Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Manuel Pinto

‘A associação ambientalista Campo Aberto, do Porto, criticou o JN de forma contundente, numa carta enviada ao provedor do leitor. O motivo foram duas notícias. Numa delas, um artista plástico residente na Noruega, amigo da floresta da serra algarvia, oferecia uma pedra semi-preciosa por cada carvalho semeado pelos alunos das escolas de Monchique, recorrendo, embora, a uma espécie não típica daquela região. Noutra, um comerciante de Beja teria aproveitado a recente quadra de frio para fazer negócio com lenha de azinheiras, uma espécie protegida no nosso país, ‘e cujo abate prefigura crime’. Há oito dias, numa primeira abordagem desta matéria, ficou já claro que, no caso de Monchique, se tratava, afinal, na altura da notícia, de uma experiência num viveiro municipal; e que, no caso do comerciante de lenha, o abate das árvores não configuraria qualquer tipo de ilegalidade.

Ficou igualmente claro que os esclarecimentos dados da parte da Redacção permitiram fazer uma ideia mais completa do alcance das notícias difundidas, sendo que deveria caber ao jornal continuar a acompanhar os desenvolvimentos entretanto registados no respeitante à primeira notícia.

Acontece que a Campo Aberto aproveitava a mensagem ao provedor para tecer considerações sobre o jornalismo relativo às questões ambientais, que importa analisar. Resumirei as considerações daquela associação nos seguintes pontos 1) existe uma ‘manifesta impreparação da Imprensa para abordar temas de ambiente’; 2) essa impreparação leva a valorizar factos que indiciam crimes, por vezes ‘sob uma forma sensacionalista’, em vez de denunciar esses crimes; 3) tal denúncia ‘caberia a uma imprensa que se espera pedagógica e formadora e não contribuinte para o caos geral em que se encontra o nosso país em matéria ambiental’; 4) por todas estas razões, ‘é necessária uma mais eficaz formação dos jornalistas e um maior controlo das notícias por parte dos responsáveis pelas redacções, para que não se repitam casos destes’.

Sobre a alegada impreparação jornalística, talvez seja necessário ir mais além deste tipo de juízos generalizadores. Há jornalistas que se ocupam e preocupam com o acompanhamento dos problemas ambientais. Vale a pena recordar que, já em 2005, os cerca de 30 jornalistas que, em Portugal, se dedicam a questões de ciência e ambiente fundaram a ARCA – Associação de Repórteres de Ciência e Ambiente, a qual começou a dar os primeiros passos numa actividade de chamada de atenção para o lugar e dificuldade deste tipo de jornalismo. Não deixa de ser sintomático que, há uma semana, no mesmo dia em que esta coluna foi publicada, dois desses jornalistas que se dedicam a matérias de ambiente, reconheciam, no Público, as dificuldades inerentes a este campo específico a complexidade dos problemas, a especificidade da linguagem, o tempo necessário para a investigação. Mas também se alertava aí para uma inversão de tendência preocupante: ao contrário do que se passou no início da década de 90, em que foram os media a alertar o público para os problemas ambientais, agora estaria a registar-se resistência à investigação e divulgação de assuntos desse campo dentro dos próprios media.

No caso das notícias criticadas pela associação Campo Aberto não parece justo sugerir que o JN tenha beneficiado os infractores. Contudo, os alertas lançados ajudam os jornalistas a apurar o seu sentido crítico, em ordem a ver o que pode estar por detrás de uma história aparentemente inofensiva. E, a este propósito, há que dizer, que, no ciclo da produção jornalística, o processo não termina com a publicação das notícias, mas com a sua recepção. Ou seja, o conhecimento dos factos pelos leitores é o culminar de um processo de construção de sentido que só se completa com o que ocorre do lado dos leitores com tudo aquilo que esse conhecimento evoca, problematiza e desencadeia. Em muitos casos, as notícias não ‘morrem’ nos leitores; desencadeiam novos factos e, por vezes, novas notícias ou comentários, ou seja, um novo ciclo de vida. Foi, também agora, o caso.

Mas será que a função social e educativa que a imprensa sempre tem, tanto para o bem ou para o mal, passa por silenciar certos factos ou por subordinar os factos à lógica da denúncia, como sugere a Campo Aberto? Não creio. A responsabilidade social do JN e dos media passa, antes de tudo, por, de forma independente, seleccionar, preparar e difundir informação de interesse público, que seja relevante, verdadeira e tratada com rigor e equilíbrio. A publicitação já é, por si mesma, uma forma de denúncia e um motivo potenciador da acção de todos nós. Como cidadãos, não nos podemos contentar com a parte desempenhada pelos media. Essa é apenas uma parte da acção social que nos cabe a todos.

A complexidade e exigência do trabalho jornalístico – que exige uma formação permanente e diversificada – joga-se, em cada dia, na escolha dos assuntos, no profissionalismo com que os trata, no destaque que lhes confere, na perspicácia com que detecta e enuncia as contradições e interesses em jogo. Quanto mais rico for este trabalho, mais elementos se colocam do lado do público para uma adequada compreensão dos assuntos e fundamentada decisão de agir, se for caso disso.

O ALCANCE DA NOTÍCIA SÓ SE CONSUMA DO LADO DO LEITOR’