Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Manuel Pinto

‘Direitos dos animais: com ou sem ‘rodeios’?’, copyright Jornal de Notícias, 29/8/04

‘Foram vários os leitores que se queixaram ao provedor por erros cometidos pelo jornal. Todos são lamentáveis, mas alguns são graves e exigem não apenas a correcção, como o pedido de desculpas. É o caso de um leitor de Felgueiras, cujo nome omito por razões que adiante se tornarão óbvias. Num anúncio publicado em meados deste mês, na secção ‘Relax’, foi fornecido um número errado de telefone que levou a que tivesse sido importunado quem não tinha nada com o assunto. A responsabilidade terá sido do anunciante, que, entretanto, corrigiu o erro.

Por sua vez, a Associação dos Amigos de António Nobre (ANTO), sedeada em Vila Meã, lamentou igualmente que o JN de 5 deste mês publicasse alguns lapsos sobre a vida de Cármen Miranda. O ano de nascimento terá sido 1909 e não 1914 e tinha, quando faleceu, 46 anos e não 41. Lembra ainda que o patrono da Associação nasceu não em 7, mas em 16 de Agosto, segundo a certidão que diz possuir. E acrescenta este comentário. ‘Se não houver cuidado nas notícias, com investigações permanentes, os vindouros serão enganados, como nós temos sido’.

Finalmente, o leitor António Carvalho, do Porto, contactou por e-mail o provedor, apresentando uma série de reparos de natureza diversa sobre aquilo que considera ser uma ‘flagrante falta de imparcialidade’ do jornal. Para exemplificar o que escreve, deu-se ao trabalho de analisar o JN do dia 31 de Julho passado. Escreve: ‘Na capa temos um título ‘Pedidos de falência estão a aumentar’, enquanto na pág. 14 temos: ‘Menos empresas falidas’. Em que ficamos? Claro que ‘tecnicamente’ podem até arranjar-se justificações para ambas as ‘verdades’ mas porque é que foi chamado para a capa o pior cenário? Aliás, a novidade e que implicava uma chamada de primeira página eraexactamente a oposta, pois o ‘anormal’ era as falências estarem a diminuir. Mas isso parece não interessar ao JN’.

Ainda no mesmo dia, o mesmo leitor refere outro caso: ‘Na página 6, aparece uma foto com a legenda: ‘A escolha de Daniel Sanches caiu mal na ASPP’. Quando se verifica, porém, que a receptividade foi positiva nas outras duas organizações sindicais do sector (SPP e SNOP), ‘seria muito mais lógico afirmar o contrário numa chamada de foto, indo ao encontro da maioria das organizações do sector (duas em três). Mas não, o JN privilegiou uma que tem uma cor política clara. Porquê? E porque é que só aparecem as opiniões do PCP (e não de outros partidos) em vários artigos como, por exemplo, na página 27 (Incêndios) e na página 24 (C.M.Gaia)?’.

Para tudo isto, o leitor só vê uma explicação: ‘o JN parece arranjar todas as oportunidades para ser parcial em favor do PCP (ou das suas ideias) e faz deturpar a verdade para induzir o leitor em erro’.

Pequeno anúncio publicitário causa indignação dos leitores. Mas não se trata de matéria editorial

Dizia eu, há quatro semanas atrás, que o período de férias do provedor não significava que os canais de comunicação com ele fossem também eles de férias. E muitos foram os leitores que levaram a observação à letra. Só por causa de um pequeno anúncio, foram cerca de 50 as mensagens recebidas, todas por correio electrónico, a esmagadora maioria oriundas de mulheres. O caso bate todos os recordes: em primeiro lugar, porque, desde que assumi funções, nenhum outro motivo dera origem a tantas reacções e protestos. E, em segundo lugar, porque a parte feminina da audiência do JN, que tem reclamado ou, simplesmente, comentado pouco o conteúdo do jornal, desta vez reagiu em peso.

Qual o motivo de tão significativo protesto? O facto de o jornal ter aparecido associado a um ‘rodeio’ promovido na Praça de Touros da Póvoa de Varzim, entre 12 e 15 deste mês de Agosto.

Vamos por partes. O que é, afinal, um ‘rodeio’? A associação ‘Animal’, que organizou uma campanha de protesto contra a iniciativa da Póvoa de Varzim, dá estas manifestações como originárias da América Latina, e designadamente do Brasil, caracterizando-as como ‘uma actividade lúdica que consiste em violentar bovinos e equinos em supostas exibições de valentia dos cowboys’. O motivo da sensibilidade de muitas pessoas – e da consequente contestação – é análogo ao dos espectáculos tauromáquicos. Reagem contra o facto de os touros, cavalos e outros animais serem submetidos a ‘sofrimento físico’, mas ‘também psíquico e emocional’, bem como ao ‘medo, stress e angústia’. ‘Tortura de animais’, ‘espectáculo degradante’, ‘vergonha civilizacional’ são alguns dos epítetos aplicados a este tipo de realizações.

O problema tornou-se também do JN, quando o jornal apareceu a oferecer bilhetes a quem aparecesse na sua sede com a edição do dia. Um anúncio publicado vários dias seguidos, sempre na página de Cultura, apresentado como ‘Passatempo JN’ brindava os leitores com 24 bilhetes diários para o ‘II Rodeo Country Bulls’ da Póvoa.

Primeira nota: como é evidente, as cinquenta mensagens recebidas pelo provedor tinham praticamente todas o mesmo texto, o que indicia uma campanha organizada. Tal como já tive ocasião de referir noutra oportunidade, o facto não retira importância ao protesto e julgo mesmo que carecemos, em Portugal, de movimentos organizados e sérios, de defesa de causas legítimas e socialmente relevantes.

Segunda nota: não nos encontramos perante matéria editorial, que dependa da respectiva Direcção ou dos jornalistas do JN. Isso mesmo frisou, em mensagem enviada ao provedor, o director de Redacção, José Leite Pereira. Não houve uma notícia, sequer uma chamada de atenção para a iniciativa. E aqui cabe um reparo à maioria das mensagens recebidas que, ao aludirem à colocação do anúncio na página de Cultura, sugeriam que a respectiva editoria pudesse ter responsabilidades no caso. Não é assim.

Trata-se, por isso, de matéria que está fora da alçada do provedor? Aí entendo que a questão é mais complexa. É verdade que as competências do provedor dizem respeito fundamentalmente ao conteúdo do jornal que emana da sua Redacção. Mas, ao mesmo tempo, não pode ser indiferente a quem a dirige, o que pensam, sentem e dizem os seus leitores. Ora, para quem compra e para quem lê um jornal diário, cada edição é um todo que compreende as notícias, a opinião, as cartas dos leitores e, em grande medida, a publicidade, sem descurar o modo como todo o conteúdo é organizado e apresentado. Todas estas componentes concorrem, embora de modo diverso, para essa imagem de conjunto que o JN construiu e diariamente alimenta de forma activa.

A motivação para os protestos de tantas leitoras e de alguns leitores prende-se com dois aspectos ligados àquilo que designam por ‘bárbaro rodeio brasileiro’: a sua ‘brutalidade’ e a sua alegada ‘ilegalidade’.

Todos recordamos as fortíssimas polémicas que em anos recentes o caso de Barrancos suscitou nos media. Todos sabemos que o assunto é complexo, confrontando-se uma crescente sensibilidade pública relativamente aos direitos dos animais com a afirmação de aspectos ligados às tradições e identidades locais (que no caso aqui em apreço nem sequer existem, como uma das leitoras muito justamente salienta). Não é este o espaço adequado para debater o problema. Mas nada disto pode ser indiferente ao jornal, enquanto instituição que acompanha, de forma atenta e crítica, a vida da sociedade e o evoluir das sensibilidades públicas, incluindo os conflitos de concepções e pontos de vista. E a forma que tem para o fazer – e que é, ao mesmo tempo, o contributo específico que pode dar na matéria – é tratar jornalisticamente assuntos como o ‘rodeio’ da Póvoa de Varzim.

Queixas de leitores

Leitoras dão corpo ao maior protesto apresentado ao Provedor’