Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘Se o jogador argentino Leandro Desábato xingou o jogador brasileiro Edinaldo Batista Libânio, o Grafite, de ‘negro de merda, filho da puta, negrinho’, como consta no inquérito policial aberto em São Paulo após o jogo São Paulo x Quilmes, ele deve ser punido e sua condenação deve servir de exemplo para os que estimulam o ódio e a discriminação.

Mas, e se o jogador não pronunciou as ofensas racistas que a ele foram atribuídas? Neste caso, estaríamos diante de uma grande injustiça.

O caso Grafite provocou uma saudável e tardia discussão sobre a questão do racismo no futebol. Desde a noite de 13 de abril, quando Desábato saiu preso do estádio do Morumbi, o jornalismo esportivo e as páginas de opinião dos jornais analisaram exaustivamente o caso.

As análises se dividiram em dois campos: as que acharam que as providências tomadas (prisão, algemas, exposição pública do jogador, inquérito policial) foram corretas e as que consideraram que houve exagero. Os dirigentes do clube argentino julgaram o episódio uma ‘armação’ e boa parte da imprensa daquele país tachou a ação da polícia de ‘espetacularização’ e a cobertura da imprensa brasileira de ‘sensacionalista’.

Na Folha, vários colunistas escreveram sobre o assunto, mas acho que dois resumem bem as diversas posições. Tostão condenou o racismo no futebol, mas não viu no episódio uma manifestação clara de discriminação. José Geraldo Couto foi mais duro: ‘Se for preciso optar, é melhor o exagero que a omissão’.

A principal contribuição que a Folha deu nesse caso não foi, no entanto, o espaço que destinou ao debate, mas a disposição que demonstrou de fazer jornalismo, ou seja, de continuar a investigar o caso. Enquanto praticamente todo o resto da imprensa manteve o assunto apenas com artigos de opinião e textos de repercussão, a editoria de Esporte do jornal fez o que tinha de fazer, reportagens.

O inquérito contra Desábato se baseia na acusação de Grafite, em duas testemunhas e no vídeo da TV Globo que teria permitido a leitura labial das ofensas. Em sua defesa, Desábato nega os xingamentos racistas.

Desde quinta, a Folha publica várias reportagens que questionam essas provas. Na quinta, editou o resultado de três exames que mandou fazer do vídeo. Os peritos consultados declararam que não conseguiram ler na fita as palavras que Grafite afirma que ouviu.

Com essas conclusões, o jornal procurou as testemunhas, um amigo e o assessor de imprensa do brasileiro. Os dois assistiram ao jogo pela TV e, agora, segundo a Folha, se retrataram. É a capa do caderno de quinta: ‘Leitura labial é contestada; amigos de Grafite recuam’.

Na sexta, o jornal informou que a súmula do jogo não relata a ofensa e que o relatório do representante da Conmebol menciona ‘suposto’ racismo. O jornal voltou a ouvir uma das testemunhas de Grafite, que informou que o jogador teria sido pressionado pela direção do São Paulo para dar a queixa e que teria havido um acordo entre o clube e a polícia paulista.

Este caso, portanto, não está concluído. É possível que Desábato tenha sido racista? É. Mas é igualmente possível que tenha apenas ofendido, sem racismo. Se foi racista, tem de ser julgado. Se não foi, a discussão é outra. E o papel da imprensa é o de evitar uma injustiça.’

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‘Crimes no Rio e em São Paulo’, copyright Folha de S. Paulo, 24/4/05.

‘O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, do Rio, apresenta, no dia 2 de maio, as conclusões da pesquisa Mídia e Violência – Como os Jornais Retratam a Violência e a Segurança Pública no Brasil.

Já havia me referido a resultados parciais do estudo na coluna ‘Nas mãos da polícia’ (27/2).

Os novos dados trarão luzes para uma discussão antiga. É verdade que os crimes que ocorrem no Rio repercutem mais do que os praticados em São Paulo? É verdade que os jornais paulistas cobrem mais os crimes do Rio do que os de São Paulo?

A pesquisa analisou 2.514 textos sobre criminalidade e violência publicados durante cinco meses de 2004 em nove diários de São Paulo (Folha, ‘Estado’ e ‘Agora’), Rio (‘O Globo’, ‘O Dia’ e ‘JB’) e Minas (‘Estado de Minas’, ‘Diário da Tarde’ e ‘Hoje em Dia’).

Selecionei quatro conclusões:

1 – Os jornais do Rio estão mais interessados na cobertura de crimes e violência do que os de São Paulo e de Minas: 45,3% dos textos analisados foram publicados nos três jornais do Rio, contra 31,1% nos de São Paulo e 23,5% nos de Minas.

2 – Os nove jornais juntos cobrem muito mais os casos que ocorrem no Rio do que os em São Paulo ou em Minas: 48,2% dos textos publicados referiam-se a casos ocorridos no Estado do Rio, contra 21,3% ocorridos em São Paulo, 6,4% em Minas, 17,5% em outros Estados e 6,6% não identificados.

3 – Os jornais do Rio cobrem mais os crimes que ocorrem no seu Estado do que os de São Paulo e Minas cobrem nos seus respectivos Estados: ‘O Globo’ publicou 78% de suas reportagens sobre o Rio, e apenas 5,6% sobre São Paulo; a Folha publicou 46,8% sobre São Paulo e 28,8% sobre o Rio; e o ‘Estado de S.Paulo’ publicou 44,7% sobre São Paulo e 28,5% sobre o Rio.

4 – Corolário do item anterior, Folha e ‘Estado’ dão mais espaço para os crimes ocorridos fora de São Paulo (53,2% e 55,3%, respectivamente, dos textos publicados no período) do que ‘O Globo’ o faz para os de fora do Rio (22%).

Os dados estarão sendo discutidos no Rio no próximo dia 2. Quem se interessa pelo tema deve enviar mensagem para drodrigues@candidomendes.edu.br.’

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‘Depoimento – Mudança ‘positiva’’, copyright Folha de S. Paulo, 24/4/05.

‘Sílvia Ramos é cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

‘Alguns analistas argumentam que uma regra sensacionalista da mídia corresponde ao ‘if it bleeds, it leads’ (se sangra, vira manchete). Mas, ao menos no caso brasileiro, os jornais não podem ser acusados de exagerar a violência. Exagerados são os índices de criminalidade no país. Entre 1980 e 2002, 695 mil brasileiros foram assassinados.

O fato é que durante muitos anos predominou entre os principais jornais do país uma espécie de cortina de silêncio sobre mortes violentas que recaem, há mais de duas décadas, concentradamente sobre jovens, pobres, na maioria negros e moradores de favelas e periferias.

É claro que o grande número de notícias sobre violência e segurança nos jornais não resulta automaticamente numa cobertura de boa qualidade nem evita que o sensacionalismo seja um recurso utilizado com freqüência. Mas é uma mudança positiva os grandes jornais terem incorporado os temas da segurança pública nas suas pautas.’’