Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

José Carlos Abrantes

‘Os leitores insatisfeitos e os jornalistas raramente dialogam ou, quando o fazem, é nas entrelinhas das citações dos provedores. Espero que comecem a leitura desta crónica pelas duas caixas, primeiro a da direita, A Voz dos Leitores, carta de Diana Andringa, e, logo a seguir, a caixa publicada em baixo, A Palavra da Jornalista, resposta de Inês David Bastos. A queixa diz respeito à cobertura dos resultados das eleições europeias na sede do Bloco de Esquerda (BE), publicada em 14 de Junho. A jornalista não percebe a crítica de que é alvo. Parece acreditar que existe uma forma ‘científica’ de descrever o mundo, e que a discordância sobre os termos, ou sobre o tom, implica um limite à liberdade de expressão. Ora, um questionamento, mesmo dirigido a um jornalista, não é forçosamente o retorno duma política de exame prévio ou da censura. Examinemos as expressões contestadas. ‘Cantar vitória’ e ‘trampolim’ podem considerar-se imagens adequadas ao ambiente de festa vivido nessa noite. É certo que a luta política e o jornalismo não usam as figuras estilísticas com as mesmas regras. O BE deveria estar habituado às metáforas, pois os seus dirigentes utilizam-nas constantemente como arma de arremesso. Já a expressão ‘sair da toca’ traduz um julgamento pouco positivo para descrever o recolhimento habitual do cabeça-de-lista antes do conhecimento dos resultados. Além disso, é seguida de referência insólita a uma eventual ida do candidato à casa de banho. A imagem negativa torna-se evidente, se comparada com outras notícias da cobertura da campanha no DN. O exemplo mais significativo, pois contém também uma referência espacial e de movimento, é ‘Durão subiu ao terceiro andar da sede da coligação’, assim retratando outra jornalista o aparecimento do chefe do partido derrotado. Esta oposição mostra que a linguagem não é neutra. É importante reconhecer que as palavras pesam. Como pesa também o balanço entre factos e comentários, ou entre os dados precisos e as afirmações vagas, mesmo as omissões. Tomem-se os apoiantes como exemplo. São citados três vezes, diz-se que são poucos, mas o leitor fica sem informação sobre quantos são efectivamente. Enquanto a notícia equivalente publicada ao lado, sobre o PCP, só menciona os apoiantes uma vez, quantificando. Ser preciso, passando informações concretas, é uma componente indispensável nas peças informativas. A caixa intitulada Violante Saramago foi a grande ausente omite uma informação ainda mais importante. No texto afirma-se que esta ‘nem lá pôs os pés’, deixando o leitor a imaginar que esta ausência é injustificável. Será que o leitor reagiria da mesma forma se soubesse que a candidata reside na Madeira? Os candidatos residentes numa outra parte do País não precisam necessariamente de se associar à festa centralizada em Lisboa. A jornalista sabia com certeza as razões da não-presença. Se não conhecia, poderia ter-se interrogado sobre a razão da ausência, aplicando o ‘espírito crítico’ que tão bem reivindica. Seguramente que o DN, jornal de referência, procura a equidistância entre as forças políticas, como refere Inês David Bastos. Mas o facto de haver críticas não dá automaticamente razão ao jornalista, provando que este foi imparcial nas informações que elaborou. Algumas questões ficam no ar: – Terá o desinteresse pela campanha derivado da pobreza dos discursos dos candidatos sobre a Europa, ou sido provocado pela sua cobertura jornalística, demasiado centrada na política interna? – O que é o espírito crítico dos jornalistas? – Com que critérios se podem distinguir os trabalhos jornalísticos de qualidade? – Que peso e responsabilidade assumem os editores na construção da informação diária? Assunto de crónicas de provedores mas, sobretudo, tarefas imperiosas para os jornalistas, já que são eles que, quotidianamente, relatam os acontecimentos do mundo.

A voz dos leitores

‘Expressões depreciativas’

Caro Provedor do DN

Peço-lhe que analise a notícia do DN sobre os resultados obtidos pelo Bloco de Esquerda nas eleições europeias de 13 de Junho (…). Gostaria, sobretudo, de saber a sua opinião sobre as frases que destaquei, nomeadamente a utilização dos termos ‘sair da toca’ (numa referência ao facto de Miguel Portas – numa atitude que creio não ser única em cabeças-de-lista – se ter mantido afastado dos jornalistas até haver resultados claros), ‘cantar vitória’ (o reconhecimento de que os resultados eleitorais correspondiam aos objectivos) e ‘trampolim’ (quanto à derrota da Coligação no Governo e a subida do Bloco poderem, eventualmente, abrir espaço a uma coligação PS/Bloco de Esquerda nas próximas legislativas). Pergunto-me – e pergunto-lhe – se não são expressões depreciativas, que podem confortar uma já visível tendência de desconfiança na política e nos políticos? Quero pedir também a sua opinião sobre a notícia com esta relacionada (…). Violante Saramago vive na Madeira (onde conduziu a campanha eleitoral do Bloco, como explicou na sua única aparição no continente, no comício de dia 8, no Largo do Carmo), tendo ali acompanhado os resultados eleitorais (tal como o terceiro elemento da lista, o independente João Semedo, os acompanhou na sede do Bloco no Porto, lugar onde reside.) Pergunto-lhe se a frase ‘Violante Saramago, a número dois da lista, nem lá pôs os pés’ não induz o mesmo tipo de reserva em relação aos políticos que atrás referi. E se não teria sido mais curial informar que, na Madeira – onde se centrou, durante a campanha eleitoral, a acção de Violante Saramago e onde esta acompanhou os resultados eleitorais – o Bloco subiu de 1% em 1999 para 3,16% em 2004. Grata, melhores saudações, Diana Andringa (Jornalista, candidata independente na lista do Bloco de Esquerda às eleições para o Parlamento Europeu).’