Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Manuel Pinto

‘No passado dia 1, a capa do JN tinha um ar festivo. Sob o fundo de uma grande fotografia em que se pode ver o presidente da República agitando uma luzente bandeira nacional, o jornal titulava, num corpo de letra de tamanho raro ‘Vamos a votos’. A notícia havia eclodido na véspera, pouco passava das 18.30. Não era possibilidade que não se aventasse, depois da surpreendente declaração de domingo, divulgada pelo ex-ministro Henrique Chaves, ao justificar por que se demitiu do cargo, assim como das destemperadas declarações do primeiro-ministro, uma vez divulgada a demissão do ministro.

Nesse mesmo dia 1, quarta-feira, este jornal explicava que a decisão de Jorge Sampaio havia sido tomada logo na segunda-feira, depois de ter recebido o primeiro-ministro e em função da análise que havia feito dos últimos quatro meses de governação. Teria sido um verdadeiro ‘furo’ se o JN tivesse conseguido obter aquilo que, até este momento, apenas podemos supor as circunstâncias e razões em que se fundamenta o presidente para accionar o processo da dissolução do Parlamento e a convocação de eleições legislativas antecipadas. Ora o que acontece é que estes factos são divulgados sem qualquer fonte atribuída, o que, manifestamente, lhes retira força.

Contudo, a mesma peça vai mais longe e coloca, vezes repetidas, afirmações entre aspas sem explicitar de quem são. Por exemplo diz o jornal que Jorge Sampaio concluiu que – e passa a citar – ‘o Governo não possuía as condições mínimas indispensáveis para continuar em funções’. Quem assume este tipo de afirmações? Ficamos sem saber.

Como se não bastasse este repisar num jornalismo político feito de afirmações não assumidas, de opiniões não atribuídas, quando não de meras conjecturas, aquilo que o JN diz no dia seguinte, quarta-feira, é exactamente o contrário do que tinha dito, com toda a convicção, na terça.

Vejamos na edição do dia 30 de Novembro, o título de primeira página relativo à crise política afirmava: ‘Sampaio força Santana a fazer mais do que mero ajuste de pastas’. Na página 3, o grande título completava esta ideia: ‘Presidente afasta cenário de eleições’. Alguém pode ter induzido o JN em erro. Isso pode acontecer sempre, mesmo quando se tomam todas as cautelas. Contudo, o que se verifica ao analisar o texto do artigo é o tom afirmativo, peremptório e, de novo, não apoiado em quaisquer fontes: ‘Jorge Sampaio desvalorizou o `terramoto´ causado pela carta de demissão de [Henrique] Chaves, preferindo devolver a palavra ao primeiro-ministro, forçando-o assim a apresentar uma solução que garanta a estabilidade e o regresso à normalidade do Governo no curto prazo’.

A certeza de quem escreve é tal que afirma, um pouco mais adiante, que a hipótese de eleições não era questão para o presidente e, a sê-lo para alguém, era para o primeiro-ministro ‘O JN sabe que Santana Lopes estaria disposto a tudo, inclusive eleições’.Os factos do mesmo dia encarregar-se-iam de desmentir todo este arrazoado.

Poder-se-á argumentar que as mudanças de posição, a terem existido, se verificaram no Palácio de Belém. É bem provável que os dias de segunda e terça-feira tenham conhecido movimentações de bastidores de que estamos ainda longe de ter adequada percepção em toda a sua amplitude. É também certo que, num primeiro momento, fonte da Presidência colocou a crise aberta pelo ministro Henrique Chaves como sendo ‘assunto da esfera das relações entre o Governo e o ministro que pede a demissão’ (cf. JN de segunda-feira, dia 29). Nada disto, porém, parece justificar o tom de certeza com que o jornal assevera, num dia, que Jorge Sampaio afasta o cenário das eleições, para vir a anunciar o contrário no dia seguinte. Num dia usam-se argumentos para uma versão; no dia seguinte, mudam-se os argumentos para justificar a versão contrária. A ponto de desdizer o anteriormente dito, quando se afirma, de novo sem suporte de fontes, que ‘a decisão presidencial não se deveu a qualquer exigência de uma remodelação governamental profunda ou à apresentação de um nome credível para o lugar de Henrique Chaves’ (cf edição do dia 1). Ou seja, exactamente o oposto do que se garantira na véspera.

Dir-se-á que é fácil a posição de quem analisa a posteriori o que aconteceu. A vertigem do dia-a-dia e as vicissitudes de uma crise política podem explicar muita coisa. Mas não podem justificar que se tome a possibilidade pela certeza, o rumor pela informação. Particularmente num quadro de crise, recomenda o bom senso que se aja com grande cautela e que se passem ao leitor os elementos essenciais que lhe permitam avaliar a consistência do que lê. O leitor tem direito a saber se o que se diz é verificado e seguro ou é, pelo contrário, provável. E tem direito a receber uma exlicação, quando o que se disse se revelou, afinal, uma informação errada.

Já na crise política de Junho-Julho passado havia alertado para algumas destas deficiências. Seria altura de o jornal rever os seus procedimentos nesta matéria e tomar medidas para limitar os ‘estragos’.

O leitor deve poder avaliar a consistência daquilo que lê.’