“A coluna Sobe e desce é um espaço dos mais sensíveis do jornal, pois tende a favorecer ou desfavorecer a imagem pública dos que diariamente escolhe como protagonistas — e neste caso pode falar-se de imagem em sentido próprio, já que os breves textos que a compõem são sempre acompanhados de uma pequena fotografia do rosto da personalidade referida. Acresce que a natureza desses textos oscila entre a descrição objectiva de um episódio (fulano perdeu ou ganhou uma eleição, por exemplo) e a apreciação subjectiva de um facto ou declaração. No segundo caso, essas notas, que não são assinadas, tenderão a ser lidas como representando a opinião editorial do jornal.
Aos sábados, esta coluna é replicada nas páginas de informação local, abrangendo temas noticiosos da semana anterior, o que pode tornar difícil aos leitores confrontar o que nela se escreve com as notícias que estão na origem das apreciações personalizadas — diferentemente do que sucede no Sobe e desce da última página, em que cada nota valorativa remete o leitor para uma notícia publicada nessa mesma edição.
Sejam mais ou menos subjectivos, o que tais apontamentos – marcados com setas dirigidas à reputação dos protagonistas – não podem deixar de respeitar são os factos em que se baseiam as apreciações efectuadas. Esta é uma matéria em que se exige especial cuidado para evitar erros, ou o agravamento dos que eventualmente tenham sido cometidos no plano da informação. Que nem sempre esse cuidado existe mostra-o a reclamação que recebi do leitor Hugo Meireles, alvo de uma ‘seta para baixo’ na edição Porto de 28 de Maio passado (Local, pág.25).
Classificava-se negativamente, na nota em questão, o facto de estarem a ser exigidos aos funcionários do novo hospital de Braga entre 26 a 40 euros por mês para utilizarem o parque de estacionamento da unidade. E atribuía-se a responsabilidade por essa medida — alvo de críticas na autarquia bracarense, que no entanto aprovou o regulamento que a prevê — à ‘administração presidida por Hugo Meireles’, cujo rosto aparecia sob a seta descendente. Acontece que a sociedade que gere o estacionamento e define o seu preço é uma entidade diferente da que dirige o estabelecimento de saúde. Quem o sublinha é o próprio visado no Sobe e desce, explicando que ‘a gestão do Hospital de Braga está entregue a três sociedades diferentes, uma que gere a actividade assistencial, designada por Sociedade Escala Braga’ (a que preside), ‘e outras duas, uma que construiu e gere o edifício e outra que gere os parques de estacionamento’. A sublinhar a distinção, Hugo Meireles assina a reclamação que me enviou com a extensa e algo arrevesada fórmula ‘Presidente da Comissão Executiva Hospital de Braga Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento’.
Nessa mensagem, diz que ‘não teria sido difícil (…) esclarecer este facto’, e queixa-se de que ‘não é (…) a primeira vez que nesta mesma coluna o [seu] nome e fotografia aparecem ligados a notícias sobre o Hospital de Braga, notícias sem fundamento quanto à [sua] responsabilidade nos factos noticiados’. ‘É muito desagradável ‘, comenta, ‘ver assim exposto o meu nome e fotografia em associação a notícias infundadas e que lesam a minha honra e imagem’.
Álvaro Vieira, editor do Local, reconhece que ‘o leitor tem razão’ e admite que o seu nome possa ter já sido anteriormente associado com menor rigor a outros factos relacionados com o hospital bracarense. Isto porque o erro agora detectado ‘decorreu do pressuposto de que Hugo Meireles, por ser o presidente da comissão executiva da Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento, era o responsável máximo de toda a instituição, tutelando inclusivamente a gestão dos seus parques de estacionamento’. Existindo na redacção do jornal essa ‘convicção errada’, aquele gestor (‘que o PÚBLICO já ouviu em várias ocasiões’) ‘tem sido apresentado como tal e ainda não tinha corrigido essa informação’. ‘Só agora’, nota o editor, ‘ficámos a saber que as três entidades de gestão do hospital de Braga estão ao mesmo nível em termos de poder e responsabilidade’.
Fica explicado o erro, que é compreensível e foi entretanto corrigido na secção O PÚBLICO errou da edição de 2 de Junho. Limito-me a notar que ele poderia ter sido evitado se tivesse existido a preocupação de confrontar o ‘presidente da Comissão Executiva Hospital de Braga Sociedade Escala Braga, Entidade Gestora do Estabelecimento’, na sua pressuposta qualidade de ‘responsável máximo da de toda a instituição’, com as noticiadas críticas da autarquia bracarense à política de preços do estacionamento hospitalar.
O Sobe e Desce, escreve Álvaro Vieira, ‘é um espaço de opinião editorial, ao qual não se impõe nem convém o confronto prévio com os visados. Impõe-se, sim, o conhecimento dos factos e circunstâncias sobre os quais se formulam juízos, e foi a esse nível que errámos’. Nada a objectar à doutrina. Mas é precisamente porque os visados não são ouvidos sobre o juízo a que são sujeitos que os leitores têm de poder confiar, sem margem para dúvidas, no ‘conhecimento dos factos’ por parte de quem escreve esses pequenos textos opinativos. Tal como deverão esperar, naturalmente, que a sua redacção seja confiada a quem alie a um desejável espírito crítico e de atenção cívica a maturidade, equilíbrio e bom senso exigíveis a quem têm o poder de influir — sem assinar o que escreve — sobre a reputação dos outros.
O caso do comentador demasiado rápida
A coexistência de edições na Internet e em papel é ainda suficientemente recente para ser causa de alguns equívocos. E nem sempre os responsáveis editoriais têm o cuidado necessário para os evitar.
No passado dia 4 de Junho, uma notícia saída na página 20 da edição impressa dava conta do estado das negociações entre a TAP e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, visando a eventual suspensão, entretanto conseguida, da anunciada greve de protesto contra o ‘emagrecimento’ das tripulações nos voos da companhia. Era acompanhada por uma ‘caixa’ em que se revelava que uma empresa concorrente — a Ryanair — enviara um ramo de rosas aos sindicalistas, agradecendo-lhes a anunciada greve na TAP. Uma imagem provavelmente concebida para reforçar essa pouco canónica operação de marketing da low cost irlandesa mostrava dois funcionários segurando, sorridentes, as rosas oferecidas aos potenciais grevistas.
Na página 38 da mesma edição — no espaço intitulado Comentários online, que passou a ser publicado junto às Cartas à Directora —, um leitor de nome José comentava criticamente a atitude da companhia irlandesa e sugeria que ‘esses sorridentes modelos ou não trabalham para a Ryanair ou amanhã são despedidos por dá cá aquela palha, precisamente porque não têm sindicato (nem podem, ou não os contratam)’. A seguir à palavra ‘modelos’ foi inserida uma indicação editorial, entre parênteses rectos, remetendo para a fotografia publicada na página 20.
O leitor Hernâni Beltrão manifestou a sua perplexidade pelo facto de tal comentário ter sido ‘publicado no mesmo dia em que é publicada a notícia a que se refere’. ‘Como pode o senhor José’, interroga-se, ‘ler a notícia, saber o número da página, enviar o e-mail e conseguir que ele seja publicado nesse mesmo jornal? O senhor José deve ser muito rápido e muito poderoso. Ou será que faz parte dos quadros do PÚBLICO?’.
Os leitores mais familiarizados com as diferentes edições do PÚBLICO já terão compreendido o que se passou. A notícia de 4 de Junho, referindo o que era classificado como ‘acção de charme’ da Ryanair ‘para se promover junto dos passageiros que têm reservas na TAP’, fora já divulgada na véspera no Público Online, vindo a ser recuperada para acompanhar, na edição impressa, o relato sobre o estado das negociações entre a TAP e o sindicato dos tripulantes. Junto a todas as notícias da edição na Internet há um espaço próprio para acolher comentários dos leitores, e foi esse espaço que José utilizou, logo no dia 3 de Junho, para criticar a Ryanair. Diariamente, dois ou três desses comentários on line são escolhidos por um editor de fecho para figurar na edição em papel do dia seguinte, e foi o que aconteceu neste caso com o texto de José.
Mas a verdade é que os leitores não têm obrigação de saber tudo isto, nem de reconhecer o código gráfico que lhes permitiria concluir que a remissão para a página 20, colocada entre parênteses rectos, não seria da responsabilidade do comentador. Sérgio Aníbal, editor de Economia, explica que essa referência foi certamente ‘acrescentada pelo editor de fecho, para que os leitores pudessem compreender melhor o comentário’. É claro que se essa remissão para a fotografia dos ‘sorridentes modelos’ tivesse esclarecido que se tratava de uma imagem anteriormente publicada na edição on line se teria evitado o equívoco: não há comentadores tão rápidos que possam pronunciar-se sobre notícias que ainda não puderam ler.”