Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

José Queirós

‘Dois meses após a entrada em vigor do novo sistema de gestão dos comentários às notícias da edição on line do PÚBLICO — que deixaram de ser automaticamente publicados, e são agora moderados por uma equipa de editores —, é já possível fazer um primeiro balanço dos resultados da mudança. Considero que são positivos, e essa é também a avaliação transmitida por muitos leitores.

Como seria de esperar, chegam-me agora algumas queixas sobre a aplicação prática dos critérios de publicação, que merecem ser ponderadas e poderão contribuir para a afinação futura desses critérios. Mas são incomparavelmente menos do que os protestos anteriores contra a divulgação de textos grosseiros ou ofensivos que seria impensável ver publicados no jornal impresso.

Simone Duarte e Sérgio Gomes, respectivamente directora executiva e coordenador da edição on line, acham também que ‘o balanço é positivo’, e que alguns erros entretanto cometidos na aceitação ou rejeição de comentários ‘decorrem essencialmente de alguma disparidade de critérios ainda existente’ na equipa de moderadores. Mesmo ‘a queda no número de comentários era expectável e não é preocupante’, já que, afirmam, ‘a nossa preocupação é com a qualidade e não com a quantidade’.

De facto, a média diária de textos enviados para as caixas de comentários do Público Online desde que terminou a publicação automática foi de 1121 em Março e 1135 em Abril, contra cerca de dois mil contabilizados quando o problema foi pela primeira vez debatido neste espaço. Parece-me um preço razoável a pagar pela decisão de oferecer aos leitores uma edição electrónica aberta ao debate público, mas livre dos insultos e do lixo retórico que suscitavam a indignação de muitos dos que a consultavam com regularidade. São números que indicam que está aberto o caminho para as caixas de comentários do PÚBLICO serem crescentemente procuradas por quem queira participar na discussão útil e qualificada dos temas da actualidade informativa e do modo como são noticiados.

Entre as novas reclamações que tenho recebido destacam-se as dos leitores que consideram que um determinado comentário não deveria ter sido publicado e as daqueles que dizem não entender as razões da rejeição de um outro. Pondo em causa, em ambos os casos, não tanto os critérios de publicação (que podem ser consultados junto de cada notícia), mas a sua interpretação pelos moderadores.

Começando pelo primeiro tipo de queixas, a leitura da edição on line mostra que, de facto, os textos de natureza insultuosa ou que infringem as regras anunciadas ainda não foram completamente banidos das caixas de comentários, embora estejam a tornar-se mais raros. O que explica reacções como a do leitor Nuno Boavida, que me enviou seis exemplos de intervenções marcadas por linguagem ofensiva e incitações xenófobas ao ódio e à violência, publicadas entre 25 de Março e 11 de Abril (quase todas, curiosamente, na área do noticiário internacional). O leitor tem razão em todos os casos que citou. A meu pedido, os responsáveis pelo Público Online analisaram os textos em causa e concluíram que cinco desses seis comentários tinham sido aprovados para publicação pelo mesmo moderador (um em cerca de duas dezenas). ‘Já conversámos’ — informam — ‘com esse profissional, para perceber o que o fez aprová-los apesar de claramente não respeitarem os critérios de publicação em vigor. (…) Consideramos que agora a questão está esclarecida e pedimos desculpas aos leitores pelo ocorrido’.

Simone Duarte e Sérgio Gomes acrescentam: ‘Não houve ainda uma reunião de balanço com os moderadores, mas pelas conversas mantidas com eles sobre o que deve ou não ser publicado, não encontramos grandes diferenças na interpretação dos critérios. Nesta fase inicial, vai havendo ainda muitas dúvidas, o que é natural’. Ressalvam que ‘nunca será possível uniformizar totalmente juízos’, mas asseguram que é feito um ‘esforço diário’ para ‘evitar critérios díspares ou demasiado díspares’. Explicam ainda que, quando são alertados, interna ou externamente, para comentários erradamente aprovados, estes são reavaliados e eliminados. Neste domínio, porém, nem tudo estará a funcionar da melhor maneira: dos seis textos cuja publicação foi justificadamente criticada pelo leitor acima referido, metade continuava, nos últimos dias, a figurar junto às respectivas notícias.

Quanto às queixas sobre comentários rejeitados que alegadamente respeitariam as regras de publicação, não posso apreciá-las sem conhecer os textos em causa, mas foi-me garantido que, até à data, isso ficou a dever-se quase sempre a ‘linguagem grosseira e insultos’. Entre os raros casos em que me foi dado a conhecer o conteúdo de textos rejeitados, encontrei apenas um que, na opinião dos responsáveis pela edição on line (com a qual concordei) deveria ter sido publicado. Face ao alerta para um possível erro de moderação, a reavaliação é sempre possível e ‘quase todos os dias há casos desses’.

De tudo isto parece poder concluir-se que o processo de edição adoptado no PÚBLICO, não sendo certamente perfeito, tem procurado o equilíbrio desejável entre o estímulo à participação dos leitores e a sua regulação através de normas razoáveis. O guião que orienta os moderadores poderá ser aperfeiçoado, mas não poderá evitar, como escrevem os coordenadores da equipa, que surjam, ‘pontualmente, situações novas que requerem critérios ad hoc’. A qualidade da selecção deverá melhorar com a experiência e com a atenção prestada aos argumentos dos leitores contra decisões de que discordem. Erros e diferenças de interpretação serão sempre possíveis, mas tendo o jornal assumido, e bem, a responsabilidade pelo que é ou não publicado nas caixas de comentários, e divulgado os critérios com que o faz, caber-lhe-á explicar de forma transparente as opções que se revelem controversas.

Devo ainda referir outras dúvidas, críticas ou sugestões dos leitores sobre a moderação de comentários. Aos que se queixaram de alguma demora na publicação dos seus textos, transmito a explicação que recebi: ‘As mensagens podem ficar bloqueadas para edição algum tempo, que varia consoante o número de pessoas que a cada momento está a aprová-las. Principalmente nos fins-de-semana (temos menos pessoas a trabalhar) e durante a madrugada’.

Aos que protestam contra a publicação de textos com erros ortográficos, deixo também a explicação dos responsáveis editoriais, de que neste ponto discordo: ‘Não temos essa capacidade. Tentamos, mas nem sempre é possível (…). Se formos corrigir a ortografia atrasaremos ainda mais a sua publicação’. Como princípio geral, não me parece aceitável sacrificar a qualidade — neste caso, uma escrita sem erros — à velocidade.

Aos que reclamam contra a publicação dos chamados comentários ‘fora do tópico’, como o leitor Filipe dos Santos (‘Não considero nada interessante que numa notícia interessantíssima sobre arqueologia haja comentários sobre política. O PÚBLICO deveria (…) excluir comentários que manifestamente nada têm que ver com o assunto do artigo’), respondem os responsáveis pela edição on line que a hipótese não foi considerada, por se acreditar que ‘esses casos são esporádicos’. Por mim, creio que são mais frequentes do que seria desejável e julgo que a sugestão do leitor — que corresponde ao que é praticado em alguns jornais de referência estrangeiros — mereceria ser ponderada e contribuiria para aumentar e qualificar a participação nos debates provocados por notícias de temática mais especializada.

Finalmente, e em resposta aos que criticam, com razão, o facto de não serem assinaladas as correcções de erros nas notícias colocadas em linha, resultantes de chamadas de atenção feitas pelos leitores através das caixas de comentários, Simone Duarte e Sérgio Gomes garantem que ‘os moderadores têm instruções para [as] transmitirem (…) aos autores da notícia ou aos editores de secção’, e que, uma vez ‘verificada a validade da correcção’, são feitas ‘as alterações necessárias’. Estas intervenções correctivas dos leitores representam para o jornal um dos maiores benefícios, nem sempre devidamente reconhecido, da interactividade proporcionada pela edição on line.

Porém, o facto de as correcções muitas vezes não serem assinaladas provoca anomalias que devem ser evitadas, a bem do rigor informativo. Veja-se por exemplo o caso de uma notícia sobre o recente acidente numa central nuclear japonesa, colocada em linha às 10h06 do passado dia 4 de Abril, com o título’Fukushima vai lançar mais de onze toneladas de água radioactiva para o Pacífico’. Não eram onze (o que equivaleria ‘a um pequeno jacuzzi’, na expressão do leitor Nuno Santos), mas onze mil. O erro foi detectado e corrigido algum tempo depois, mas a correcção não foi assinalada e a hora de publicação da notícia permaneceu (e permanece) inalterada. Tornando incompreensível o comentário de um leitor que alertava para esse erro, em mensagem posterior às 11h00 desse dia, que continua a poder ser lida junto à peça corrigida.

Os responsáveis pelo Público Online reconhecem a anomalia: ‘Já informamos sobre o conteúdo das correcções feitas em muitas notícias, mas não em todas, como idealmente deveria ser feito. Estamos a estudar uma solução de design onde o conteúdo das correcções aparecerá por regra’. Penso que é urgente fazê-lo e que valerá a pena regressar ao tema da visibilidade das alterações ao noticiário on line, que constitui em si mesmo um novo e importante problema deontológico do jornalismo na era da Internet.’