Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Joaquim Vieira

‘Os protestos mais arrebatados recebidos pelo provedor costumam incidir na área do desporto. Em regra, os leitores reclamam contra um suposto tratamento desfavorável dos seus clubes como se disso dependesse o futuro da humanidade. O clubismo é uma conhecida doença que afecta a psique nacional, e não raro vemos na TV pessoas sensatas, equilibradas, racionais e bem educadas a perderem as estribeiras para defender as cores da sua equipa, sem hesitarem em recorrer aos argumentos mais destemperados.

O provedor compreeende pois a nota prévia de Jorge Miguel Matias, editor de Desporto deste jornal, à explicação sobre o caso aqui abordado: ‘Apesar de a maior parte dos comentários acusar os jornalistas da editoria de Desporto do PÚBLICO de clubismo, seja ele de que cor for, garanto que é muito maior o clubismo de quem nos acusa do que daqueles que trabalham nesta casa. Prova disso, aliás, é o facto de suceder, com alguma regularidade, um mesmo texto ser encarado como de um benfiquismo doentio por uns ou de um sportinguismo demente por outros. E sublinho: um mesmo texto’. (O ideal para o provedor seria não haver clubismo da parte de quem no jornal escreve sobre desporto, não que fosse apenas menor do que o dos reclamantes, mas adiante…).

O que não obsta à apreciação das queixas recebidas, como se de quaisquer outras se tratasse. O assunto já tem meses, mas, como já regressaram os jogos semanais da Liga, mantém-se actual. O desafio FC Porto-Vitória de Setúbal do anterior campeonato, disputado em 26 de Abril, foi coberto pelo jornalista Luís Octávio Costa com uma reportagem no PUBLICO.PT e na edição em papel do dia seguinte cujo título era ‘O estranho caso do minuto 58’ e que começava assim: ‘Minuto 58 do FC Porto-Vitória de Setúbal. De uma assentada, Leandro Lima e Bruno Gama foram substituídos por dois colegas de equipa. Coincidência ou não, Leandro Lima e Bruno Gama, jogadores emprestados pelo FC Porto ao Setúbal, estavam a ser os dois jogadores mais perigosos dos sadinos. Coincidência ou não, o jogo que estava empatado ganhou outra vida quatro minutos depois com o primeiro de dois golos de Lisandro (2-0). O tiro no pé de Carlos Cardoso deu uma segunda vida ao campeão nacional. Alguém quer explicar a substituição? Pontaria de Carlos Cardoso, que na véspera até vaticinara uma ‘gracinha’? Sorte de Jesualdo Ferreira, que via o placard a andar para trás?’

Os protestos não se fizeram esperar. ‘Objectivamente é uma insinuação torpe, mais um vil envenenamento do futebol e da sociedade portuguesa (que paga a mediocridade e o ‘triunfo’ fácil em que vivemos)’, escreveu o leitor Joaquim Pinto da Silva. ‘Um jornalista não pode lançar na lama o nome de um treinador (do Vitória) e do seu clube só porque na sua análise considera que os dois jogadores substituídos estavam a ser os melhores (ainda por cima, profissionais do clube adverso) e que isso foi feito para facilitar a vida à equipa vitoriosa. Não há nem verdade nem opinião naquela forma de escrever. Há desonestidade intelectual, maldade, inveja e facciosismo gritantes. Um jornal que queira ser referência não pode ter jornalistas destes’.

‘Ao ler o resumo do jogo, em vez de encontrar um relato sobre o acontecido, encontrei uma série de especulações, a começar no titulo e a desenvolver-se no conteúdo’, opinou, por seu turno, Nuno Leal, a partir de Angola. ‘‘Coincidência ou não’ não é coisa que um jornalista escreva, é coisa para um jornaleiro! Ou o jornalista tem provas e cabe-lhe denunciar, ou não tem e cabe-lhe relatar, pelo menos na minha modesta opinião. E a minha modesta opinião – parcial, eu sei, que sou portuense e portista – é que o treinador tirou esses dois jogadores porque quis defender ainda mais o resultado, sabendo que na última meia-hora o FC Porto iria intensificar o ataque. É uma opção válida. Se tivesse resultado, que escreveria o jornaleiro, perdão, jornalista? (…) Quando quero ler esse tipo de coisas compro o Jogo, a Bola ou o Record. No PÚBLICO habituei-me a ler boas análises aos jogos, coisa que aqui apenas acontece em dois curtos parágrafos’.

João Oliveira disse-se ‘chocado’ com o relato, onde julgou detectar um ‘teor faccioso’, e um leitor anónimo perguntou: ‘Luís Octávio Costa escreveu uma notícia ou um artigo de opinião sobre o jogo? Se se trata de notícia, o título e o tendenciosismo do texto seguem os critérios do PÚBLICO no que respeita a isenção e objectividade da informação sobre eventos de qualquer natureza? Esses critérios não se aplicam em notícias de desporto? Por que motivos? Se se trata de artigo de opinião, por que não vem referenciado como tal? E, assim sendo, qual o motivo por que não existe uma notícia sobre o mesmo tema?’

Por último, Albino Costa anunciou até um gesto radical: ‘Comunico que a partir de hoje contam com pelo menos um leitor/cliente. O artigo publicado sobre o jogo do FCP-Setúbal (…) foi a gota de água num copo já a transbordar. Espero que a minha atitude se multiplique, caso não haja retractação’.

Solicitado pelo provedor, Jorge Miguel Matias respondeu pela matéria publicada: ‘Discordo da interpretação dada pelos leitores. [Luís Octávio Costa], na crónica, limita-se a constatar factos. O resultado estava 0-0; os dois melhores jogadores do V. Setúbal foram substituídos (o que não deixa de ser estranho, pois não é normal os melhores serem substituídos, mas sim os que estão a ter piores desempenhos) e, de seguida, o FC Porto marcou. Quem faz as interpretações posteriores são os leitores. No texto são relatados os factos.

Os próprios jogadores em causa foram questionados em relação à sua substituição no final da partida por diversos jornalistas e, eles mesmos, confessaram a sua estranheza com o facto, dizendo que não tinham percebido a opção técnica (as declarações foram públicas e transcritas por diversos órgãos de comunicação social)’.

O provedor não acha que Luís Octávio Costa se tenha limitado a relatar factos. Também questiona muito directamente a opção do director do V. Setúbal, mas levantar questões e colocar dúvidas quando os factos o podem permitir é apanágio de um jornalismo que procura evitar o conformismo e a resignação, como corresponde à matriz editorial do PÚBLICO. No caso vertante, é aceitável que o jornalista tenha sublinhado o sucedido no minuto 58, já que é um dado objectivo (não relevando pois do domínio da opinião) que a vitória portista apenas foi conseguida após as duas substituições na equipa adversária. Luís Octávio Costa não emite opinião, mas procura lançar pistas que permitam interpretar o que poderá ter acontecido. Ora, a interpretação, que vai para além do relato seco dos factos, impregnando o jornalismo de maior vivacidade, é admitida e até estimulada pelo Livro de Estilo do PÚBLICO: ‘A notícia não se reduz, no PÚBLICO, ao [já inexistente] telex de agência (…). A notícia não dispensa o enquadramento básico dos factos no contexto em que eles ocorrem (…). E esse enquadramento pressupõe, naturalmente, a capacidade de interpretar aquilo que é mais relevante e significativo para uma apresentação rigorosa e sugestiva dos factos, [o que] implica um juízo de valor que é da responsabilidade do jornalista e do jornal, devendo ser feito com critérios de imparcialidade e neutralidade. (…) Na reportagem (…) a interpretação dos factos encontra uma expressão mais desenvolvida. (…) Interpretar não é julgar, mas explicar o porquê e o como das situações’.

Em conclusão, Luís Octávio Costa explorou a margem de interpretação que o Livro de Estilo lhe concede. Nas cartas dos leitores, apenas parece pertinente a chamada de atenção, feita por Nuno Leal, para a necessidade de se admitir a hipótese de o treinador do V. Setúbal, com as duas substituições, tentar defender um empate no estádio do FC Porto, táctica que fracassou mas seria compreensível. Mas mesmo isso Luís Octávio Costa, interpelado a esse respeito pelo provedor, diz que fez: ‘Claro que admito. Por isso, no final do jogo, e apesar da pressão para enviar o texto para a redacção minutos depois, desci à sala de imprensa para ouvir os dois treinadores sobre a substituição dupla. A resposta, que também está no texto, foi a seguinte. ‘Com a saída dos dois jogadores, o FC Porto passou a ter mais espaço e mais linhas’, respondeu Jesualdo’. Já não atacavam com a mesma intensidade, justificou Carlos Cardoso’.

CAIXA:

Discriminação horária

‘Queria mostrar o meu desagrado pela maneira como o PÚBLICO trata a conquista do oitavo campeonato consecutivo de hóquei em patins pelo FC do Porto’, escreveu Hélder Alves em 7 de Agosto. ‘Será assim uma notícia tão menor que mereça ter o destaque medíocre que o jornal lhe dá? (…) Poderia pensar-se que as notícias eram tantas que assim se justificaria o sucedido… Mas além do grande destaque para a vitória do Benfica no basquetebol é dado destaque a notícias como ‘Benfica venceu em Ovar e está a uma vitória do título’, notícia já recessa, ou como ‘Sérgio Ramos renova pelo Benfica’, certamente mais importante que um clube ganhar oito campeonatos consecutivos. (…) Isenção, equidistância e profissionalismo precisam-se!’

Responde Jorge Miguel Matias: ‘A explicação para, por norma, existirem poucas notícias no jornal sobre o hóquei em patins é simples. Infelizmente, a esmagadora maioria dos jogos são nocturnos e começam muitas vezes para lá das 21h. (…) E como a informação demora a ser disponibilizada seja pela Federação, seja pelos próprios clubes, seja pela Lusa (agência à qual recorremos para conhecer os resultados), na maior parte dos casos só muito tarde (demasiado tarde quando em confronto com a hora de fecho do jornal) é possível saber o desfecho dos jogos. (…) É difícil, se não mesmo impossível, esperar até tão tarde. E basta olhar para os outros jornais deste género para perceber que a informação sobre hóquei em patins é muito rara’.’