A maioria dos jornalistas com quem trabalhei tem uma aversão reflexiva em relação a interagir com leitores. Eles obedecem à opinião de que editores e repórteres têm um sentido mais treinado para escolher as matérias mais importantes e quais os assuntos que merecem mais atenção. Esperar que eles levem em consideração as opiniões dos leitores no momento de tomar essas decisões jornalísticas seria semelhante a pedir a um artista que produza uma obra de arte para agradar ao gosto de um benfeitor.
Manter alguma distância dos leitores funcionou bem durante o último século do fazer jornalístico. Agora, entretanto, quando a era monopolística do impresso vem dando lugar a uma disparada cada vez mais rápida do digital, a relação entre as redações e suas audiências passa por um período de evidentes mudanças. A liderança, no New York Times, que passa por uma mudança em relação à prática do passado, tem por objetivo produzir algo de que os consumidores participem mais na criação.
Mais do que a maioria das organizações jornalísticas, o Times amarrou seu futuro à construção de uma audiência fiel que voltará constantemente e pagará pelo privilégio de fazê-lo. Esses leitores contribuem com mais da metade da receita total do Times, o que é quase inédito para um jornal com uma audiência maciça. A meta é duplicar a receita digital nos próximos cinco anos e os dedicados leitores são fundamentais para atingi-la. Isso significa que, ao invés de simplesmente procurar aumentar o número de acessos – embora o jornal também tenha começado a fazê-lo –, o Times espera tornar seu conteúdo suficientemente único e dependente para fazer de seus visitantes, assinantes.
O Times está profundamente consciente de que os leitores são seu ativo mais valorizado. Porém, como mostrou um recente relatório de estratégia, a empresa tem que ser muito mais agressiva em sua política de alcançar uma audiência mais ampla e se adaptar a novas preferências. Susan Chira, subeditora executiva que ajudou uma comissão interna a examinar essa questão, disse-me que são poucas as prioridades mais importantes. “Se não fizermos isso, não há nada que possamos fazer”, disse ela. “Temos que ter uma audiência mais ampla para financiar aquilo que fazemos.”
A redação é distante das pessoas a quem serve
Se o plano é envolver uma audiência mais ampla, então o que é que o Times está fazendo para que isso aconteça? Eu só cheguei na semana passada, mas a partir das conversas que tive com as lideranças e com a base, é evidente que há um longo trecho de estrada entre a meta e a realidade de hoje.
Vejam-se, por exemplo, os comentários dos leitores sobre as matérias. Poderia dizer-se que essa é a maneira mais elementar pela qual o Times pode deixar sua audiência se envolver. No entanto, somente cerca de 10% dos artigos de qualquer dia da semana permitem comentários. Embora venha sendo feito um esforço importante para melhorar isso, sua adoção vem sendo impedida por vários obstáculos, inclusive outras prioridades da redação.
E apesar da necessidade de trazer a audiência para mais perto, apenas um pequeno número das pessoas da equipe de redação dedica uma parte de seu dia às preocupações dos leitores. Além da equipe de comentários, há uma editoria encarregada de correções que trata frequentemente com leitores. Há o editor das cartas, cuja equipe se envolve com leitores que têm tendência a ser mais velhos. Há a equipe da audiência que, entre outras funções importantes, monitora o comportamento dos usuários nas plataformas sociais. E há a sala do ouvidor – eu, a partir de semana passada, e meu assistente, Evan Gershkovich. É mais ou menos isso.
É lógico que para compreender os leitores há algo mais do que editores que interagem diariamente com eles. Contudo, o pequeno número de pessoas da equipe que trata do consumidor é revelador de um problema maior: uma redação demasiado distante das pessoas a quem serve.
“Tem que haver uma mudança cultural”
O que o Times e a maioria das outras redações fazem não é tanto ouvir os leitores como observá-los e analisá-los, como peixes num aquário. Elas os veem como um todo, através de estatísticas que medem quantos milhões de usuários de visita única clicaram no conteúdo durante o mês passado, ou quantos assistiram a um vídeo ou visitaram o site múltiplas vezes, ou se vieram através do Facebook.
O que poderia ser mais produtivo seria as redações tratarem suas audiências como pessoas com informações fundamentais para transmitir – preferências, hábitos, trocando maneiras de consumir informação. O que elas gostam daquilo que fazemos e como o fazemos? O que elas querem que seja feito de outra maneira? Por que elas procuram outros sites?
Se tivéssemos ouvido as audiências com mais cuidado, e há mais tempo, teríamos sabido que nossos leitores estavam usando fones de ouvido para notícias enquanto nós estávamos voltados para monitores. E passavam horas nas plataformas sociais antes que nós encarregássemos “equipes de audiência” de os atrair. Ou começavam a bloquear anúncios enquanto nós instalávamos pop-ups que ocupavam as telas dos usuários.
Ben French, vice-presidente do setor de produtos no Times, foi co-presidente, com Susan Chira, da comissão que foi formada no ano passado com o objetivo de ajudar a redação a fazer a transição para uma mentalidade mais voltada para a audiência. Os editores de algumas seções, como Alimentação e TV, já estão criando novos produtos com base, em parte, no que aprenderam sobre os interesses e o comportamento de seus leitores. “Se o nosso negócio for ser baseado em assinantes, tem que haver uma mudança cultural”, disse-me Ben French.
Incorporar ideias dos leitores
Um desafio será fazer mudanças no Times que não afugentem os atuais assinantes, mas que ainda possam atrair assinantes em potencial, principalmente jovens com mais de 15 anos. Os leitores jovens, por exemplo, querem ter a sensação de estar próximos àquilo que está acontecendo. Querem uma relação dinâmica que pareça mais uma conversa entre o jornalista e o leitor – e também apreciam um pouco de leviandade misturada às notícias.
O jornal já deu alguns passos significativos nessa direção. Mas a adaptação à mudança de preferência do leitor pode não ser fácil para o Times, um nome que é sinônimo de confiança e qualidade, mas também de peso e de um humor amordaçado. Afinal, o jornal ainda se mantém fiel ao uso de pronomes honoríficos (senhor, senhora, senhorita) antes do sobrenome das pessoas, um anacronismo que pode destoar das preferências dos leitores modernos.
No mês de maio, Dean Baquet, o editor-executivo, disse à redação que a maneira pela qual o Times narra as matérias iria mudar. “Menos matérias serão feitas ‘só para registro’”, disse ele. “Na realidade, menos matérias tradicionais serão feitas, no geral. O tom das matérias será mais relaxado.”
Agora, a comissão de audiência vem passando pelos vários departamentos da redação e levando o que aprendeu pelo caminho. Para ser bem-sucedida talvez tenha que fazer um trabalho de conversão, no estilo religioso, para convencer 1.300 jornalistas que aquilo que não era prioritário na era do impresso agora é crucial.
Espero que sejam bem-sucedidos, pois eu sou uma das convertidas. Deixei de acreditar que ouvir os leitores leva a um jornalismo simplificado, se o trabalho for bem feito. Pense em pioneiros como Jon Stewart [comediante, ator, escritor e produtor norte-americano. É conhecido por ter sido o apresentador do programa The Daily Show de 1999 a 2015], que se poderia chamar um jornalista que criou sua marca e uma nova maneira de dar as notícias. Sua inteligência e brilho mordazes permitiram-lhe transmitir, por meio de uma brincadeira divertida, o que dúzias de repórteres não conseguiam através de matérias bem-comportadas. A audiência tinha uma necessidade e Stewart encontrou uma maneira de preenchê-la.
Não me preocupo se o Times for longe demais ao incorporar ideias dos leitores, nem acho que seja imprudente fazê-lo. Preocupa-me que não vá suficientemente longe.
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Liz Spayd é ombudsman do New York Times