Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

José Carlos Abrantes

Ex.mo sr. provedor do DN:

No passado dia 25 do corrente o DN publicou um interessante artigo da jornalista Madalena Esteves, relatando um estudo americano sobre jornalismo.

(_) Apurou-se que para 66% dos jornalistas americanos, de órgãos de comunicação nacionais, envolvidos nesse estudo, as pressões financeiras sobre as empresas ‘afectavam seriamente a cobertura da actualidade’ (e) 45% dos jornalistas estimavam que os erros factuais são cada vez mais numerosos na cobertura da actualidade.

Não sei se existem em Portugal estudos comparáveis, que com algum rigor nos permitam fazer afirmações semelhantes. (_) Nelson Henriques

Esta carta foge ao tradicional apontar de dedo, lembrando que, no jornalismo, como noutras actividades, se encontram bons exemplos.

O leitor sugere ainda uma reflexão sobre as conclusões do estudo, mesmo se esta análise apontou para outros terrenos.

Não faltará ocasião para tratar os erros factuais e as pressões financeiras sobre as empresas, os dois assuntos destacados pelo leitor.

Vejamos o estudo.

Em primeiro lugar importa destacar que o texto em causa, da autoria de Madalena Esteves, apareceu na secção Media. A secção tem ganho acrescida vitalidade desde que coordenada pelo actual editor, Miguel Gaspar. Ganhou também espaço alargado pois agora dispõe de duas páginas. Vários estudos têm sido divulgados, as polémicas que atravessam a informação no mundo rapidamente noticiadas, as entrevistas dado vivacidade ao espaço, o lançamento de livros sobre os media tem sido acompanhado e a crónica diária ajuda os espectadores a melhor se situarem em relação à televisão. Mas penso que a secção Lido podia conter algumas citações de discursos críticos sobre os media (e não só de discursos nos media). Seria também útil uma agenda mais visível de iniciativas para permitir ao leitor uma melhor organização das escolhas pessoais.

Voltando ao texto. Apesar do mérito, é certo que é mais fácil pegar num assunto destes que fazer notícias sobre o Iraque, sobre a deontologia dos advogados ou sobre assuntos que envolvam maior pesquisa pelo jornalista. Porquê? Desde logo, pela fonte utilizada, pois o texto baseia-se num trabalho de uma entidade prestigiada, o Pew Research Center for the People and the Press (http://people-press.org/). Como a experiência recente mostra, um dos pontos mais delicados do trabalho dos jornalistas é a relação com as fontes. Sendo esta segura, sem interesse directo na matéria noticiada, e dando-se a conhecer (como foi o caso) reforça a credibilidade do jornalista como incute confiança ao leitor. O Pew lidera o Projecto para a Excelência no Jornalismo, que tem como objectivo elevar os níveis de qualidade do jornalismo.

Em Portugal não existe nada de semelhante, pelo menos com força institucional equivalente. É pena, pois da qualidade do jornalismo dependem muitas e fortes representações da vida pública para além do efeito de este agendar as discussões quotidianas. Sem querer retirar mérito às iniciativas que vão, aqui e além, fazendo sondagens ou publicando estudos, parece-me, que o panorama é confrangedor. Isto porque os universitários olham para o seu umbigo académico, multiplicando-se em iniciativas destinadas a si próprios, e os profissionais se centram quase exclusivamente na actividade do dia-a-dia. Seria bem preciso que alguém, de forma independente, gerasse um movimento para elevar a qualidade do jornalismo, mesmo onde ela já existe, criando pontes entre os académicos e os profissionais. No texto há porém, um reparo a fazer. Sendo bastante curto e sendo o estudo que o motivou bastante extenso, ter-se-ia imposto a divulgação do site onde o texto fora publicado na íntegra para que os leitores a ele pudessem aceder, facilmente. O mesmo pensa o editor, Miguel Gaspar: ‘Quanto à referência ao site, foi um erro não a ter incluído nesse texto, pelo que a crítica é pertinente. Temos publicado referências a sites em alguns textos (nomeadamente nos relativos às imagens do Iraque) e a opção editorial correcta é publicar os endereços na Web, sempre que isso se justifique, como era o caso do texto em causa.’ A jornalista considerou também que a omissão foi um lapso.

BLOCO-NOTAS

Provedor do cidadão telespectador

Não vi escrito, mas Sousa Franco foi o primeiro provedor (e único) da televisão em Portugal. Num fax manuscrito, datado de 22 de Agosto de 2000, que me enviou de Vouzela, Sousa Franco faz reflexões para serem lidas numa mesa intitulada Os telespectadores precisam de provedores, mesa integrada num Curso da Arrábida que organizei e intitulado A Construção do Olhar. ‘O signatário exerceu a função de provedor do Cidadão Espectador, prevista nos estatutos da TVI, enquanto esta empresa teve a primeira maioria accionista e a primeira admnistração (TVI=TV `da Igreja´).’ Sousa Franco não pôde estar presente, nessa data, por motivos de saúde, mas enviou um texto que preparou. Nele lembra que o ‘provedor dos Telespectadores trabalhou intensamente com o presidente do Conselho de Administração e com o presidente da Assembleia Geral sobre regras tendentes a ajustar estatuto editorial – prática editorial – opinião pública. Por exemplo, regras sobre o respeito das faixas etárias e sobre a discrição familiar/parental relativas a programas e horas de emissão_’. Sousa Franco refere que a maioria das críticas dos telespectadores tinham por conteúdo a exigência de uma programação mais rigorosa, mais fiel aos valores familiares, ‘em suma, uma TV da Igreja, uma televisão diferente’. Havia também satisfação relativa à informação (enquanto teve meios, diz_) e quanto à programação de cinema, de longe a menos criticada e a mais elogiada (era da responsabilidade de Lauro António). As reacções – recorda – vinham de um núcleo identificado com o estatuto editorial mais do que do público indiferenciado.

É verdade, Portugal já teve um provedor de Televisão, seu nome Sousa Franco, falecido na agitação da luta cívica.

Outro bom título

Um mal nunca vem só. Parece que um elogio também não. Na rubrica Exame de quinta-feira, 10, respondendo à pergunta Do que gostou mais e menos no DN de ontem?, José António Falcão, director de museu, destaca o título Sem rastejar na tempestade, título relativo a Sousa Franco num texto de Martim Silva, aparecido na página 2 da edição de 10 de Junho. O jornalista terá criado o título a partir de uma citação do poeta clássico Horácio, citação apreciada pelo malogrado professor. Aqui se anota.

Um acordo

Foi assinada uma plataforma para um código de ética comum, um acto de auto-regulação conseguido no interior da Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social. A notícia, bastante detalhada, foi dada por Leonor Figueiredo, na página 59, do DN, de 10 de Junho.’