‘Autores dão impressão de que houve uma sociedade paradisíaca antes dos media…
Os media são objecto de análise nas conversas quotidianas.
Também os académicos, na sua produção ensaística, a eles se referem constantemente, indo para além dos seus primeiros objectos de estudo. Basta lembrar o sociólogo francês Pierre Bourdieu, que escreveu, em 1996, um texto intitulado Sobre a televisão. Alguns destes autores dão a impressão de ter havido uma sociedade paradisíaca antes do aparecimento dos media… Teria assim sido antes da imprensa, antes da rádio, antes da televisão, mesmo antes da Internet. Se recuarmos ainda mais no tempo, veremos que Platão, no Fedra, assinala que a escrita, invenção de Teuth, tornaria os homens ‘sábios de ilusões’.
A crónica anterior procurou diferenciar a informação da mera publicidade sobre uma empresa.
Levou-me a Joli Jensen, uma investigadora americana que escreveu acerca das contradições do pensamento crítico sobre os media (Redeeming Modernity: Contradictions in Media Criticism, London, Sage Publications, 1990). Ela compara o pensamento de quatro autores americanos de referência: Daniel Boorstin, teorizador dos pseudo-acontecimentos, Neil Postmann, Dwight Macdonald e Stuart Ewen. Este trabalho de Jensen é muito interessante. Mostra como nas sociedades actuais muitos intelectuais consideram a vida moderna alienante, classificando a cultura de hoje como trivial, e consideram até os media como elementos de corrupção da vida social. Curiosamente, diz-nos que continua a ensinar essa visão apocalíptica, embora tenha deixado de acreditar nela. O que nos traz o pensamento destes autores para uma compreensão crítica da influência dos media, apesar do tom por vezes apocalíptico?
Mostrei em crónicas anteriores que o jornalismo é uma narrativa sobre o mundo, devendo os jornalistas evitar criar ou amplificar os pseudo-acontecimentos.
Por seu lado, Ewen centra os seus pontos de vista na ideologia do consumo que os media promovem. O título do seu livro Captains of Counsciousness designa os media como ‘capitães da consciência’ por referência aos capitães da indústria que, no século XIX, teriam proletarizado o mundo, criando uma legião de despossuídos. Os modernos despossuídos seríamos todos nós, tornados dóceis consumidores com a cumplicidade mediática. A publicidade teria gerado um espectáculo de mudança permanente no qual desejamos participar e criar-nos-ia uma pulsão excessiva para o consumo. Quem nunca desejou possuir o último modelo de um carro ou a nova linha de roupa lançada pela marca x ou y? Esta posição tem o mérito de provocar uma reflexão sobre a ideologia de consumo, fechando as portas à lógica da publicidade e do marketing no interior do jornalismo.
Postman considera que o Império da Escrita está em vias de desaparecimento, dando lugar ao Império da Televisão, que teria introduzido um princípio de diversão corruptor do discurso público. Na educação como na política, na religião como na ciência, tudo se teria trivializado, transformado em ‘diversão’, por causa da abordagem televisiva. Ao discurso sério ligado ao Império da Escrita sucedem-se discursos leves e superficiais baseados na imagens televisivas. Todos os assuntos de interesse público são ‘tocados’ pela televisão. A sua compreensão seria formatada pelo olhar televisivo, uma distorção que usa o divertimento como chave para mostrar o mundo. Daí viria a tendência para considerar, por exemplo, que aprender é sinónimo de divertimento. Será que os jornalistas de imprensa se sentem como garantes da qualidade da informação?
Por último, Macdonald. A sua reflexão gira à volta das noções de alta cultura, cultura media, cultura de massas e cultura folk. Este debate é interminável, mas importante, pois dele depende uma visão mais democrática ou mais elitista da cultura e da sua difusão pelos media. Para este autor, a cultura de elite envolve o indivíduo na criação como recepção, enquanto a cultura de massas seria uma forma de distracção anónima. Na difusão da informação para as grandes audiências, os jornalistas terão que construir textos que dêem a cada leitor poderes para evoluir no interior dos diferentes espaços e formas de cultura.
Bloco de Notas CINEMA E JORNALISMO
Uma entrevista é hoje considerada uma peça de autoria repartida, pelo que, em princípio, todas as entrevistas são diferentes ao dependerem não só do entrevistado, mas também do jornalista. Mas um e-mail colectivo foi enviado a jornalistas com uma entrevista escrita ao realizador do filme Chronicles of Riddick (na foto, o realizador, David Twohy).
O crítico de cinema João Lopes marcou a este propósito uma interessante posição. João Lopes começa por reconhecer que ‘se tem assistido a alguma degradação dos padrões profissionais de convivência entre a comunicação social e as entidades que distribuem e exibem cinema em Portugal’. E afirma que ‘a maior fatia de responsabilidade dessa situação pertence ao espaço em que me situo, isto é, à própria comunicação social’. E depois de definir a situação como a oferta ‘global’ de uma entrevista, faz a seguinte precisão: ‘Em boa verdade, desculpe a franqueza, não se trata de uma entrevista, mas sim de uma peça que integra o dossier promocional do filme. (…) Acontece apenas que uma entrevista é um objecto jornalístico que tem uma assinatura (de um jornalista) e uma origem (do órgão de comunicação social onde se verificou a sua publicação original).’
E continua: ‘Oferecer’ semelhante peça não põe, obviamente, em causa a honestidade de quem o faz. Mas (…) também não ‘encaixa’ muito bem na dignidade de quem recebe tal sugestão. Porquê? Porque, mal ou bem, o jornalismo é uma actividade com regras próprias e, sobretudo, com uma produção específica. Não é uma correia de transmissão de matérias geradas fora do seus contextos e métodos específicos. E vinca a situação difícil que se poderia gerar:
‘Já reparou no absurdo que o seu mail pode atrair? Se vários jornalistas (?) responderem que sim à vossa ‘oferta’, então corre-se o risco de a mesma prosa se repetir em diversos jornais ou revistas. Por mim, acho muito triste para esses jornais ou revistas. (…)’
Saúdo João Lopes por reagir a esta situação equívoca. E estão de parabéns o Diário de Notícias e os jornais cujos colaboradores respeitam as regras do seu ‘universo de trabalho’.
EURO E JORNALISMO
Alguma agitação se instalou entre os jornalistas no pós-Euro. Alguns terão aplaudido Scolari em Alcochete, outros usaram a linguagem dos adeptos para relatar o que se passava, outros ainda colocaram cachecóis dos seus países.
Há quem diga que foram poucos, há quem ache, mesmo assim, imperdoável. Um sócio do sindicato escreveu uma carta ao Conselho Deontológico, para que este se pronuncie sobre tais comportamentos.
No DN os leitores não protestaram para o provedor, o que é bom sinal.’