‘Um leitor que assina ‘Leixão’ — desconheço se é nome ou pseudónimo e aproveito para apelar a quem se me dirige para fornecer a sua identificação civil — protestou contra uma pequena notícia intitulada ‘Nobre processa senhorio no caso das rendas em atraso’ (edição de 18.11). Na sua opinião, faltava à notícia o essencial do que deveria seguir-se ao título: por que motivo decidira o candidato presidencial processar o senhorio?
De facto, a resposta não se encontrava no texto, cujo primeiro parágrafo informava apenas: ‘O candidato presidencial Fernando Nobre intentou ontem uma acção judicial no Tribunal Cível de Lisboa contra o senhorio da sua sede de candidatura, a empresa Incentinveste’. Os restantes três parágrafos eram dedicados à contextualização do caso: como já fora noticiado, o senhorio em questão reclamava uma dívida de mais de cem mil euros por rendas em atraso e ameaçara ‘despejar’ a candidatura, enquanto esta desmentia o valor em dívida e referia uma renegociação das rendas por divergência quanto à dimensão da superfície alugada.
Para o autor da reclamação, informar que Nobre tinha accionado o senhorio ‘não é nada’, pois ‘o que aos eventuais leitores poderá interessar é o que se discute nessa acção’. E enumerava hipóteses: ‘Nobre quer reduzir a renda por dispor de menor área que o contratado? Nobre quer que o senhorio lhe faça obras? Nobre quer acesso à garagem? Nobre quer anular o contrato? Nobre sente-se atingido pelas declarações do senhorio e quer uma indemnização? Nobre quer que o senhorio deixe de falar para jornais?’. Para concluir: ‘Teria sido mais útil e informativo saber que decisão Nobre quer dos tribunais’.
A autora da peça, Rita Brandão Guerra, e a editora de Política, Leonete Botelho, salientam que ‘o texto tem o cuidado de explicar o diferendo contratual entre o senhorio e Nobre’, especificando que ‘ diz respeito à ocupação dos metros quadrados da sede’ [entretanto encerrada] e ‘ao valor em dívida’. E defendem: ‘Em termos jurídicos, o que falta é dizer que a acção é por incumprimento do contrato. Mas achámos mais importante dizer o que estava em causa do que o nome técnico da acção judicial’.
Eu acho que a razão está do lado do leitor. Não se ter explicado que o senhorio fora processado por alegado incumprimento do contrato não representa a omissão de um tecnicismo jurídico, significa a omissão da notícia propriamente dita, ao não se referir o motivo pelo qual Nobre recorreu ao tribunal. E esse motivo não pode ser deduzido com rigor dos elementos de contexto fornecidos, nem os leitores devem ter de deduzir o que não se explica claramente.
As notícias, mesmo as mais pequenas, devem ser completas quanto aos elementos essenciais de informação. Nesta não faltou a necessária contextualização, como por vezes acontece. Mas faltou o mais óbvio: responder com clareza, em meia dúzia de palavras, ao ‘porquê’ que inevitavelmente decorre da leitura do título.
O leitor A. Betâmio de Almeida considera que o PÚBLICO ‘não forneceu (…) uma informação equilibrada’ sobre a paralisação dos controladores aéreos em Espanha. Aponta a peça dedicada ao tema na edição do passado dia 5, na qual ‘os grevistas não têm direito a explicar as suas razões e o leitor só tem acesso a descrições intensivas das consequências negativas e das justas reclamações de quem ficou sem avião’.
É uma crítica pertinente. Durante vários dias, não foi dado conhecimento aos leitores dos motivos de um protesto que transtornou seriamente o tráfego aéreo e levou o Governo espanhol a recorrer a leis de excepção. Ora, como diz Betâmio de Almeida, ‘deve ser o leitor a julgar perante factos e argumentos’, e para isso necessita de informação ‘equilibrada e completa’.
O autor das peças, Nuno Ribeiro (correspondente do PÚBLICO em Madrid) considera que ‘a observação do leitor é justa’, e explica que ‘não foi possível exercer o princípio do contraditório’, dado que os grevistas ‘[se] recusaram a expor os seus pontos de vista à imprensa’, face à militarização dos serviços de controlo aéreo decretada pelo governo. Só no dia 7 alguns ‘começaram a falar a órgãos de comunicação por eles escolhidos’. Na edição do dia 10, os argumentos dos controladores foram finalmente explicados com algum destaque, num novo trabalho do mesmo jornalista. O PÚBLICO corrigiu o erro, mas fê-lo tardiamente, dias após as informações em causa terem sido divulgadas na imprensa espanhola.
A terminar, as respostas da direcção do PÚBLICO a outras questões levantadas pelos leitores.
Pedro Lopes quis saber por que foi retirado um link do texto que enviara para a caixa de comentários de uma notícia da edição on line. A directora executiva do publico.pt, Simone Duarte, esclarece: ‘ Os links são eliminados automaticamente, para prevenir a publicação de ligações para conteúdos ofensivos, já que não temos capacidade para verificar todos os links enviados pelos leitores’. Esta orientação, acrescenta a mesma responsável, poderá ser repensada quando entrar em vigor, no início de 2011, um novo sistema de gestão de comentários na edição on line.
Jorge Alvoeiro pergunta ‘por que é que na página inicial do PÚBLICO, no canto superior direito, só aparecem as fotos de quatro candidatos às presidenciais’. ‘O prof. Cavaco Silva (…) não conta?’, interroga, referindo-se a uma chamada (ou ‘botão’) que figurou até anteontem na página de abertura do publico.pt. A resposta é simples: esse botão remetia para uma iniciativa do jornal, que convidou os candidatos presidenciais para um diálogo directo com os leitores, on line, em dias sucessivos. ‘Cavaco Silva não quis participar’, pelo que ‘não faria sentido’ incluir a sua imagem na chamada, explica Simone Duarte: ‘Se o fizéssemos, daríamos a impressão ao leitor de que ele estaria disponível para o chat , o que não iria acontecer’.
José Paulo Andrade contestou a ilustração que dominava a capa do jornal na passada terça-feira, remetendo para a notícia da votação de uma moção de desconfiança ao governo no Parlamento italiano. Achou mais própria do ‘Inimigo Público’ a ‘caricatura’ em que Berlusconi aparece ‘comendo uma pizza com a mão direita e com um copo de vinho tinto na mão esquerda (…), com ar ligeiramente tocado e com o guardanapo sujo’. A directora do jornal, Bárbara Reis, responde: ‘Não vemos a ilustração como uma forma pouco séria de tratar a actualidade, pelo contrário. (…) O olhar do ilustrador é diferente do do repórter, do analista ou do fotógrafo. E essa diferença — que introduz surpresa e complexidade na leitura do mundo — é uma das forças da imprensa’.
Fugas novas, problemas velhos
A polémica que tem envolvido a publicação de notícias com origem na documentação diplomática norte-americana difundida pela Wikileaks suscitou interrogações de alguns leitores. Não sendo este o espaço próprio para debater outras questões importantes provocadas por esta gigantesca fuga de informação classificada, julgo que no plano estritamente jornalístico ela não levanta propriamente problemas novos. Torna apenas mais visíveis as escolhas clássicas que se impõem à imprensa de qualidade na sua função de assegurar o direito à informação, à luz do interesse público e da ética de responsabilidade que deve ser a sua.
Como provedor dos leitores deste jornal deixo apenas dois votos. Primeiro, que o PÚBLICO continue a reproduzir — e que o faça no respeito pelos valores referidos — as informações mais relevantes divulgadas pelos jornais de referência estrangeiros que tiveram acesso à correspondência diplomática dos EUA. Segundo, e mais importante, que o PÚBLICO faça todos os esforços possíveis para garantir a investigação própria, o desenvolvimento aprofundado e a contextualização crítica das informações distribuídas pela Wikileaks que envolvam Portugal, nomeadamente quando estas sejam ou aparentem ser contraditórias com posições públicas de representantes do Estado português e de instituições nacionais. E faço uma sugestão: que a edição on line do jornal disponibilize, para melhor esclarecimento dos leitores, a tradução dos despachos da embaixada dos EUA em Lisboa, e em especial de tudo o que neles se refere aos alegados voos de transporte ilegal de prisioneiros para e de Guantánamo.
Nesse domínio, em que o que está em causa e não pode ainda ter-se por cabalmente esclarecido é a cumplicidade ou não de autoridades portuguesas em operações que terão violado a lei internacional, creio dever apelar ao máximo rigor informativo. Na minha opinião, houve falta de atenção e rigor no editorial do PÚBLICO do passado dia 13, em que se estranha que a embaixada norte-americana tenha considerado (em 2007) que a alegada autorização do Governo português à passagem de ‘voos de repatriamento’ foi uma ‘decisão difícil’, pois nada de comprometedor existiria em ‘facilitar’ a libertação de ‘cidadãos detidos sem culpa formada’. O autor do editorial confundiu provavelmente os casos de libertação de prisioneiros de Guantánamo para países susceptíveis de lhes garantir segurança ou protecção (Portugal foi um deles, como se sabe), que são posteriores à mudança política operada em Washington pela administração Obama, com as anteriores operações de transferência de detidos para outras prisões ou do seu repatriamento para países onde a sua vida e integridade física poderiam estar ameaçadas.
A diferença das situações é óbvia e retira pertinência ao que se escreveu nesse espaço nobre do jornal. Este é um tema em que a qualidade jornalística se mede sobretudo pela capacidade de clarificar o que se apresenta como nebuloso ou opaco. Se, como se lia no editorial em causa, as informações com origem na Wikileaks sobre o envolvimento português no caso dos voos de Guantánamo ‘deixam ainda no ar pontas que devem ser esclarecidas’, deve salientar-se que cabe à imprensa portuguesa o esforço de procurar esclarecê-las. Cabe-lhe não desistir de buscar a verdade — para que cada leitor possa formar a sua opinião com conhecimento de causa.’