‘Que Europa nos media?’, copyright Diário de Notícias, 28/6/04
‘A recente aprovação da Constituição europeia e o anúncio do referendo para a sua aprovação abriu um debate sobre o modo como os media retratam a construção europeia. O Presidente da República veio lembrar a necessidade de haver um debate sobre o referendo, declarando mesmo que, nas últimas eleições europeias, se deu mais relevo ‘aos dichotes e aos insultos’ que às questões de fundo sobre a Europa. As cartas dos leitores do DN referem também este assunto.
Como avaliar se a cobertura das últimas eleições foi completa ou incompleta, se foram os políticos que falaram com profundidade sobre a Europa ou se foram os jornalistas que encontraram políticos com os bolsos ‘cheios de cartões amarelos’? Não tendo acompanhado os acontecimentos no terreno, inteirei-me pelos meios de comunicação social. Mas os agentes primários da campanha podem dar-nos outra perspectiva que talvez possa ser alargada, numa próxima ocasião, ao modo como os jornalistas entendem esta tensão.Contactei assim quatro políticos, de diferentes partidos. Responderam dois: José Ribeiro e Castro, eleito pela coligação Força Portugal (FP) e com o qual falei por telefone, e Ana Gomes, eleita pelo Partido Socialista (PS), que enviou um texto escrito.
Há grandes consensos nas posições dos dois políticos. Um primeiro: Ana Gomes considera que ‘grandes responsabilidades cabem à cobertura jornalística – embora não saiba se recaem mais sobre os próprios jornalistas ou sobre as lógicas editoriais/comerciais das empresas de comunicação social que os empregam e que os fazem procurar o sound-byte, a picardia e menos o esclarecimento e a informação do leitor. Isso não exclui as responsabilidades de alguns partidos e de vários políticos, por escolha ou por ignorância das questões europeias’. José Ribeiro e Castro concorda com a dupla responsabilidade, lembrando que os partidos ‘apoucam’, algumas vezes, a importância da actividade parlamentar europeia nos gestos quotidianos e atribuindo também parte da responsabilidade à cobertura jornalística.
Um segundo: na difusão dos temas europeus os dois deputados acham que os respectivos partidos fizeram reflexões centradas nas questões de fundo. Será que os jornalistas não prestaram a devida atenção? O deputado FP lembrou que, numa intervenção em Coimbra, o cabeça-de-lista, João de Deus Pinheiro, fez um discurso sobre a Europa do conhecimento. Mas um telemóvel tocou e o candidato terá feito uma graça sobre esse incidente. Resultado: o anedótico derrotou o conhecimento nas coberturas mediáticas. A tónica da resposta de Ana Gomes é similar. Depois de referir várias iniciativas em que, assegura, o seu partido introduziu temáticas europeias, diz ter-se integrado alguns dias na caravana nacional: ‘Pasmei no dia seguinte, em regra, com os relatos dos media – jornais, rádio ou TV, que praticamente (com honrosas excepções) não tinham estado onde eu estivera: só apanhavam picardias, fait-divers, ‘insultos’‘.
Ribeiro e Castro diz o mesmo: nos discursos tinha sempre que referir os ‘pobres’ contributos dos adversários, pois o retorno que tinha era o da leitura dos media, repletos de tais quezílias. Mas, disse, isso não o impedia de reflectir também sobre as questões de fundo.
O que explica este foco posto mais nas picardias do que nas questões mais relevantes, segundo estes políticos?
Para Ribeiro e Castro, haverá actualmente um ‘jornalismo de espuma’ que estaria neste momento enraizado em Portugal, fazendo passar mais o que tem graça do que o que é importante. Constata também que os jornalistas não querem, por vezes, fazer esforço, evitando o tratamento de iniciativas (ou palavras) que são ‘uma seca’. Seria esquecer, afirma, que o trabalho do jornalista é mesmo esse, o de mediar entre os conteúdos, porventura densos, e os leitores, ouvintes ou espectadores.
Por último, diz, as campanhas acontecem de cinco em cinco anos. E a divulgação da Europa, das suas instituições, perspectivas e problemas não pode ser feita apenas neste ciclo eleitoral. Deverá ser contínua e não esporádica. Veremos, se possível, numa próxima ocasião , se os jornalistas estão de acordo com esta análise dos políticos completada pelo breve depoimento a seguir publicado.
Bloco-Notas
Linguagem dos políticos
Tenho tentado mostrar em crónicas anteriores que as palavras são armas na pena do jornalista. Também o são na boca dos políticos. Lembro que nesta campanha foram proferidas palavras indignas por alguns políticos que foram depois amplificadas pela comunicação social. Alguém espera que os jornalistas sejam ‘cegos, surdos e mudos’? Rigor e respeito na linguagem também devem ser exigidos aos políticos, não apenas aos jornalistas.
Uma voz de fora
Rogério Santos, professor na Universidade Católica, tem-se interessado pela comunicação política. Eis algumas das suas reacções à oposição entre a ‘culpa’ dos políticos e a ‘culpa’ dos jornalistas.
‘Por regra, os media, apesar do poder a eles atribuído, são definidores secundários, isto é, seguem as fontes de informação mais poderosas ou que preparam melhor os eventos. Isto quer dizer que as fontes (os promotores de acontecimentos) empacotam convenientemente a sua informação para responder às necessidades de notícias dos jornalistas (preencher tempo e espaço nos noticiários) – elas são os definidores primários.
Assim, e na minha perspectiva, os jornalistas seguiram a agenda dos partidos, cheios de spin-doctors que traçam estratégias e tácticas de ataque aos outros partidos intermediados pelos jornalistas. Sem querer ser redutor, os jornalistas são ‘conduzidos’ pelas fontes (partidos): cobrem conferências de imprensa, acompanham-nas nas feiras e nos comícios, fazem fotografias e imagens. As campanhas são cada vez mais encenadas ou ‘cenografadas’ para passarem na televisão, juntamente com os sound-bytes (as frases sonantes ou as pequenas frases, como prefere Mário Mesquita). Por isso, para os media, e em especial a televisão, importa mais a pequena questão, a disputa paroquial, do que o grande tema. Os media não têm espaço para a discussão de ideias.
Num trabalho que tenho desenvolvido nos últimos três anos com mais duas investigadoras, o da análise das notícias televisivas sobre os congressos partidários, nós temos vindo a detectar a redução da mensagem política ao fait-divers, ao estereótipo, à trica, à luta entre candidatos (corrida de cavalos, como escrevem os sociólogos americanos), e pouco mais. A campanha eleitoral segue o mesmo enquadramento comunicacional.
Mas (_) eles também são definidores primários, pois escolhem as imagens e os comentários e aumentam o cinismo na análise que fazem dos políticos (_). O cinismo dos jornalistas tem duas razões: porque não acreditam nos políticos; porque acham que o papel do jornalista é o de formador da opinião pública, logo acima de qualquer outro valor ou poder.’’