Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘A crise política provocada pelas acusações de corrupção no governo federal e no Congresso -iniciada em maio, com a reportagem da ‘Veja’ sobre os Correios, e expandida, no início de junho, com a entrevista de Roberto Jefferson para a Folha- provocou a maior enxurrada de mensagens que este ombudsman já recebeu nos 14 meses de mandato.

Em junho do ano passado recebi 750 mensagens, a maior marca de um semestre que teve casos de repercussão como o de Waldomiro Diniz e o artigo de Larry Rother para o ‘New York Times’. No mês passado, foram 1.082, um crescimento de 44%.

Nem todas as mensagens tratavam da cobertura política, embora esse tenha sido o assunto principal. Houve, no semestre, mais participação do leitor em geral. Aumentou o número de e-mails com críticas (muitas), sugestões (algumas) e elogios (raros) para todas as editorias. Além do noticiário quente, esse crescimento deve ser atribuído à facilidade de comunicação que a internet proporciona.

No primeiro semestre do ano passado foram enviadas 3.477 mensagens para o ombudsman; no semestre que acaba de terminar foram 4.943, um crescimento de 42%. O balanço semestral mostra que o aumento foi contínuo, mês a mês, mas em junho bateu, pela primeira vez desde que assumi o cargo, a marca de mil mensagens.

O leitor que procura o ombudsman está, em geral, insatisfeito com o jornal. No caso da cobertura política, as queixas mais antigas e freqüentes vêm de leitores que estão certos de que o jornal protege o PSDB e está em campanha contra o PT. Esses são os dois partidos que disputam o poder nacionalmente e que têm como principais arenas o Estado e a cidade de São Paulo. Os e-mails que recebo refletem esse enfrentamento cada vez mais acirrado.

As queixas dos que acham o jornal ‘anti-PT’ ou ‘tucano’ são antigas e constantes. Com o fim da campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, as reclamações tinham se estabilizado em torno de 40 a 50 mensagens por mês dirigidas especificamente ao caderno Brasil. Em maio, por exemplo, foram 44 comentários críticos, mas, em junho, eles saltaram para 177, uma média de seis por dia.

Junho foi o mês do ‘mensalão’. A reação à publicação da entrevista com o deputado Roberto Jefferson, no dia 6 de junho, durou o mês inteiro. Para a maioria desses leitores, o jornal estava sendo ‘sensacionalista’, ‘parcial’ e ‘manipulador’, estava ‘prejulgando’ os acusados por Jefferson e participava de uma ‘campanha golpista’.

Muitos se identificaram como petistas e disseram claramente que não acreditavam nas informações que estavam sendo publicadas. Outros confessaram que estavam perplexos, que esperavam que tudo fosse investigado, mas que achavam que a Folha exagerava ao dar crédito às acusações de Jefferson.

As queixas de parcialidade também atingiram, com menos intensidade, a cobertura da administração de São Paulo editada em Cotidiano.

Em relação ao ‘mensalão’, também recebi, ao longo de junho, mensagens com sugestões de pautas investigativas, que foram encaminhadas à Redação, e 15 comentários de leitores que achavam que o jornal estava empenhado em proteger o governo Lula das denúncias de corrupção.

Uma observação. As críticas à cobertura do jornal diminuíram muito neste início de julho, provavelmente em razão dos novos fatos que atingiram em cheio a cúpula do PT e debilitaram ainda mais o governo.

Fora da política, os assuntos que mais provocaram queixas ou comentários críticos dos leitores foram a inauguração da nova loja da Daslu, as reportagens de Esporte sobre a parceria do Corinthians com a MSI e sobre a acusação de racismo que levou o jogador argentino Sábato para a prisão, a morte do papa João Paulo 2º e a eleição do novo pontífice e, como sempre, a cobertura dos conflitos no Oriente Médio.

O balanço comparativo dos primeiros semestres do ano passado e deste mostra uma participação crescente dos leitores na correção de erros do jornal. Nos primeiros seis meses do ano passado eles apontaram 249 erros; agora, foram 459. Este crescimento se deve, entre outras razões, ao fato de que estão sendo encaminhados para o ombudsman os erros da Folha apontados pelos leitores no serviço Folha Online.

‘Painel do Leitor’

O outro canal de comunicação com o jornal é o ‘Painel do Leitor’. Diferentemente do que ocorreu com o ombudsman, as cartas diminuíram do primeiro semestre do ano passado para o primeiro deste ano. O ‘Painel do Leitor’ recebeu 16.065 mensagens em 2004 e, agora, 15.440.

O governo Lula é o campeão de audiência (927 cartas), seguido de perto pelo ‘mensalão’ (920). Distantes estão a eleição do deputado Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara e outros assuntos relativos ao Congresso (534), bem como a morte do papa João Paulo 2º (247).

O aproveitamento das cartas é muito baixo e, neste ano, ainda houve uma queda em relação ao ano passado. No primeiro semestre de 2004, o jornal publicou 9,29% das mensagens que recebeu de leitores; neste ano, esse número caiu para 8,46%.

Esse é um problema sério e o jornal deveria buscar uma forma de ampliar o ‘Painel’, principal espaço de manifestação do leitor. Além do índice baixo de aproveitamento, uma boa parte das cartas publicadas são assinadas por assessores de imprensa, políticos e autoridades. O espaço que resta para as reflexões dos leitores está cada vez mais restrito.’

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‘A imprensa e as crianças’, copyright Folha de S. Paulo, 10/7/05.

‘A Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) lança, nesta terça-feira, em Brasília, o relatório ‘Infância na Mídia’, um estudo crítico sobre a cobertura que a imprensa brasileira fez dos assuntos ligados às crianças e aos adolescentes ao longo de 2003 e 2004.

O acompanhamento é feito desde 1996. Para esse novo relatório, foram analisados, em 2003, 115 mil textos publicados em 54 jornais e em dez revistas e, em 2004, 161 mil textos em 60 jornais e em dez revistas.

Ao final do trabalho, o resultado é positivo: o relatório destaca ‘o tratamento consistente que a mídia impressa, nos últimos anos, começa a oferecer às temáticas relacionadas aos direitos das crianças e adolescentes’. Apresento, a seguir, alguns pontos do relatório.

1 – A imprensa está dando muito mais espaço para a cobertura dos problemas e das expectativas de pessoas dessas faixas etárias. O acompanhamento de 45 jornais entre 1996 e 2004 mostra que a quantidade de textos cresceu 1.148%.

2 – O aspecto policial das coberturas vem perdendo peso no conjunto de temas tratados. Em 2001, 21% dos textos analisados tratavam de violência e criminalidade; em 2004, esse percentual tinha caído para 14%. Isso significa não que a violência tenha diminuído, mas que os jornais passaram a olhar as crianças com outras perspectivas.

A maior parte das reportagens sobre violência (62%) retrata situações em que crianças e adolescentes são vítimas; em 18%, são agentes da violência. A principal fonte ouvida continua sendo a polícia (44%), raramente as famílias e os estudiosos do tema. E é nessas coberturas que mais freqüentemente se encontram expressões pejorativas, como ‘menor de rua’.

3 – Embora o relatório destaque haver certa ‘tendência de fortalecimento de uma cobertura mais plural e contextualizada’, ela ainda está longe de poder ser considerada pluralista e diversificada. Quatro grandes assuntos são responsáveis por mais da metade das coberturas: educação, violência, direitos e saúde.

4 – Os jornalistas raramente ouvem os atores principais, que são as crianças e os adolescentes. Apenas 4% dos textos que identificam fontes registram as vozes da garotada.

5 – O relatório analisa os jornais segundo 18 critérios quantitativos e qualitativos e faz um ranking dos melhores. Em 2003, data do último levantamento, a Folha ficou em primeiro lugar, seguida de ‘O Globo’ e do ‘Correio Braziliense’.

Para mais informações, o endereço eletrônico da Andi é www.andi.org.br.’