Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Luciana Brafman


‘A Petrobras decidiu renovar os contratos com as agências de propaganda Duda Mendonça & Associados, Quê e F/Nazca, pelo prazo máximo de um ano, até que a licitação para a contratação de novas agências seja concluída. A decisão foi informada por nota da estatal ontem à noite.


Apesar de o fato ter sido divulgado ontem, há algum tempo as três agências já vêm produzindo as campanhas da estatal que serão veiculadas em janeiro, segundo fontes do mercado publicitário.


A principal polêmica quanto à renovação tem como foco o contrato com a Duda Mendonça & Associados. O contrato da agência com o Planalto não foi renovado em agosto em decorrência da crise política e do envolvimento de Duda Mendonça em esquema de caixa dois. O publicitário foi responsável pela campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e, após a eleição de 2002, passou a cuidar da imagem do governo e da do presidente Lula.


Com outras duas agências, Duda detinha a conta da extinta Secom (Secretaria de Comunicação de Governo), hoje Subsecretaria de Comunicação Institucional.


Depois que o publicitário admitiu, em depoimento à CPI dos Correios, ter recebido cerca de R$ 10 milhões em uma offshore nas Bahamas por campanhas do PT, o Planalto considerou incompatível que Duda continuasse a tratar da imagem do governo.


Além disso, há suspeitas de que Duda já tivesse recebido dinheiro no exterior em 1998, de campanhas feitas para o ex-prefeito de Paulo Maluf (PP) e o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB).


Circula no mercado publicitário que a decisão da Petrobras pela renovação parcial -os contratos poderiam ter sido renovados sem quaisquer ressalvas por até dois anos- foi tomada para dar uma satisfação à opinião pública quanto à permanência da agência de Duda. Ainda que parcial, a renovação se fez necessária porque a Petrobras não conseguiu abrir a licitação em outubro, a tempo de concluí-la para o próximo ano.


A renovação parcial foi decidida por causa do ‘longo prazo exigido por licitações desse gênero’, segundo a nota. ‘Os procedimentos do processo licitatório para a contratação de agências de publicidade encontram-se em andamento’, diz o texto. Os contratos poderão ser encerrados antes do prazo de um ano.


Contratos


As três agências atendem a Petrobras desde dezembro de 2003 e os contratos atuais vencem no próximo dia 4, domingo.


Segundo a assessoria da Petrobras, o assunto não foi discutido na reunião semanal de diretoria, que ocorreu anteontem. A estatal não informou, porém, quando nem como se deu a decisão.


A Petrobras também não respondeu ao pedido de informações da Folha sobre a renovação dos contratos, com a divulgação dos valores que cada empresa receberá. Foram feitos cinco contatos telefônicos, além do envio de e-mail à assessoria da empresa.


As três agências vencedoras da licitação de 2003 receberam, cada uma, 25% do orçamento publicitário da Petrobras, o correspondente a R$ 63 milhões. Os 25% restantes do orçamento a estatal usa como quiser durante a validade dos contratos, à medida que surjam campanhas extras. De acordo com a empresa, esse valor excedente foi distribuído igualmente entre as três agências ao longo dos últimos dois anos.’



Maria Lima e Isabel Braga


‘‘Já cumpri meu papel na política’’, copyright O Globo, 2/12/05


‘Horas depois de ter o mandato cassado por 293 votos a 192 na madrugada de ontem, o deputado José Dirceu (PT-SP) reapareceu na Câmara bem-humorado para dizer que já cumpriu seu papel na política, que não pretende voltar ao governo e que seguramente cometeu erros, mas nenhum que o desonre. Disse estar vivendo um momento de extrema dor, como se tivesse perdido a própria vida, mas se negou a nomear os que assistiram à sua queda sem tentar impedi-la. Foi formal ao falar do presidente Lula, disse que não quer guardar mágoas nem rancor, mas num desabafo disse que nos piores momentos alguns agiram com sordidez e covardia.


– Com a minha experiência não alimento muitas ilusões sobre personagens que brilham na política brasileira. Se não tive ilusões, não tive desilusões. Sou eternamente grato aos milhares de brasileiros que comigo se solidarizaram. Prefiro pensar e olhar mais em quem esteve ao meu lado. Teve momentos em que tive dúvidas se iria resistir ao dia seguinte. Nesses momentos alguns se comportaram entre a sordidez e a covardia, mas fui à guerra, e já vi coisas piores – disse.


O futuro agora será como advogado. Para reforçar o caixa, se dedicará ao livro sobre os 30 meses na Casa Civil, que, disse, não será chapa-branca. Contará o que estiver dentro do limite, sem entrar em segredos de Estado. Sobre o futuro dos companheiros petistas que estão na lista da degola, fora da entrevista coletiva ele disse não ter dúvidas de que o seguirão em breve:


– Serão todos cassados!


‘Sou só o Zé Dirceu, e me sinto bem’


Irônico e mordaz, Dirceu fez piadas e insinuações não concluídas como quando disse que se fosse presidente do PT ‘isso (as investigações nas CPIs) seria bem diferente’. Depois disse que havia cometido um excesso verbal. Perguntado se o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, resiste, disse que a oposição está tentando desestabilizá-lo há tempos, e deixou no ar frase sobre denúncias.


– Resiste, espero que sim. As denúncias contra o ministro são… não, não vou falar.


Sobre a votação que lhe cassou o mandato por 293 votos, classificou de um erro gravíssimo, mas legitimo:


– Perdi meu mandato e isso não é pouca coisa. Foi uma violência! Estou me sentindo como se tivesse perdido a própria vida! É uma dor que ninguém pode imaginar, mas espero ter forças para superar.


Sobre a tese de tirar dos parlamentares e transferir do Parlamento para o STF o poder de cassação, ele disse que já tentou fazer essa discussão. A idéia é suspender o mandato até o julgamento no Supremo. Se inocentado, o parlamentar reassume.


Um dos únicos momentos em que o ex-deputado se incomodou foi ao ser perguntado se estava sustentando o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Muito irritado, disse que não tem condições financeiras para isso e defendeu o ex-tesoureiro com veemência.


– Isso é desrespeito! Isso é uma ofensa à minha honra! Não tenho dinheiro nem para pagar a pensão das minhas filhas na semana que vem! O Delúbio é um homem simples e não houve enriquecimento pessoal ilícito. Eu não estou podendo me sustentar muito menos sustentar o Delúbio!


A promessa de que continuará militando se cumpre hoje num ato de apoio a João Paulo Cunha (PT-SP) em Osasco. Disse que é zero a chance de voltar ao governo:


– Vou defender o que seria um programa para um segundo mandato do presidente Lula.


O tempo todo Dirceu disse que sua cassação foi política, e que não aceita que ela passe para a História como o resultado de corrupção.


– Arrependo-me de muitas coisas, minha vida sempre foi um risco. Vou começar do zero, já fiz isso na vida. Fui cassado pelas minhas qualidades, pelo que fiz no PT e no governo.


Dirceu brincou, evitou polêmicas e frisou que é um homem comum:


– Sou apenas o Zé Dirceu. E me sinto muito bem como Zé Dirceu… O que me resta a não ser o bom humor?


Alguns trechos da entrevista:


LULA:’Quero reiterar meu agradecimento ao presidente Lula, que disse a todo o país, com a responsabilidade do presidente da República, que eu era inocente e que não havia provas contra mim.’


CASSAÇÃO:’A cassação sem provas foi um erro gravíssimo (…) mas respeito a decisão da Câmara porque teria a mesma legitimidade da minha absolvição. (…) Lamento que a Câmara tenha feito uma cassação política.’


APOSENTADORIA DA CÂMARA: ‘Aposentadoria para quê? Sou novo, tenho 59 anos, vou trabalhar!’


LIVRO DE MEMÓRIAS: ‘ Será para ajudar o Brasil a repensar o Estado.’


MENSALÃO: ‘Se se provar que existiu mensalão eu aceito, mas ninguém provou.’


CORRUPÇÃO:’Não fui cassado por corrupção, não sou corrupto, e tenho as mãos limpas. Quero ser investigado até o final, mas foi uma cassação política.’


APENAS O ZÉ: ‘Sou ex-presidente do PT, ex-ministro, ex-deputado. Hoje sou apenas o Zé Dirceu (…) Não me sinto nessa posição de vítima, tem coisa muito mais grave acontecendo no país.’


POLÍTICA:’Não vou deixar de fazer política. Hoje mesmo estou fazendo, já conversei com muita gente, recebi muita gente. A única questão é que não sou mais deputado.’


RECURSO AO STF:’Se houver qualquer falha no processo, meus advogados me comunicarão, analisarei do ponto de vista jurídico, mas não tenho ânimo de ir ao STF.’


VOLTA AO GOVERNO: ‘A chance é zero, não tenho intenção de voltar ao governo. E nem sei se alguém tem intenção de me convidar.’


PROJETO DE PODER: ‘Já cumpri meu papel na política. Não volto ao passado, olho sempre para a frente. (…) Vou continuar fazendo política com muita paixão, com muita fé, a única coisa que me restou.’’



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‘Imprensa na linha de tiro do ex-deputado’, copyright O Globo, 2/12/05


‘O ex-deputado José Dirceu dedicou um bom trecho de sua entrevista para acusar parte da imprensa de agir com parcialidade, tomar partido e fazer denúncias vazias. Dirceu disse que pretende fazer esse debate na internet, talvez criando um site, porque, para ele, há órgãos da imprensa que agem como partido político.


– Quero disputar com a imprensa porque parte dela está como partido político no Brasil. É bom que comecem mesmo a fazer editorial, que assumam. Acredito que a opinião pública vai começar a se dar conta disso e o jornal vai perder credibilidade – disse.


O principal ataque foi feito em resposta a um jornalista da ‘Folha de S.Paulo’, que citou a existência, no passado, de uma aliança do PT com a imprensa e o Ministério Público para fazer denúncias aos governos de então. O jornalista perguntou se Dirceu não estaria colhendo agora o que plantou.


O ex-deputado negou que tenha estimulado a imprensa a fazer esse tipo de investigação mas fez também um mea-culpa: admitiu ter errado na relação com os jornalistas nos 30 meses em que esteve à frente da Casa Civil. Disse que a imprensa tem direito de investigar e denunciar, mas não pode fazer denúncias evasivas, construindo cenários.


– Não diria que a imprensa não deve expressar suas opiniões para seus leitores nem deixar de fazer investigações. Mas existe uma fronteira para onde começa a disputa política que a imprensa participa ou a construção de denúncias irresponsáveis e vazias – disse Dirceu. – A imprensa não teve cuidado em alguns casos.


Centrando seus ataques à revista ‘Veja’ e ao âncora da TV Record, Bóris Casoy, o petista deu como exemplo o repasse de R$ 50 mil do valerioduto vinculado a ele por ter tido, como primeiro destinatário, um amigo seu, Roberto Marques.


– No caso Roberto Marques, vem a ‘Veja’ e diz que o dinheiro foi repassado para o senhor José Carlos Mazzano e depois para o Roberto Marques. Não tem provas, não tem nada, mas fala, afirma e repete. O que a ‘Veja’ faz e repete mostra que uma coisa é denúncia… O comentário do Boris Casoy depois que saiu a notícia do Supremo sobre a minha pessoa… Ele tem o direito de fazer e eu tenho direito de dizer que é uma coisa irresponsável.


E acrescentou:


– No Brasil há donos de imprensa, há interesses econômicos. A imprensa não é neutra, tem os seus problemas, as suas dívidas. Temos que começar a discutir isso abertamente. Sempre cobro: a imprensa publica sobre mim, quero ter o direito de responder.


Por fim, reconheceu que teve direito de resposta na imprensa e admitiu que o usou menos do que lhe foi oferecido. Por estratégia:


– Não estou dizendo que não estou tendo (direito de defesa), até deixei de usar em determinado momento como estratégia de defesa.


Em resposta a Dirceu, Boris casoy afirmou:


– Não vejo qualidades morais nele para me criticar.


Procurado, o diretor de Redação da ‘Veja’, Eurípedes Alcântara, estava em fechamento.’



O Estado de S. Paulo


‘O fim do drama de José Dirceu ‘, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 2/12/05


‘Há três aspectos a ressaltar na cassação do deputado José Dirceu – a mais estrepitosa punição imposta pelo Legislativo a um detentor de mandato popular desde o impeachment de Collor. O primeiro foi o comportamento do governo. Por determinação do presidente Lula, que não conseguiu que Dirceu renunciasse para impedir a anunciada abertura de processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara, agora os operadores do Planalto apenas simularam socorrer o arquiteto político da sua eleição, na quarta tentativa, e o controlador-geral da sua administração durante 30 meses. A rigor, só o vice José Alencar trabalhou para salvar o mandato do ex-ministro.


Lula lavou as mãos certo de que a saída de Dirceu do proscênio apressará o fim da crise do mensalão, que ameaça menos o seu mandato do que a sua reeleição – objetivo que persegue obsessivamente desde que vestiu a faixa presidencial e cuja conquista se tornou duvidosa. Lula sempre disse que lhe parte o coração demitir velhos companheiros de luta que levou para o Ministério. Mas as chances de José Dirceu permanecer no Ministério se esgotaram quando Lula percebeu que sua permanência poria em risco o projeto do segundo mandato. Essa foi a lógica da ‘omissão de socorro’ que contribuiu para o resultado de quarta-feira. Quanto antes fosse sacrificado – do que talvez não escapasse no voto secreto dos seus pares, mesmo se outra fosse a conduta de Lula – tanto mais fácil ficaria dissociar a figura do presidente e a imagem de sua administração do maior escândalo de corrupção de que se teve notícia no País.


O que conduz ao segundo dos três aspectos mencionados. Não é de descartar a hipótese de que, supondo aplacada a demanda da sociedade pela punição dos parceiros de lambança – afinal, a cassação de um José Dirceu não é propriamente trivial, e também o réu confesso Roberto Jefferson foi guilhotinado -, os políticos se sintam à vontade para poupar da mesma sorte os peixes menos graúdos fisgados pelas CPIs e entregues ao Conselho de Ética.


Pior ainda, o efeito boi de piranha poderá arrefecer o ânimo de se ir ao fundo da questão do envolvimento do governo – do que ninguém duvida – na instalação e operação do valerioduto. Essa, sim, a pizza mais indigesta que poderá resultar do meio ano de denúncias e depoimentos que já começam a cansar a opinião pública.


O foco das apurações se concentraria nas malfeitorias dos homens de que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, se fez cercar quando prefeito de Ribeirão Preto – um dos quais o acusa de ter feito o seu caixa 2 – , suspeitos de participar de ilicitudes posteriores, relacionadas aos negócios da Caixa Econômica Federal com a multinacional Gtech e aos dinheiros de Cuba e de Angola.


O terceiro aspecto da cassação de Dirceu – que, na mais caridosa das hipóteses, permitiu que acontecesse o que aconteceu, pois só se fosse outra pessoa, em outro lugar, com outra trajetória e com outros planos de nada saberia, como alega – abarca companheiros dele, como, entre outros, o próprio Palocci e Celso Daniel, o prefeito de Santo André que, se vivo estivesse, coordenaria o programa de governo de Lula (o que Palocci acabou fazendo). O traço de união entre esses e demais hierarcas petistas é o que se poderia chamar a ética dos justos – justos, bem entendido, na sua auto-avaliação ideológica.


Tudo que se veio a saber dos usos e costumes do PT no poder, em qualquer de seus níveis, mostra que os companheiros em posições executivas se guiavam pelo velho princípio revolucionário de que os fins justificam os meios – mesmo tendo eles próprios ajudado a arquivar a meta de uma parte dos fundadores da sigla, de destruir a desprezada ordem democrática e burguesa.


Os defensores da via eleitoral para a tomada do poder, embora vitoriosos desde logo internamente, permaneceram fiéis à concepção ideológica da subordinação do Estado ao Partido e ao dogma revolucionário – os fins justificam os meios – que legitima a corrupção política e administrativa.


Eis a gênese das extorsões praticadas nas administrações petistas, do largo uso de ‘recursos não contabilizados’ na campanha presidencial de 2002, de tudo que o termo mensalão engloba – e, ao fim e ao cabo, da cassação de José Dirceu, fulminado pelo mesmo sistema de que se aproveitou pelos meios mais condenáveis.’



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Mea-culpa com jornalistas acaba em críticas à mídia ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 2/12/05


‘O ex-deputado José Dirceu (PT-SP) admitiu ontem que sua relação com os meios de comunicação durante os 30 meses em que foi ministro da Casa Civil foi muito complicada: ‘Não posso avaliar o governo, mas errei muito.’ Dirceu só concedia entrevistas em trânsito, quando participava de alguma solenidade. O governo, como um todo, adotou uma atitude fechada.


Ao mesmo tempo, o ex-ministro criticou os meios de comunicação. Disse que seria bom para a democracia que os jornais assumissem suas posições políticas, mas nos editoriais, não nas reportagens. ‘A imprensa tem o direito de investigar. Mas não pode tomar partido. Parte da imprensa no Brasil está fazendo política.’


Dirceu disse que um jornal pediu sua cassação, em editorial. Isso, para ele, é assumir uma posição correta, clara, transparente.


Por fim, afirmou que, pessoalmente, não tem críticas. ‘Sempre tive direito de resposta. Às vezes nem utilizei todos, porque era minha estratégia.’ Ele se queixou de Boris Casoy, apresentador do Jornal da Record, por ter apoiado o escritor Yves Hublet, que atacou Dirceu com uma bengala. ‘O comentário foi irresponsável.’’



Folha de S. Paulo


‘O Sacrifício De Dirceu’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 2/12/05


‘A cassação do mandato do deputado José Dirceu é um item relevante da conta paga pelo governo petista para defender o presidente da República de acusações que pudessem desaguar na abertura de um processo de impeachment. Se coube ao ex-tesoureiro Delúbio Soares assumir a responsabilidade operacional pelos desvios cometidos, foi reservado a Dirceu o papel de arcar com a responsabilidade política.


A diferença é que o primeiro se declarou culpado, embora tenha procurado limitar as ilicitudes ao uso de recursos de caixa dois, enquanto o segundo negou a drenagem de dinheiro público e a distribuição sistemática de verbas a legendas e parlamentares aliados. E o fez para não admitir indiretamente a montagem, como disse, de ‘um esquema de corrupção no país autorizado ou por delegação do presidente’.


Pode-se inferir da declaração que o ex-ministro consideraria ainda mais inverossímil o ‘eu não sabia’ de Lula se ele próprio, Dirceu, admitisse conhecimento ou participação no esquema. A Câmara, porém, entendeu que o ex-deputado estava a par das movimentações de Delúbio Soares e do operador Marcos Valério, sem o que os parlamentares não poderiam -ou não deveriam- ter cassado seus direitos políticos.


É essa também a convicção desta Folha, que já havia declarado ser favorável à punição de Dirceu e manifestado, neste espaço, a opinião de que o presidente Lula poderia não saber dos detalhes, mas dificilmente desconheceria por inteiro as gravíssimas situações que foram reveladas à sociedade brasileira.


Com efeito, o presidente tem contado com a boa vontade da oposição que, por conveniência e cálculo político, preferiu evitar um confronto direto, contentando-se em punir o ex-segundo homem do governo.


José Dirceu deixa a cena depois de ter-se defendido com obstinação, dentro das regras democráticas. A decisão da Câmara não encerra a crise, embora possa representar um ponto de inflexão em sua dinâmica. É cedo para afirmar. Fica, depois de tudo, a sensação de que o sacrifício de Dirceu apequenou ainda mais a dimensão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.’



MOTTA vs. CEF


Nelson Motta


‘Caixa baixa ‘, copyright Folha de S. Paulo, 2/12/05


‘Em patética tentativa de justificar os juros injustificáveis que cobra em seus empréstimos a aposentados, a Caixa Econômica afirmou que são de apenas 2% ao mês e que são menores que os das financeiras e dos agiotas (‘Painel do Leitor’, 26/11). Ah, bom. Faltou dizer que são muito maiores que os das Casas Bahia.


Mas é pior: a Caixa mentiu. Basta ir ao seu site e está lá, oficial: para um empréstimo de R$ 500, a Caixa cobra 3,52% ao mês, 51,46% ao ano. Só no Brasil alguém pode usar os obscenos juros oficiais para dizer que é justo e meritório cobrar ‘apenas’ 51,46% ao ano de pensionistas com desconto em folha de pagamento, risco zero. Mais lucro e menos risco do que vender muamba.


Os juros no Brasil são exorbitantes, entre outras coisas, pelo risco que os investidores correm ao negociar com brasileiros. Principalmente governos. Quanto maior o risco, maiores os juros, não é preciso ser especialista para saber. A eles pergunta-se apenas qual o custo operacional de fazer um desconto numa folha de pagamento e transferi-lo para um banco e qual o risco da operação? Será que isso justifica recuperar em um ano mais da metade do montante emprestado? Para gastar em publicidade? Funcionários? Comissões? Não é muito capital para pouco trabalho? Ou o inverso?


A Caixa se orgulha de ter emprestado R$ 2,8 bilhões. Então devia se envergonhar de ter tomado, em um ano, cerca de R$ 1,45 bilhões (51,46%) de clientes risco-zero que precisam desesperadamente de R$ 500. Dizem que é uma política de governo de empréstimos sociais, que estão ajudando os pobres. É demagogia. No atual modelo, estão explorando.


Quem ganha R$ 500 por mês e pede a mesma quantia emprestada, em um ano terá passado 15 dias de sua vida trabalhando oito horas por dia só para pagar os juros de sua dívida. E a Caixa se orgulha disso.’