Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘A política externa do governo Lula tem dado uma importância à América Latina a qual os jornais brasileiros não estavam acostumados. Nossas atenções estiveram sempre voltadas para a Europa e para os Estados Unidos e quase nunca para os vizinhos.

O périplo da secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, pelo Brasil, pelo Chile e pela Colômbia, os enfrentamentos entre a Venezuela de Hugo Chávez e os Estados Unidos de George Bush e a destituição do presidente do Equador, Lúcio Gutiérrez, deram, nos últimos dias, um destaque inusitado para os problemas da região. Mas essa atenção não deve durar.

Vejo problemas estruturais na cobertura, todos antigos.

Primeiro, a irregularidade. Como o tema não é prioritário, as coberturas não têm continuidade. Elas surgem praticamente do nada e desaparecem sem explicação. O jornal não tem um acompanhamento contínuo dos países da região e por isso é surpreendido pelas crises. E o leitor não consegue entender porque aquele assunto, que nem existia, de repente virou o tema mais importante do jornal.

A crise do Equador vem de longe, mas a causa imediata da queda do presidente foi a dissolução da Suprema Corte na sexta, dia 15. O fato não mereceu mais do que uma pequena nota na Folha de sábado. O jornal dá destaque para a crise no domingo (‘Equador mergulha em nova crise política’), mas na segunda ela já tinha virado novamente uma nota pequena. O assunto volta na terça e desaparece na quarta. Na quinta, dia 21, é a manchete do jornal: ‘Presidente do Equador é destituído’.

Nesta semana, tivemos outro exemplo. Na terça, na quarta e na quinta o jornal deu, acertadamente, grande visibilidade à visita de Rice ao Brasil e aos assuntos latino-americanos correlatos, como a crise no Equador e a relação tensa entre a Venezuela e os Estados Unidos. Na sexta, a cobertura foi pífia.

O jornal deixou de noticiar informações relevantes como a visita de Rice à Colômbia, o fracasso da intervenção bilionária dos EUA na repressão à produção de drogas em território colombiano e o encontro de Chávez e Fidel Castro em Cuba.

Os outros problemas são decorrência da cobertura descontínua. Como o assunto não é prioritário, o jornal não consegue manter um corpo de jornalistas especializados e as coberturas são improvisadas.

A Folha tem hoje apenas um jornalista na região, a bolsista sediada em Buenos Aires. Essa escassez de correspondentes reflete o pouco interesse na América Latina e a falta de investimentos do jornal. Decorrência natural dessa situação é a total dependência em relação às agências internacionais, que também priorizam os EUA e a Europa, bem como a lentidão para perceber a gravidade dos fatos. A Folha, por exemplo, demorou a deslocar uma repórter para Quito.

O Haiti é um problema diferente. A imprensa brasileira viveu um surto de orgulho patriótico quando o governo enviou tropas para aquele país. Todos os sinais, agora, indicam que a intervenção se torna um problema sério para o Brasil. A revista ‘IstoÉ’ já fez uma reportagem a respeito, a Folha também, mas nenhuma deu a dimensão que o assunto exige. Faltam os investimentos e o entusiasmo jornalísticos que marcaram a cobertura do embarque das tropas.’

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‘Imprensa mal informada’, copyright Folha de S. Paulo, 1/5/05.

‘Gilberto Dupas é economista, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP e presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais.

Ombudsman – É possível ficar bem informado sobre a América Latina lendo os jornais?

Gilberto Dupas – Não. A América Latina está em terceiro plano na imprensa brasileira, inclusive na Folha. A região só entra no espaço quando tem a crise do Equador, a moratória da Argentina, um deslize brasileiro em algum lugar, a missão no Haiti.

Ombudsman – Os jornais analisam bem os fenômenos que acontecem na região?

Dupas – Respondo no contexto da imprensa mundial, não só da brasileira: há uma sensível perda de qualidade analítica. Não sei se tem a ver com um progressivo ‘downgrade’ [queda] do padrão dos jornalistas, ou um excesso de gente muito jovem substituindo o pessoal que tinha mais peso. Em geral, a imprensa não é o melhor local para encontrar análises sistemáticas, com relativa profundidade, que contextualize a questão latino-americana. A não ser em momentos de crise.’

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‘Dos leitores – Imprensa e racismo’, copyright Folha de S. Paulo, 1/5/05.

‘Recebi mensagens sobre os comentários que fiz a respeito do caso do jogador Grafite, do São Paulo, na última coluna (‘A imprensa no caso Grafite’). Reproduzo trechos de alguns e-mails.

‘Pergunto: é correto somente jornalistas homens brancos opinarem sobre a questão do racismo? Será que eles escrevem o que lhes interessa, o que acham, o que concluem, o que sentem? Deixei de assinar a Folha exatamente porque sempre os assuntos sobre os afrodescendentes são escritos por representantes de todas as colônias de imigrantes que vivem no Brasil e, de vez em quando, um negro escreve algo. Não há neste jornal nenhuma jornalista negra, mas escrevem sempre contra cotas, apresentam matérias com uma unilateralidade que é inconcebível, falta sempre o outro lado, falta justiça e, principalmente, como afirmou, ‘qualidade, equilíbrio pluralismo e diversidade’. Que a Folha em breve tenha jornalistas negras para que o jornal seja mais democrático, e não ilha de um único pensamento.’

Elenice Oliveira, São Paulo.

‘É incrível como a questão do racismo divide as opiniões dos colunistas, mesmo que alguns não se dêem conta de que reforçam fatores estruturais da discriminação racial, em vez de desvelá-lo. O desconforto é geral. Acho até que seja sadio. Sinal de mudança? Não sei, mas já tem leitor desesperado sem saber o que pensar. A colunista Soninha foi a primeira jornalista corajosa a admitir o ‘não sei’ o que pensar. Não é à toa que o fato de ser mulher contribui para que haja uma identidade subjetiva quanto à discriminação racial e social, em geral sofrida por negros e mulheres, suas vítimas históricas preferenciais.’

Humberto Miranda do Nascimento, Campinas

‘Com algum tempo de atraso, sua coluna, enfim, aborda o assunto Grafite. Como muitos, mas um pouco mais cauteloso que Tostão -que sabiamente faz de conta que não disse nada. Você também tenta fazer de conta que não houve nada. O empenho da Folha em isentar o argentino, travestido da ‘busca da verdade’ e da ‘justiça’ é louvável. Espero que em qualquer outra situação que envolva um negro haja o mesmo esforço. Você não é negro e jamais vai poder avaliar o quanto é triste, o quanto choca, fere, magoa ser chamado de negro. Toda vez que nos chamam de negro é racismo. O caso Grafite mostra que o racismo é muito maior do que se imagina na imprensa, inclusive na Folha.’

Lauro Brito de Almeida, Curitiba’