Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Carlos Abrantes

‘Na crónica anterior, usando as palavras de Benjamin Bradley, chefe de redacção do Washington Post ao tempo do caso Watergate, tentei mostrar como o trabalho dos jornalistas, ao confrontar-se com os leitores, pode ser visto de uma forma muito crítica por pessoas que têm conhecimentos muito avançados em determinados domínios. As fotografias publicadas no Daily Mirror sobre as sevícias praticadas pelos soldados britânicos são disso um excelente exemplo.

Os serviços do exército britânico passaram a pente fino as imagens e descobriram que, afinal, estas teriam sido tiradas numa garagem perto de Manchester e não no Iraque. No sábado passado, 15 de Maio, a secção dos media do DN, através de uma peça de João Cepeda, correspondente em Londres, citava o coronel David Black, que ‘demonstrou que as fardas e o equipamento exibido nas imagens nunca foram utilizados no Iraque’.

No mesmo dia, o Le Monde assinalava alguns outros elementos que tinham sido postos em relevo pela análise das imagens.

Um deles era a marca do camião militar, um Bedford MK4. Ora, o regimento que fora posto em causa usa viaturas Leyland, no Iraque. Outro aspecto assinalado relaciona-se com a limpeza impecável das fardas dos soldados, contrastando como a sujidade natural em situação de guerra.

Ou seja, o autor das fotografias ‘enganou’ o Daily Mirror, mas não foi capaz de enganar os leitores especializados, neste caso os militares atingidos.

Outro aspecto não menos relevante é o modo como as imagens de outras sevícias, agora praticadas por soldados americanos, também no Iraque, foram colhidas e difundidas.

Segundo Farhad Manjoo, autor de um artigo publicado no Salon Magazine, de São Francisco, reproduzido no Courier International n.º 707 (19 a 26 de Maio), as fotos teriam sido tiradas com máquinas digitais, por jovens soldados, e depois enviadas por correio electrónico às famílias ou aos amigos. Em seguida alguém as terá feito chegar à CBS, ao New Yorker e ao Washington Post.

Mais uma vez imagens que lançaram um debate mundial foram tiradas por amadores (tal como as imagens da repressão no cemitério de Timor ou as do espancamento de Rodney King, nos EUA) e, no caso actual, primeiro difundidas pela Internet. Se nos recordarmos da estratégia dos repórteres embutidos relatando a guerra do interior das operações militares, temos agora o relato das acções pelos próprios actores, graças às potencialidades associadas das máquinas digitais e da Net. Vivemos uma época em que os soldados levam, na sua bagagem, as armas clássicas mas também as câmaras digitais, fotográficas ou de vídeo, prolongando a sua função original (bélica) para o campo do registo e da difusão de informação.

Fontes novas, atenção dos media, difusão rápida, efeitos demolidores, eis uma síntese possível desta nova situação que os grupos activistas estão também a accionar. Basta recordar que, no dia 11 de Maio, um site próximo da Al-Qaeda difundiu a decapitação de um americano raptado no Iraque, obtendo depois uma difusão mundial desse acto.

As imagens não representam apenas o mundo, também o transformam, exigindo dos leitores, do campo jornalístico e da actividade política e militar formas de acção novas e reflexão permanente. Já não basta ver para crer, como mostra o exemplo do Daily Mirror.’

A voz dos leitores – ´Site´ do jornal está a ser remodelado

‘Venho por este meio manifestar-me pela qualidade do site do jornal, que, na minha opinião, está longe da qualidade do DN. Também há falta de informação sobre os DVD que o DN lança. Tentei procurar informação sobre tal e nada encontrei. Queria saber mais sobre os DVD lançados. Se for possível, poder- -me-ia dizer onde está essa informação?’ – António Pereira.

Também o provedor acha que o site necessita de mudanças, inclusive para dar maior funcionalidade à consulta destas crónicas e provocar melhor interacção com os leitores. Quando coloquei essa questão à direcção do DN e ao novo coordenador do site, a resposta foi a de que este está a ser remodelado. Em Junho teremos novidades, julgo saber.

Bloco – notas

A polémica sobre o verdadeiro/falso acompanhou o fotojornalismo desde os seus primórdios, perseguindo também a reflexão geral sobre a imagem.

RENÉ MAGRITTE -´Ceci n´est pas une pipe´

Este pintor surrealista pintou um cachimbo de forma muito realista, mas escrevendo no quadro ‘Isto não é um cachimbo.’ Aos que o interrogaram sobre este aparente paradoxo, Magritte respondia: ‘Os que acham que é um cachimbo, tentem fumar nele ou nele pôr tabaco.’ Uma imagem de um objecto não é o próprio objecto, queria Magritte dizer.

ROGER FENTONGuerra da Crimeia

Em 1855, este fotógrafo parte para a Crimeia, para cobrir a guerra. As cercas de 300 fotografias publicadas não incluem mortos nem feridos, apenas representações dos estados-maiores, da vida dos soldados nos campos em cenas organizadas ou de munições inofensivas, esteticamente representadas no Vale da Sombra da Morte.

JOSHUA BENOLIELJosé Relvas

Joshua Benoniel, em 1908, vai à penitenciária de Lisboa fotografar a saída de José Relvas, que aí tinha estado preso por motivos políticos. Relvas já saíra e o fotógrafo pede-lhe para este voltar e refazer a saída para a fotografia, ao que este acede. Anos antes, conta-se, Benoniel é interpelado no caldeirão da luta política:
– ‘Velhinho! És republicano ou monárquico?’
– ‘Fotógrafo’, terá respondido, marcando, desta vez, um olhar distanciado e marcador de identidade.

ROBERT CAPA – magnum

São também inúmeros os exemplos de fotógrafos e fotojornalistas que arriscam a vida, em zonas de conflito, para darem ao público um momento de verdade nos conflitos que cobrem. Basta lembrar Robert Capa, figura lendária do fotojornalismo, um dos fundadores da agência Magnum, autor da fotografia ‘A Morte de Um Republicano Espanhol’ (1936).

O fotojornalista veio a morrer em 1954, ao pisar uma mina na guerra da Indochina.’