‘O provedor do leitor levou, esta semana, uma zurzidela (de palavras, entenda–se!) por parte do editor de Desporto deste jornal. A coluna de domingo passado, acerca da cobertura do jogo Benfica–F.C.Porto e do célebre lance de Petit, provocou ‘surpresa e até desilusão’ a Francisco J. Marques que nunca pensou, e cito as suas palavras, ‘que o provedor de um qualquer jornal, quanto mais do JN, pudesse assinar uma coluna com tantos erros de avaliação’.
Já respondi directamente ao jornalista, dizendo duas coisas muito simples: o provedor não pode estar acima da crítica e está, naturalmente, sujeito a cometer erros; por outro lado, criticar a opção editorial num caso concreto é muito diverso de pôr em causa o trabalho e a dignidade profissional dos jornalistas e a credibilidade do jornal. Vejamos, então, o libelo.
O editor de Desporto do JN considera que o provedor ‘está profundamente enganado’, quando entende que a principal peça que dá conta do jogo em causa, na edição do dia 19 de Outubro, vincula o jornal e não apenas o jornalista que a escreveu. A dita peça dizia, preto no branco, por quatro vezes, que ao Benfica havia sido sonegado um golo que lhe daria o empate, em vez da derrota. ‘Nenhum jornalista vincula o jornal quando escreve uma crónica de futebol’ – contrapõe o editor.
Permita–me, Francisco J. Marques, que discorde e que explique porquê. Admita que um leitor deste jornal tenha chegado por qualquer circunstância à segunda–feira a seguir ao jogo sem saber como ele decorrera e tenha comprado o JN. Ficaria com a ideia de que, por uma decisão errada’ do árbitro, o resultado final deveria ter sido o empate. A afirmação do erro do árbitro é tão categórica e nunca posta em dúvida em qualquer outro sítio que não deixa outra hipótese ao leitor senão confiar que o jornal – não apenas o jornalista – está a escrever a verdade. De resto, deixe que lhe diga que me parece criticável que, tendo–se tornado claro, logo no dia do jogo à noite, que a tal jogada era, no mínimo controversa, o jornal tenha vindo para a rua com a ‘certeza’ de que o árbitro errou, sem dizer mais nada sobre o assunto. Isto é um problema da editoria. Não da equipa de repórteres destacados para cobrir o acontecimento.
Insurge–se por eu não ter aprendido a sua lição de que ‘uma crónica de futebol não é uma reportagem, nem uma notícia’. A crónica jornalística é um género demasiado rico para ser etiquetado como mera opinião. Supõe uma margem de subjectividade, de colorido, de valoração e explicação. Mas não dispensa o esforço do rigor e do equilíbrio. É também isso que a credibiliza. Por conseguinte, eu não acho que o repórter que de forma reiterada defendeu que o árbitro errou não tenha direito à opinião. O que digo é que, do ponto de vista do leitor, que é aquele que os jornalistas por vezes esquecem, quando escrevem, eu tenho direito a saber, pelo menos, que houve controvérsia em torno de um lance tão decisivo. Não percebi, de resto, a que propósito é relevante, nesta matéria, a consulta, que diz ter feito, ao presidente do Sindicato dos Jornalistas. Mas, se tivesse sido seguido aquilo que ele diz ser costume fazer na cobertura deste tipo de jogos – ‘ao jornalista A marca–se a crónica do jogo, ao jornalista B a reportagem, ao jornalista C os altos e baixos’ – seria caso para perguntar: se o que foi publicado era uma crónica, onde esteve a reportagem do que se passou dentro das quatro linhas?
Francisco Marques também acha que ‘o JN não tinha nada que explicar aos leitores porque é que num dia disse que a bola tinha entrado e no outro dia [que] não tinha entrado’. ‘Estas opiniões vinculam apenas e só os seus autores’, escreve ele. Mas, vamos cá ver, o jornal é um mero espaço para opiniões particulares? Não há linha editorial, compromisso com os leitores? É em nome deste compromisso que eu defendo que, em casos destes, seria adequado explicar o sucedido e dar, até, uma ideia do modo como nesta secção se funciona.
É ainda do modo como se assume a relação com os leitores que se trata, quando o jornal como que brinca com o esforço que alguns leitores fizeram de contribuir para o esclarecimento e o debate da posição do jornal. Sobre o caso que lhe apresentei, de um leitor que não conheço, ele nem fazia muita questão em puxar pelos ‘galões’ do exercício feito sobre a imagem da jogada em questão. Apenas reforçava a ideia de que aquilo que para muita gente era, pelo menos, duvidoso, fosse, no JN, rotunda e inquebrantável certeza. Mas ao entrar no registo jocoso sobre esses contributos, o jornal só veio reforçar uma posição que manteve nos três dias e que o editor agora reitera, na carta que me enviou.
Dito isto, parece–me que seria mais proveitoso para todos que, em vez da lógica de defesa–ataque, debatêssemos os argumentos e aproveitássemos para contribuir para a melhoria do jornal e do jornalismo.
UM JORNALISMO PENSADO E FEITO A PARTIR DOS LEITORES.’