“A questão foi levantada pela primeira vez em Agosto passado. O leitor Diogo Coelho leu uma notícia doPÚBLICO sobre os confrontos que então se travavam na capital da Líbia (‘Jornalistas deixam o hotel Rixos após vários dias de cerco’, de 24.08) e sentiu-se irritado logo à primeira frase, que começava assim: ‘A crise no hotel Rixos acabou — ‘todos os jornalistas estão fora!’, tuitava o correspondente da CNN…’.
‘Tuitava’ é um ‘erro grave’, escreveu esse leitor, para logo perguntar: ‘Que verbo é este? Desconheço completamente a sua existência em português’. Não é o único a queixar-se de soluções discutíveis para o aportuguesamento de certos termos estrangeiros, e nomeadamente dos que estão relacionados com o universo da Internet.
Neste caso, e como sabem os mais familiarizados com as redes sociais, o verbo usado (correctamente ou não) descrevia a acção de colocar na rede Twitter um pequeno texto, com um máximo definido de 140 caracteres (ou, mais precisamente, de 140 toques num teclado). Um tweet, no jargão da Internet, e hoje também no de um jornalismo que recorre cada vez mais a este meio para garantir a comunicação quase instantânea na cobertura de acontecimentos que noticia nas suas edições on line.
Uma definição mais técnica dirá provavelmente que, ao ‘contar no Twitter’ (expressão também usada na peça referida pelo leitor) alguma coisa, um jornalista estará a colocar um pequeno post, ou uma sucessão de pequenos posts (tweets) num serviço de microblogging chamado Twitter. Avaliar a crítica de Diogo Coelho e queixas semelhantes de outros leitores é procurar responder à questão de saber se um jornal português deve, e em que medida, adoptar na escrita das sua notícias o léxico inglês próprio da Internet (como nas expressões assinaladas a itálico que utilizei atrás) ou aportuguesar esses termos, e de acordo com que critérios.
Procurei saber, junto da direcção do PÚBLICO e dos responsáveis pela revisão dos textos, se o jornal adoptara a forma ‘tuitar’, com o sentido de escrever no Twitter. As respostas foram negativas e a questão provocou alguma discussão interna, que se saldou por uma decisão: o termo não deverá ser usado nestas páginas, segundo me comunicou a directora, Bárbara Reis. Ficam os leitores a saber que, se voltarem a encontrá-lo numa notícia do PÚBLICO, estarão perante uma falha na edição ou na revisão do texto.
Vamos aos argumentos. Manuela Barreto, da equipa de copy desk, defende a forma ‘twittar’, formada por ‘radical inglês e terminação portuguesa, como ‘shakespeariano’ e ‘mccarthismo’’. Aurélio Moreira, da mesma equipa, também não aprova a forma ‘tuitar’, e explica porquê: ‘Primeiro, porque penso que será difícil, para muitos leitores, estabelecer uma ligação entre ‘Twitter’ e ‘tuitar’. Graficamente, nada têm a ver um com o outro. Segundo, porque se trata de falar português como um inglês ou um americano, como se não tivéssemos uma língua própria’. Defende que se escreva ‘enviar um twit’ ou ‘usar o Twitter’.
Discutido o caso, a direcção explica que decidiu banir a palavra criticada por Diogo Coelho, ‘uma vez que a falta de uma correspondência gráfica evidente entre ‘Twitter’ e ‘tuitar’ compromete a sua compreensão por parte do leitor’. ‘Seria melhor’, considera Bárbara Reis, ‘ter escrito ‘twittar’, pois aí a ligação com Twitter, o nome do programa, ficaria melhor estabelecida’. Argumentando ser ‘cada vez mais difícil fugir a neologismos (‘blogar’, ‘postar’, etc.)’, acrescenta que ‘certas formas de aportuguesamento não contribuem para a fluidez na comunicação’. Admitindo que ‘utilizar o Twitter’, ‘escrever no Twitter’ ou ‘via Twitter’ seriam as ‘fórmulas ideais’, conclui: ‘Não consideramos errado escrever twittar’.
Iremos assim passar a encontrar no PÚBLICO este novo verbo ‘twittar’, e provavelmente com maior frequência, já que o recurso às pequenas mensagens ‘em tempo real’ se está a tornar num novo género jornalístico, que procura explorar as potencialidades das edições na Internet para a cobertura de acontecimentos praticamente ‘em directo’. No Público Online foi utilizado, por exemplo, na cobertura recente de um julgamento — uma prática que aliás levanta problemas novos no domínio dos procedimentos editoriais, que valerá a pena analisar em próxima oportunidade.
Foi uma decisão acertada, esta que vai habituar os leitores ao verbo ‘twittar’? Penso que foi positivo garantir uma solução uniforme. Quanto à substância, trata-se de uma escolha, e outras escolhas teriam sido possíveis. Será interessante conhecer a opinião de outros leitores a partir deste caso concreto, antes de voltar ao tema geral dos estrangeirismos, suscitado por numerosas reclamações que recebo.
Procurando contribuir para esse debate, registo aqui alguns factos e argumentos que poderiam ter conduzido a uma opção diferente da que foi tomada. Primeiro: um dicionário prestigiado da língua portuguesa como é o da Porto Editora, com uma muito consultada versão on line, já acolhe o verbo transitivo ‘twittar’, com o significado de ‘publicar mensagens na rede social de nome Twitter’. Mas não deixa de registar, também, a forma ‘tuitar’. Segundo: o substantivo e o verbo ingleses que descrevem respectivamente as pequenas mensagens limitadas a 140 caracteres e o acto de as escrever têm a grafia ‘tweet’ (e não ‘twit’ ou ‘twitt’), embora uma outra forma —’twitter’ — seja também reconhecida, para substantivo e verbo, por exemplo nos Oxford Dictionaries Online. O argumento da correspondência gráfica no seu aportuguesamento aconselharia então formas como ‘tweetar’ ou ‘twitterar’?
Vale a pena referir que, antes de entrar no léxico próprio da Internet, o termo ‘tweet’ era usado para designar o chilrear ou piar dos pássaros e, sobretudo na forma ‘twitter’, o seu significado estendeu-se ao que em português queremos dizer quando falamos de ‘tagarelar’ ou de uma ‘algaraviada’, o que terá inspirado apropriadamente o nome da rede social em causa e descreve de modo feliz o seu uso trivial. Deveríamos, para evitar o neologismo e respeitar a origem do termo, recorrer à tradução e usar o verbo ‘piar’ ou outro que tal?
No sempre útil site Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, defendeu-se, em 2009, que não é necessário aportuguesar Twitter enquanto nome próprio (admitindo-se para a forma verbal o neologismo ‘twittar’), mas sugerindo, para um aportuguesamento feito a partir do verbo inglês, as formas ‘tuíter’ (para o nome) e ‘tuitar’ (para o verbo). No Brasil, onde a grafia ‘twittar’ se tem vindo a tornar comum, o professor Cláudio Moreno rejeitou, na coluna que mantém sobre questões do idioma, a manutenção da letra ‘w’ (ou ‘k’, ou ‘y’) na nacionalização linguística das palavras, argumentando que tal só deve ser feito quando os termos têm origem em nomes próprios de personalidades estrangeiras de relevo universal (‘shakespeariano’, ‘keynesiano’, ‘wagneriano’, etc.). Recomenda a opção por ‘tuitar’ — pela mesma lógica, distinta da que predomina em Portugal, que leva a preferir ‘saite’ a ‘site’— e recorda que ‘twitter’ (que escreve com minúscula inicial) é, enquanto nome de uma rede social, uma marca registada que, ao transformar-se num vocábulo comum noutros idiomas, pode ganhar uma forma nacional (como em ‘jeep’ e ‘jipe’).
Por aqui se vê que a questão não está propriamente fechada nem é linear. Como disse atrás, penso que oPÚBLICO faz bem em optar por uma solução uniforme. Entre alternativas que, não sendo necessariamente incorrectas, são certamente discutíveis, deve prevalecer a que corresponda a um critério coerente e susceptível de ser explicado aos leitores. Por isso voltarei ao tema, procurando examinar a questão dos neologismos oriundos da Internet à luz de vários critérios, incluindo as escassas indicações existentes no Livro de Estilo do jornal em matéria de uso de estrangeirismos (note-se que, de acordo com esse documento, estes devem ser, por regra, grafados em itálico). Quanto ao caso do Twitter, o Livro de Estilo é obviamente omisso: a sua última revisão data de 2005 e o lançamento desta rede social só ocorreu no ano seguinte.
Esperando contar com as opiniões dos leitores interessados neste tema, adianto desde já as duas questões que me parece valer a pena clarificar no plano mais geral do uso, que muitos consideram excessivo, de estrangeirismos e vocábulos estrangeiros nas páginas do PÚBLICO. Em primeiro lugar, que critérios devem ser aplicados para uniformizar a grafia de termos estrangeiros de uso comum, que não têm (ou ainda não têm) equivalente em português, ou cujo aportuguesamento não esteja normalizado. E, em segundo lugar, o que deve ser feito para evitar a utilização (demasiado) frequente de vocábulos estrangeiros, nomeadamente os de natureza mais especializada, cujo significado — queixam-se muitos leitores — não é devidamente explicado.”