Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcelo Beraba

‘É comum a Folha editar cartas no ‘Painel do Leitor’ com informações que fazem reparos às suas reportagens. Quando isso ocorre, o jornal pode ter três procedimentos distintos:

1 – confirma, por meio de nota no pé da carta, as informações que publicara;

2 – admite que houve erro e remete o leitor para uma nota na seção ‘Erramos’, na mesma página A3;

3 – ou simplesmente edita a carta com as contestações, mas sem resposta.

Este último procedimento dá margem a dúvidas. Se quem escreveu a carta está certo nas ponderações que faz, por que o jornal não admite o erro claramente? Se o jornal está certo, por que não responde confirmando os dados que considera corretos?

Carros oficiais

Um exemplo recente: o jornal publicou no sábado, dia 26, a reportagem ‘Governo gasta mais com carro oficial, e servidor dribla regras’ (pág. A4) em que informava que, em 2003 e 2004, ‘o Estado brasileiro aumentou em 35% os gastos com aluguel, compra e manutenção de carros oficiais’.

Ainda segundo a reportagem, esse crescimento não foi acompanhado de um controle maior do uso dos automóveis oficiais. Entre os exemplos que flagrou estava o carro do ministro das Comunicações que, segundo o jornal, circula com placa branca sem identificação do ministério.

Reportagem mais do que pertinente. Na quinta-feira, no entanto, o jornal publicou, no ‘Painel do Leitor’, duas cartas que contestavam informações da reportagem. Uma delas, do Ministério das Comunicações, explicava que a placa do Detran é normalmente coberta por outra de bronze que identifica o carro do ministro, e que esta placa só é retirada ‘quando o carro é levado à oficina para revisões mecânicas ou troca de óleo’.

Os jornalistas que fizeram a reportagem responderam que as fotos do carro sem a placa de identificação foram feitas no Congresso e no estacionamento do ministério, e desmontaram os argumentos da assessoria.

A outra carta, no entanto, ficou sem resposta. Enviada pelo Ministério do Planejamento, explicava que, ao contrário do que a reportagem dava a entender com as fotos e os casos citados de carros oficiais que circulam por Brasília, boa parte dos recursos gastos pelo governo em combustível foi com as Forças Armadas ‘em operações conjuntas de manutenção da paz e segurança pública no país e pelo seu envolvimento em operações internacionais de paz, tanto no Timor Leste como no Haiti’.

Segundo a nota, o aumento dos gastos na compra de veículos ocorreu nos ministérios da Defesa [para as operações citadas] e da Saúde [ambulâncias]. ‘Assim, o aumento (…) com combustíveis e com a aquisição de veículos verificado em 2004 não se refere, como faz entender a reportagem da Folha, aos carros oficiais para uso de servidores e dirigentes dos órgãos da administração pública federal, mas à elevação do nível de serviços prestados à sociedade.’

Ao ler a carta, concluí que o jornal falhara ao omitir esses dados na reportagem de sábado. Essa impressão ficou reforçada pela inexistência de qualquer comentário da Redação em relação à carta oficial. Questionei o ponto na Crítica Interna de quinta-feira. E recebi da repórter Julia Duailibi a explicação que reproduzo.

‘Não houve resposta ao Ministério do Planejamento porque a carta não questiona os dados da matéria. Apenas tenta justificar os gastos ao dizer que 75% do aumento deu-se com a aquisição de carros para ‘operações’ dos ministérios da Saúde e da Defesa com o objetivo de elevar ‘o nível de serviços prestados à sociedade’. Carros oficiais, segundo instrução normativa do próprio Planejamento, englobam veículos de representação [carros de ministros], veículos de serviço [transporte de servidores e em atividades externas de saúde pública e de fiscalização] e veículos das Forças Armadas [não os usados em combate, como dá a entender a carta do ministério]. Portanto a Folha não comete nenhum erro ao dizer que o Estado brasileiro aumentou em 35% os gastos com aluguel, compra e manutenção de carros oficiais. De resto, em nenhum momento é dito que o gasto todo foi com carros de uso privativo de ministros, por exemplo. Apenas diz que, enquanto o gasto em geral aumenta, a fiscalização do uso dos carros (e aí é citada inclusive uma Kombi de transporte em situação suspeita, e não só carros de ministros) não progride.’

O leitor atento

A política da Folha tem sido a de evitar responder a cartas para não ocupar o espaço do leitor. O jornal tenta restringir as respostas a casos excepcionais. Em vários momentos a falta de réplica sinaliza respeito a opiniões divergentes ou o reconhecimento a uma espécie de direito de resposta de quem foi objeto de reportagem. Há, portanto, um aspecto positivo nesta política.

Mas, em algumas ocasiões, como no exemplo que usei, fica claro que o jornal omitiu informações relevantes sobre o assunto. Ao não admiti-lo publicamente dá margem para a seguinte interpretação: o jornal errou (por omissão de informação), mas não quis se corrigir.

Foi esse tipo de dúvida que fez com que o leitor Pedro Eugênio Beneduzzi Leite escrevesse para o ombudsman a propósito de outro caso.

‘O ‘Painel do Leitor’ [do dia 22] traz duas mensagens referentes à matéria ‘Após apoiar PT, Trevisan ganha mercado’ e uma sobre ‘Educação Sexual’. Com relação à educação sexual, a jornalista responsável reafirma sua posição, para deixar claro que pesquisou e tratou o tema corretamente. E com relação às duas primeiras cartas? Nada! Isto é um verdadeiro absurdo, pois já que errou, e errou feio, deveria pedir desculpas públicas, pois certamente prejudicou a imagem da empresa em questão. A Folha precisa rever isto. Errar faz parte de qualquer profissão, mas reparar o mal causado é obrigação de quem erra.’

O erro apontado na reportagem da Folha pelas duas cartas foi corrigido no dia seguinte e enviei cópia do ‘Erramos’ para o leitor. Recebi dele nova mensagem que reproduzo porque acho que reflete o que pensam muitos leitores.

‘Esta é a questão. Acontece que, quando alguém contesta uma matéria e a reportagem tem razão (ou pensa ter!), a resposta vem logo abaixo: resposta do jornalista fulano de tal. (…) Quando é líquido e certo que errou ou que deu informação errada, só aparece a resposta do atingido. Não acho isto correto. Logo abaixo da resposta deveria vir um pedido de desculpas. No outro dia, às vezes uma semana de depois, na seção ‘Erramos’, não tem o mesmo impacto. E vocês sabem muito bem disso, tanto que, quando têm razão, reafirmam a posição na hora, certo? Continuarei atento.’

Voltarei ao assunto.’