, lamento que ao não ter prestado suficiente atenção a este tema o PÚBLICO não o tenha tratado da forma que sempre procura fazer: com abertura e espírito crítico, mas sem omitir posições.

E devo um pedido de desculpas ao Horácio Piriquito por não ter respondido ao seu mail, que acabou por ficar perdido entre os muitos a que não consigo dar resposta imediata.

José Manuel Fernandes

Esclarecimendo do jornalista Ricardo Garcia

Não me recordava de ter recebido, reenviado pela minha colega Lurdes Ferreira, o livro A Ficção Científica de Al Gore, de Marlo Lewis. Perguntei-lhe, entretanto, e ela de facto relembrou-me que sim, que me reenviara o livro. Possivelmente, o que aconteceu foi eu não ter tido a oportunidade de dar atenção à mensagem de imediato, e depois o assunto foi soterrado por outras solicitações. O editor tem razão num ponto: se ele propôs a pré-publicação, deveria ter recebido uma resposta do jornal. Mas não recebeu, e eu assumo a minha quota-parte de responsabilidade nisso.

No entanto, o editor do livro engana-se hiperbolicamente ao associar essa não-resposta a uma suposta tentativa minha de ‘esconder’ o livro ou de ‘abafar’ vozes dissonantes – por deliberada manipulação ou alegado comprometimento meu com interesses que o editor vislumbra, mas não esclarece.

As teses contrárias à das alterações climáticas merecem, obviamente, ser ouvidas e avaliadas, como mais uma peça de informação neste complexo tema. E nem o PÚBLICO nem eu próprio deixamos de o fazer. Recordo que o jornal deu tanto ou mais destaque ao livro O Ambientalista Céptico, de Bjørn Lomborg, do que a Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore. Eu próprio fiz um artigo desenvolvido sobre as posições contrárias ao aquecimento global [em 06/11/06], no qual entrevistei directamente alguns dos técnicos e cientistas, norte-americanos e europeus, mais activos neste domínio. A questão das incertezas científicas sobre o clima – e sobre o conhecimento do clima – voltou ao jornal em outras ocasiões, em artigos meus ou de outros colegas, e, não tenho dúvidas, regressará às páginas do PÚBLICO.

A teoria de que o clima está a alterar-se, com possibilidade de agravamento do aquecimento global no futuro, recolhe uma ampla aceitação, por quase todos os governos, por milhares de cientistas, por muitas das suas mais representativas academias, por instituições internacionais, por organizações não-governamentais. Em termos gerais, a teoria contrária nunca conseguiu o mesmo grau de consensualidade, tendo alguma dificuldade em obter o aval da própria comunidade científica. Estes são sinais importantes, que nenhum jornalista de bom senso deve ignorar.

É por isto que digo que, ao tratar da suposta polémica científica sobre as alterações climáticas, o jornalista não pode olhar para os dois lados como sendo absolutamente equitativos. O editor Horácio Periquito diz que, nos seus anos de jornalismo, ‘delirava’ quando tinha ‘uma boa polémica’, e que ‘as polémicas sempre interessam aos jornais’. É verdade: a polémica tem um valor noticioso em si, e qualquer jornalista sabe disso. Mas, da minha experiência profissional e intelectual, aprendi que colocar a polémica acima de tudo, sem um razoável enquadramento – o que signifiica esgotar a notícia na própria polémica –, pode resultar num péssimo serviço de informação. Na mera lógica da supremacia noticiosa do confronto, um cientista que advogue que o tabaco faz bem à saúde deveria ter a mesma atenção jornalística do que décadas de estudos epidemiológicos a provar que o tabaco mata. Na minha opinião, isto seria mau jornalismo.

Sobre o livro de Marlo Lewis – cujo PDF não pus a circular, como diaboliza Horácio Piriquito –, de facto não lhe dei a atenção que o editor desejava, assim como não escrevi sobre mais de uma dezena de livros que defendem a tese vigente do aquecimento global, e que me foram enviados pelas respectivas editoras. Escrevo apenas ocasionalmente sobre livros, sobretudo por uma questão de gestão do tempo.

Quanto ao conteúdo mais pessoal das apreciações do editor Horácio Piriquito, com a carga primária que é inerente a qualquer tentativa de insulto, não tenho comentários a fazer.

Ricardo Garcia’