A última vez que o mundo da publicidade fez parte de uma série de TV de sucesso mundial, a atividade servia apenas como um ingênuo coadjuvante para as piadas envolvendo o relacionamento entre uma bruxa e um mortal. A única semelhança entre A Feiticeira, clássico dos anos 60, e Mad Men, em cartaz nas TVs do mundo, é que a primeira foi ao ar no período histórico retratado pela segunda. O esforço da recriação de uma era inteira, em seus mínimos detalhes, só acrescenta méritos ao programa criado pelo americano Matthew Weiner que, em quatro temporadas, já ganhou dezenas de prêmios Emmy (o Oscar televisivo) – dois deles de melhor série dramática.
Provavelmente desde Família Soprano (1999-2007), também criada por Weiner, não se via um seriado de TV com tamanho potencial de culto. Mas Mad Men conseguiu ir além das vitórias nas pesquisas de audiência do programa estrelado por mafiosos. Embora protagonizada por um publicitário que não é exatamente um poço de virtudes e ambientada nos bastidores de uma indústria de visual sofisticado, porém cheia de intrigas, o sucesso de Mad Men repercute nas ruas: marcas como Banana Republic e Gap criaram linhas de roupas inspiradas nos figurinos do seriado; a Mattel, a fabricante da Barbie, lançou linha de bonecos baseados nos personagens do programa, incluindo o Don Draper e Roger Sterling, os sócios da fictícia agência Sterling Cooper.
Rejeitada pelos canais a cabo HBO e Showtime antes de cair nas mãos dos executivos da AMC, Mad Men é um raro caso de projeto órfão transformado em prodígio comercial e artístico. Quando a quarta temporada da série estreou na TV americana em 2010 (no Brasil, onde é exibida pela HBO, foi ao ar entre março e junho e será reprisada a partir de novembro), o New York Times voltou a se referir a ela como “um fenômeno cultural como só Família Soprano conseguiu ser”. “Mad Men continua a confundir as expectativas dos espectadores. As referências culturais dos anos 60 tornam-se cada vez mais familiares, mas seus personagens mantêm uma estranheza indescritível”, comentou o jornal americano.
Temporada difícil
A popularidade do programa rendeu dividendos inestimáveis a todos os integrantes do programa, mas foi particularmente recompensadora para Jon Hamm, que encarna o misterioso, sexy e talentoso Donald Draper. Depois de anos batalhando por um lugar ao sol na indústria audiovisual americana, fazendo papéis inexpressivos um atrás do outro, de repente o ator foi alçado ao posto de sex symbol e astro de Hollywood à beira dos 40 anos de idade. “Mad Men me abriu portas que não imaginava. O sucesso da série me permitiu, por exemplo, fazer Friends with Kids, meu primeiro longa como produtor”, disse ao Valoro interprete do publicitário infiel mais amado pelas donas de casa do planeta, durante o Festival de Cannes.
Quando a primeira temporada foi ao ar, em 2007, Mad Men foi vista, à princípio, como espécie de “ficção científica” sobre os anos 60. Embrulhada naquela elegância visual de penteados, móveis, roupas e carros falava sobre certos tipos de comportamento abolidos das regras de convivência de nossos dias, como beber durante o expediente, fumar na gravidez, manifestar sentimentos racistas e incentivar misoginia no ambiente de trabalho. Muito do sucesso da série é creditada a essa combinação de beleza estética e nostalgia desconfortável. “Uma das coisas mais interessantes do programa é que ele é estiloso, cool e, ao mesmo tempo, evoca um período recente que é distante o suficiente para ser percebido como passado, mas muito moderno em certos aspectos”, disse Hamm.
A série continua a ganhar adeptos por explorar contrastes gritantes entre aparência e conteúdo. O programa descreve a indústria da publicidade como ambiente excitante e sofisticado, porém dominando por executivos machistas e conservadores e que buscam o êxito a qualquer preço. Encravada na Madison avenue, um dos endereços mais chiques de Nova York, a agência Sterling Cooper é o centro gravitacional de uma trama que se pretende modelo de determinada fase da indústria publicitária, que também funciona como reflexo da sociedade da época. Algumas práticas e processos de trabalho da área, às vezes, podem parecer fantasiosos, mas dão ideia de como certa classe de americanos pensava e agia naquela década.
Diferenças de estilo à parte, Mad Men promete ser o Dinastia deste inicio de século, com reviravoltas de todo tipo. No início, a agência Sterling Cooper era uma das mais bem-sucedidas no mercado (muitos dos clientes da empresa fictícia são anunciantes do programa). Ao fim da terceira temporada, a agência é desmantelada e Don Draper abre uma companhia publicitária mais modesta e sem grandes clientes. Durante toda a quarta temporada, o protagonista é abandonado pela mulher, sofre com a morte de pessoas próximas e grandes prejuízos financeiros. “A última temporada foi muito difícil para mim, como ator, do ponto de vista emocional. Espero que a próxima seja menos massacrante para Draper”, afirmou Hamm.