Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Manuel Pinto

‘Uma regra de ouro do jornalismo manda que se atribuam as fontes da informação publicada. Ou seja, que se diga com a maior clareza possível qual a origem das notícias difundidas e quem assume responsabilidade do que é dito ou escrito. O motivo é simples: quanto maior for o grau de atribuição das fontes e a credibilidade destas, maior é também a credibilidade do próprio jornalismo. Na prática, as coisas são um pouco mais complicadas. E, em algumas circunstâncias, há informação que são claramente de interesse público, mas em que as fontes não querem ou não podem, sem riscos graves, ser trazidas para a luz do dia. Nesse caso, o jornalista e o jornal não devem divulgá-las sem confirmação em outra(s) fonte(s), independente(s) da primeira.

No passado dia 10, o ‘Jornal de Notícias’ publicou uma peça na secção de Política, que se estendia por duas páginas, com o título ‘Desconfiança dentro da coligação’ e o subtítulo ‘Saída de Marcelo agita PSD e volta partido contra o CDS’.

Lendo a peça, ficava-se a saber que ‘a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI deu bons argumentos aos críticos de Santana Lopes dentro do PSD para se distanciarem do actual Governo’, mas estaria também a ‘levantar os ânimos de muitos sociais-democratas contra o CDS-PP’. Que se passava, afinal? No dia anterior, ‘um destacado militante social-democrata’, em declarações ao JN, ‘não descartou a hipótese de pressões sobre os grupos de comunicação social `partirem das cúpulas do CDS´ e recordou que Paulo Portas sonha com uma comunicação social `menos hostil à direita´‘. ‘Por outro lado – acrescentava o texto – sociais-democratas contactados pelo JN crêem que o líder democrata-cristão tem cada vez maior influência no Governo. E a tese do desejo do CDS de criar um forte grupo de comunicação social que assumisse uma linha editorial próxima da direita e incluísse televisão, rádio, jornais e se perfilasse para a televisão digital terrestre e por cabo voltou a ser referida a propósito da ruptura de Marcelo com a TVI.’.Vejamos: se fosse verdade o que o JN revelava, ou seja, que as cúpulas do CDS-PP estavam a exercer pressões sobre grupos de comunicação social, o facto seria obviamente grave. Mas quem dá suporte e credibilidade ao que é divulgado? ‘Um destacado militante social-democrata’. Tecnicamente, a fonte é atribuída; na prática, é como se fosse uma fonte anónima. E o que afirma a fonte? Não afirma nada. Alvitra. Opina. Insinua. Repare-se no retorcido e sibilino da frase: ‘não descartou a hipótese de as pressões … partirem das cúpulas do CDS’. Diz sem dizer. E o jornal prestou-se a isto, dando destaque à peça.

O provedor não recebeu qualquer reacção ou queixa sobre a matéria por parte de nenhum dos partidos directamente visados, o que, em si mesmo, é susceptível de interpretações diversas, nenhuma delas especialmente exaltante. Apenas viu o assunto objecto de crítica azeda em dois weblogues, ambos de jornalistas. ‘Lê-se e não se acredita’ – dizia o ‘Ponto Media’, no dia seguinte.

A jornalista que assina a peça, confrontada com o trabalho publicado e as questões suscitadas pelo provedor, reconhece ter sido ‘de facto (…) difícil `construir´ a notícia’ e que teve ‘dúvidas em publicá-la, precisamente por temer estar a ser `o meio´ para a transmissão de um `recado´ dentro da coligação PSD/CDS-PP’. Reconhece igualmente ter aceite opiniões de uma fonte anónima, as quais, no contexto em que vieram a lume, se aproximam mais de insinuações.

O provedor aprecia a lisura com que a jornalista reconheceu quer as falhas apontadas quer a necessidade de ter mais presente o disposto no Código Deontológico dos Jornalistas (nomeadamente o seu ponto 6 que refere explicitamente que ‘as opiniões devem ser sempre atribuídas’).

A questão das fontes anónimas, nomeadamente no terreno da política, está longe de ser um fenómeno novo, como já em meados de Julho aqui se escreveu. Não defendo a posição, que tenho por fundamentalista, de pura e simplesmente banir o recurso a fontes anónimas. Há circunstâncias excepcionais em que pode ser necessário recorrer a elas. Mas é necessário instituir uma cultura de exigência face às fontes, que consiste em manifestar-se relutante em aceitar o anonimato. Importa ter a noção de que, como salientou, em Fevereiro deste ano, o jornal norte-americano ‘Washington Post’, numa definição de regras sobre esta matéria, ao recorrer às fontes anónimas o jornal está a pedir aos leitores um patamar superior de confiança relativamente à consistência da informação que lhes está a proporcionar.

O JN terá certamente uma definição mais clara do modo de actuar neste campo, com o livro de estilo que se anuncia. Mas isso não obsta a que seja vigilante (e actuante) em face das ‘jogadas’ de fontes interessadas em manipular os media. A ‘notícia’ referida parece ter sido um desses casos.

Existe um abuso no recurso a fontes anónimas.’