‘Os norte-americanos vão votar no próximo dia 2 de Novembro para eleger ou George W. Bush ou John F. Kerry. Os resultados das sondagens apontam para um combate renhido e sem desfecho claramente recortado. No centro dos debates estão as questões internas do emprego e das políticas sociais e fiscais, mas, sobretudo, a estratégia seguida pela actual administração da Casa Branca para combater o terrorismo, especialmente com a situação criada no Iraque pós-Saddam Hussein.
A repercussão destas eleições no cenário internacional é evidente. E seria preciso recuar bastante para encontrar um tão vivo interesse em tantos países pelo desfecho do escrutínio nos Estados Unidos da América (EUA). Não é vulgar ver um jornal como ‘Le Monde’ traduzir e transcrever em suplemento um debate televisivo entre Bush e Kerry ou encontrar em alguns dos mais destacados diários de qualidade do planeta várias páginas de estudos e dados sobre a visão dos respectivos países acerca da política e da economia dos EUA. Existe, na verdade, a percepção de que o que se decidir dentro de 15 dias naquele país terá reflexos por todo o lado.
A Direcção do ‘Jornal de Notícias’ entendeu que estas eleições presidenciais mereciam ‘uma atenção particular’. E o plano desenhado passou por, um mês antes do acto eleitoral, o jornal passar a inserir duas ou três páginas especiais, graficamente diferenciadas, dedicadas ao tema. Além do correspondente em Nova Iorque, Argemiro Ferreira, foram destacados três enviados especiais para cobrir, em momentos diferentes, a campanha e a votação no palco dos acontecimentos. Alfredo Leite, director adjunto do JN aproveitou a ida aos Estados Unidos para receber um prémio de grafismo atribuído ao jornal e deslocou-se em reportagem à Costa Oeste e Rhode Island. O editor da secção Mundo, Elmano Madail, está desde há dias no estado do Texas, de onde Bush é originário, e, finalmente, o director adjunto David Pontes, reportará na recta final da campanha, a partir da Florida, que foi a zona mais problemática nas eleições de há quatro anos. ‘Optamos por enviar três jornalistas para, dessa forma, termos sempre um olhar renovado sobre esta disputa eleitoral’, explica David Pontes.
A ideia do plano traçado, segundo este director adjunto, ‘era que os enviados aproveitassem os motivos de reportagem que fossem encontrando, dessem enquadramento a alguns momentos especiais (por exemplo, os debates) e aproveitassem para tratar com reportagem alguns dos temas que consideramos essenciais das eleições (desemprego, Iraque, sistema de saúde, etc)’. ‘Optámos por enviar três jornalistas para, dessa forma, termos sempre um olhar renovado sobre esta disputa eleitoral’, acrescenta ainda.
Os jornalistas que trabalham a partir da redacção o noticiário internacional, bem como os de outras secções do jornal, complementarão este esforço, o que tem já transparecido nas edições das duas últimas semanas.
A apresentação de quadros político-geográficos de cada um dos estados; a divulgação de dados que permitam a comparação com o resto do Mundo; a evolução dos dados das sondagens; retratos da América; entrevistas com elementos da comunidade portuguesa; e perfis dos candidatos – são dimensões do acompanhamento que começou a ser feito e que vai continuar. Sem esquecer o aprofundamento de alguns dos temas centrais mais debatidos na campanha, especialmente aqueles que revestem significado no panorama internacional, do ponto de vista político-económico e diplomático.
Ou seja, sendo uma cobertura de um processo que tem os seus momentos altos – os debates televisivos e o próprio acto eleitoral, nomeadamente –, foi pensada como um continuum e como uma totalidade. Sendo, por outro lado, um trabalho que tem de ter os seus pivôs, mobiliza toda uma equipa desdobrada no terreno e na redacção, exigindo, por isso, uma coordenação eficaz, cujos resultados só no final poderão ser devidamente avaliados.
Na comparação com o que foi a cobertura do JN há quatro anos, quando os dois principais candidatos eram Bush e Al Gore, os leitores ficam claramente a ganhar.
Os Estados Unidos da América constituem um país imenso e diverso (293 milhões de habitantes, mais de 9,5 milhões de quilómetros quadrados, maior do que o Brasil, com comunidades étnicas em crescimento, desigualdades acentuadas). Num país desta envergadura dificilmente um repórter poderia dar uma visão de conjunto quer das dimensões mais estruturais quer das múltiplas idiossincrasias. Seria necessário um novo Alexis de Tocqueville que, com tempo, fosse ver o que significa hoje a ‘Democracia na América’. É um facto que os EUA dispõem de uma cobertura mediática infinitamente mais intensa do que qualquer outro país do Mundo. Mas não é menos certo que essa cobertura se centra excessivamente em matérias político-militares e demasiado pouco na vida do cidadão comum, das comunidades locais, das práticas culturais, das visões do mundo dos norte-americanos, da convivência entre grupos étnicos, do modo como se organizam e participam socialmente e como se expressam culturalmente. Não se pode dizer que o JN tenha colocado a fasquia tão alto, ao lançar o foco da atenção sobre o país, a propósito do próximo acto eleitoral. Mas a preocupação tem estado presente. Falta, talvez, uma maior atenção à análise, por parte de especialistas conhecedores da realidade actual e da história daquele país.
O leitor Domingos Alves escreveu ao provedor dizendo que ‘os responsáveis pela feitura do JN deveriam informar os leitores (…) sobre as razões que os levam a não dar notícia das acções e actividades do PCP e da CDU’. E, pegando no caso da cobertura da campanha eleitoral nas regiões autónomas, concretiza: ‘No jornal de 10 de Outubro, no que às eleições da Madeira e dos Açores diz respeito, os leitores ficaram com a sensação de que a CDU não concorre nas Ilhas’.
O mesmo leitor vê aqui caso grave e deliberado, quando avisa: ‘Digam em definitivo o que os move, quem os move ou por quem se movem para perdermos as ilusões e deixarmos de comprar o JN’.
Responde o director-adjunto do jornal, David Pontes:
‘Na cobertura do noticiário, quer da Madeira quer dos Açores, tentamos dar destaque a todos os partidos, embora nem todos tenham a mesma relevância diariamente. Há dias em que há acções de campanha mais importantes de um ou de outro e outros dias em que um dos partidos não tem iniciativas. Acresce que nos Açores há limitações relacionadas com o facto de o arquipélago ser composto por nove ilhas e não ser viável estar em todas ao mesmo tempo. Há ainda a referir que nesta campanha para as regionais, as agendas partidárias são muito irregulares. Posto isto, o leitor poderia ter visto que na edição de dia 12, por exemplo, na Madeira só falamos da CDU e que na edição de dia 13, por exemplo, damos quase meia página à CDU dos Açores. Poderia dar outros exemplos, mas julgo que estas duas edições são suficientes para mostrar que nada nos move contra o PCP ou a CDU’.
A resposta é clara e razoável, mas o leitor não poderia ter visto as edições referidas, simplesmente porque escreveu o seu e-mail no dia 11 (e do qual dei conhecimento à Direcção nesse mesmo dia). Contudo, da parte do leitor também não se pode pretender que uma andorinha faça a Primavera. Na análise de um processo que se estende ao longo de quase duas semanas, a conclusão sobre o equilíbrio ou o enviesamento só pode ser tirada no fim da cobertura. Ainda que se possa compreender e apreciar uma ‘actuação preventiva’, de alerta, que exprime a preocupação de que o jornal e os seus jornalistas actuem com razoabilidade e sem marginalizar ninguém.
Conhecemos pouco a vida do cidadão comum norte-americano.’