Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Manuel Pinto

‘Se a primeira página é a montra de um jornal, o título é a porta de entrada para o texto jornalístico. Por um título se ganha ou se perde um leitor. Não foi sempre assim, na história da imprensa e do jornalismo. Tempos houve em que bastava, por vezes, uma palavra ou a referência a um tema para dar o passo a um novo texto. Mais tarde, e até relativamente perto de nós, os títulos estendiam-se frequentemente por várias linhas, cada uma num corpo e até num tipo de letra diferente.

Hoje não é assim com a quantidade de assuntos que há para ler numa edição diária do Jornal de Notícias e com a concorrência acesa entre os vários órgãos, os títulos só ganham em ser sucintos, claros e apelativos. Devem dizer ao leitor de que se trata e atraí-lo à leitura. Mas bastarão esses atributos para que exista um bom título? Para responder, nada melhor do que considerar alguns casos, uns suscitados por leitores, outros pelo provedor (que também é para isso que existe).

No domingo passado, aparecia na secção de Política um título que despertou a curiosidade do leitor Américo Sousa ‘Portas garante que CDS vai voltar a ser Governo’. No dia seguinte, escrevia no seu blogue ‘Retórica e Argumentação’: ‘Surpreendido (apesar der tudo) com a arrojada afirmação do candidato, mergulhei no corpo da notícia para tentar perceber o contexto em que teria sido proferida. Mas qual contexto, qual quê? Leio uma, leio duas, leio três vezes a notícia-reportagem (?) e não é que constato que o homem, afinal, não disse nada do que o título lhe põe na boca? Eis o que de mais aproximado ao título afirmou Paulo Portas: `Há três anos, eu disse ao partido, vamos voltar ao Governo. Aconteceu. Hoje eu digo, no dia 20 vamos ficar acima dos 10%´. De onde se conclui que, ou este título do JN já tem três anos (que foi quando Portas fez tal afirmação) ou é completamente enganoso’. Um comentário compreensível daquele leitor: ‘Que jornalismo é este que, em matéria de precipitações e enganos, parece estar a concorrer com os candidatos?’.

Contactei de imediato a autora do texto, para ter alguma explicação ou comentário ao assunto. Sem sucesso.

Mas logo no dia seguinte qualquer leitor encontraria na mesma secção um texto a quatro colunas cujo motivo era a homilia de um sacerdote de Lisboa, transmitida pela Antena 1, na qual terá sugerido os partidos nos quais os católicos alegadamente não deveriam votar. Num esforço que deve ser assinalado de tratar o assunto com cuidado, o jornal foi ouvir o arcebispo de Braga, o qual remeteu para uma posição oficial da hierarquia que apontava para um apelo ao voto, e ‘em consciência’. Qual foi o título que foi colocado no artigo? ‘Igreja foi à campanha’. Mas desde quando um pároco representa a Igreja? E se o título se refere às declarações do arcebispo, importa considerar que é por iniciativa do jornal que ele presta declarações. Concluir, neste caso, que foi a Igreja que se intrometeu na disputa eleitoral soa, inevitavelmente, a forçar e empolar os factos.

Caso mais grave verificou-se na edição de 21 de Janeiro último, na secção de Polícia, relativamente a duas notícias relacionadas com violações. Fui alertado para o assunto numa tertúlia de café, em que o assunto foi objecto de comentário. Um dos textos estava intitulado deste modo, a toda a largura da página ‘Violou a filha de 15 anos e prostituiu uma deficiente’; em rodapé, ao fundo da página, outro título a cinco colunas: ‘Violador de jovem deficiente ficou em liberdade’. Nos dois casos os títulos não deixam margem para dúvidas: dão como certa a prática de actos repugnantes e atribuem-na a alguém em concreto, ainda que não nomeado. Lendo-se as respectivas notícias, o panorama é, apesar de tudo, menos seguro: no primeiro caso, diz que a Polícia Judiciária de Braga deteve, em Felgueiras, um homem de 47 anos, ‘suspeito’ de abusar sexualmente de uma das filhas, de 15 anos, e de ter forçado uma deficiente mental, de 23, a prostituir-se; no segundo caso, ocorrido em Alcobaça, um indivíduo foi detido por ‘recaírem sobre ele suspeitas da prática de um crime de violação’. Quem se limitou a ler os títulos, leu uma sentença; quem avançou nos primeiros parágrafos, verificou que só se podia falar de presunções. Aos jornalistas, que não são juízes, cabe-lhes informar, e não ajuizar. Também no caso em presença, o provedor lamenta que tenha tido de esperar por comentários dos autores e editor(es), que nunca chegaram. Em nome dos leitores lhes digo que espero que tal atitude não signifique menos sensibilidade pelo problema que aqui levanto.

Retomo a pergunta atrás formulada: bastará, então, que um título seja claro, conciso e chamativo? Não. Falta-lhe ainda ser também rigoroso. É que são raros os leitores que lêem o jornal de fio a pavio. A maior parte selecciona o que mais lhe interessa e, folheando o jornal, informa-se pelos títulos. Seguindo as ‘leis’ da expectativa e da relevância, é razoável esperar que os títulos digam o essencial do que está no texto e, sobretudo, que não digam o que lá não está.

Os títulos devem ser claros, concisos, chamativos e rigorosos’