’30/08/08
Manchetes de DOMINGO:
Folha: ‘1 milhão vive longe da saúde básica em SP’;
‘Estado’: ‘Maior parte das ONGs vive à custa de dinheiro público’;
‘Globo’: ‘Cem mil empresas do Rio funcionam sem licença’.
As revistas:
‘Veja’: ‘O Jornal Nacional que você nunca viu – Os bastidores do telejornal assistido por 30 milhões de brasileiros’; anuncia como exclusivo: ‘O livro dos 35 anos do JN: uma reflexão inédita sobre sua história’;
‘Época’: ‘Fincado no poder – O PT se organiza como grande empresa para se manter no Planalto’;
‘IstoÉ’: ‘Sexo adolescente – A primeira vez, a masturbação, o orgasmo: os jovens estão confusos. O difícil começo para eles… e para os pais’.
Manchetes de SEGUNDA:
Folha: ‘Vôlei ganha ouro e Brasil faz sua melhor Olimpíada’;
‘Estado’: ‘Governo quer ajuste de R$ 8 bi para equilibrar a Previdência’;
‘Globo’: ‘Bi faz do vôlei o destaque do Brasil’. Quase todos os outros jornais têm manchetes e fotos destinadas ao último dia da Olimpíada, ao ouro no vôlei, ao infortúnio na maratona e ao resultado final do Brasil.
Chacinas no centro de S. Paulo
Escrevi, na coluna de ontem (‘O povo da rua’), que o jornal perdera, ao longo da semana que passou, a oportunidade de discutir com profundidade o problema das pessoas que vivem nas ruas de São Paulo. Afinal, são dez mil indigentes que, independentemente dos assassinatos, mostram as contradições da cidade.
O noticiário acompanhou as investigações policiais e a guerra político-eleitoral acirrada pelos assassinatos. Mas não deu a mesma atenção para a compreensão do fenômeno e para a discussão sobre políticas públicas capazes de enfrentar o problema.
Imaginei que o jornal se debruçaria sobre o tema no final de semana, mas acabei frustrado.
Há uma reportagem muito boa publicada no domingo (‘Excluído revela estratégia de sobrevivência’, pág C9), a melhor que o jornal publicou sobre a vida destas pessoas, o artigo do Josias de Souza (‘SP revoluciona o combate à exclusão social’, uma peça de ironia) e duas charges antológicas do Angeli (A2 de sábado e de domingo). Mas o problema e as possíveis formas de enfrentá-lo (emprego, assistência, moradia, inversão de recursos) não foram tratados. E o jornal teve duas excelentes oportunidades para fazê-lo:
– Primeiro, no tradicional debate que o jornal promove na seção ‘Tendências/Debates’ aos sábados. O jornal preferiu perguntar para os debatedores se ‘os esportes de alto rendimento são sobrevalorizados no Brasil’.
– Depois, no domingo, quando poderia ter colocado o problema, que mobilizou a cidade ao longo da semana, para os candidatos à prefeitura: o que pensam? como pretendem enfrentar o problema? suas propostas são viáveis ou apenas eleitoreiras? há políticas públicas bem sucedidas nesta área?
A falta de sensibilidade do jornal ficou mais evidente, na minha opinião, quando, no domingo, optou por dar mais destaque, no caderno ‘Cotidiano’, a duas reportagens que soam alienadas no momento em que a cidade ainda não sabe o que aconteceu no entorno da Sé. A primeira é a capa do caderno, ‘Calçadas de SP viram prova de obstáculos’. Neste momento, os obstáculos das calçadas são o menor problema das ruas de São Paulo. Aliás, como demonstra a pesquisa do Datafolha publicada no mesmo dia na página A4 de Brasil. A outra reportagem, no mínimo inoportuna, é a da pág. C6, ‘Centrão muda, mas não recupera glamour’.
Os problemas das calçadas e do centro de São Paulo, nesta semana, foram outros. E não se tratava de buracos nem de falta de glamour.
A informação de que a Guarda Municipal pode estar envolvida nos assassinatos saiu na Edição SP de sábado (‘Agressor usava farda da GCM, dizem feridos’, capa de ‘Cotidiano’), teve repercussão na Edição SP de domingo (‘Prefeitura diz que colabora, mas polícia recebe fichas desatualizadas da GCM’, em Brasil, pág. A14), mas não foi publicada até agora na Edição Nacional. Fora de SP não se sabe que guardas municipais são suspeitos de terem assassinado seis moradores de rua.
Talvez o jornal possa começar a ouvir especialistas neste fórum que começa hoje em BH e que está anunciado na pág. C5 de Cotidiano (‘Nova morte aflige morador de rua em BH’).
Olimpíada
Esperava uma edição de hoje com os resultados completo da Olimpíada, como fez o ‘Globo’. A Folha foi muito parcimoniosa na publicação de resultados ao longo de toda a cobertura. A edição de hoje poderia ser histórica, para consulta, se trouxesse os resultados completos (ouro, prata e bronze) de todas os esportes disputados. É algo que um jornal pode fazer, e que não está ao alcance das TVs.
Achei nossas coberturas boas em geral, e o grande problema que apontei, ao longo das competições, foi o da falta de preocupação em fazer um registro exaustivo dos resultados.
O ‘Globo’ de hoje destinou duas páginas e meias para os resultados. Mesmo com a crise, que exige economia de papel, acho que teria sido um gasto bem feito, e que o leitor merecia. A Folha poderia ter trazido, pelo menos, a relação de recordes olímpicos e mundiais. Afinal, não foram tantos.
Além da qualidade de várias reportagens e análises feitas ao longo da cobertura, quero fazer um destaque no caderno ‘Atenas 2004’: os textos da coluna ‘O maratonista’, assinados por Paulo Sampaio, foram quase sempre muito bons. Ele conseguiu fugir do lugar comum das reportagens de comportamento, encontrou temas divertidos, alguns surpreendentes, e mostrou um texto bem cuidado.
SÁBADO
A reportagem da página B4 está certa quando diz que uma juíza abriu processo contra o banqueiro Daniel Dantas. Mas o título está errado:
‘Juíza denuncia Dantas por calúnia’ (Dinheiro, pág. B4). Ela não denunciou, mas aceitou a denúncia do MP.
Será que a capa de ‘Dinheiro’ (‘Arrocho recorde não reduz dívida’) não merecia uma chamada na primeira página? Ali estão, é verdade que num texto para iniciados, os principais números que explicam as contradições da política econômica.
DOMINGO
É tão rara a presença de um jornalista da Folha na Cisjordânia, que é uma pena que não tenha havido mais espaço para seus relatos na edição de domingo. A edição de hoje poderia ter trazido a continuação das reportagens.
Do material publicado pelos outros jornais e revistas no domingo, destaco o dossiê do ‘Estado’ sobre as ONGs. É um assunto que justifica o interesse e o investimento. Elas têm hoje uma presença forte na economia e na sociedade, várias assumem tarefas do Estado, e algumas acabam sendo utilizadas por governos e políticos para driblar leis e licitações.
Aviso
Participarei amanhã de um seminário sobre cobertura de casos de corrupção no Sindicato dos Jornalistas do Rio e, por esta razão, não farei a Crítica Interna.
27/08/2004
Juros, Iraque e Olimpíada resumem as primeiras páginas dos principais jornais: Folha: ‘BC dá novos sinais de que os juros podem subir’;
‘Estado’: ‘75 xiitas são mortos antes do anúncio de acordo em Najaf’;
‘Globo’: ‘Emprego e renda crescem mas juros podem subir’.
Segundo o ‘Valor’, ‘BNDES faz plano para criar conglomerados nacionais’.
As fotos são as do dia do Brasil em Atenas (vitória na vela, derrotas no vôlei e no futebol femininos), com exceção do ‘Estado’, que deu mais destaque para uma foto de um oleoduto em chamas no Iraque.
Eleições
Uma coisa é o jornal reproduzir uma acusação de um candidato contra outro candidato. É o que faz a Folha hoje: ‘Tucano diz que CEU da saúde é Fura-Fila do PT’ (pág. A2). Outra, é o jornal não se limitar à acusação e fazer reportagem. É o que faz o ‘Estado’: ‘Em programa de Marta, Duda usa fórmula de Pitta’. Este é um caminho para fugir das aspas, das acusações menores e que acabam dando o tom da eleição sem que os assuntos sejam aprofundados.
O programa da Marta foi ao ar anteontem e daria tempo para o jornal ter feito algo parecido.
Uma preocupação da cobertura deve ser o equilíbrio. Acho que a edição de hoje atende a esta exigência. Mas vi problema na edição de ontem, quinta-feira, na cobertura dos programas eleitorais na TV que trataram da saúde pública (‘Pela 1ª vez, saúde domina programa eleitoral na TV’, A4).
A reportagem fez bem em apontar problemas na apresentação da prefeita (como a omissão, no currículo do secretário de Saúde, do período em trabalhou com Maluf e como a lembrança de que hoje a demora para o atendimento é de três meses), mas deveria ter feito o mesmo com as promessas dos outros candidatos, como Serra e Maluf.
Ou o relato é seco em relação a todos ou, o que é o ideal, é crítico em relação a todos.
Ainda sobre a mesma reportagem: não sei se a melhor palavra para definir a estratégia usada por Duda Mendonça na apresentação da prefeita seja ‘pirotecnia’. Vestir-se de branco e mostrar maquetes não remete à pirotecnia, pelo menos não para mim.
A decisão da Prefeitura de SP de anular a licitação da coleta de lixo virou ontem tema eleitoral, como era de se prever. A Folha isolou o assunto em Cotidiano (‘Prefeitura alega preço excessivo ao anular licitação’, pág. C7 da Edição SP) e não deu esta dimensão política.
Governo
No ‘Estado’, o ministro da Previdência, Amir Lando, volta a reclamar da falta de condições para dirigir seu ministério: ‘Sou uma rainha da Inglaterra’.
Pinochet
Dá margem a erro, no texto ‘Chile descobriu quem é Pinochet’ (Mundo, pág. A13 da Edição Nacional), a seguinte frase: ‘Filho de Orlando Letelier, chanceler assassinado durante a ditadura (1973-90) de Pinochet, (…)’. Fica parecendo que Letelier era chanceler de Pinochet quando foi assassinado. Só no parágrafo seguinte vai informar que Letelier foi chanceler de Salvador Allende. Mas não informa quando e onde ele foi assassinado.
Fiesp
Está errado o título sobre a eleição da Fiesp que chegou ao Rio: ‘Skaf quer parceira com o governo Lula’ (pág. B4). Imagino que seja parceria.
Acho que o jornal fez uma boa cobertura do resultado da eleição e da relação do governo federal com a entidade.
Cotidiano
Não entendo porque, na Edição Nacional, o alto da capa de Cotidiano é uma medida administrativa de interesse local (‘Alckmin tira Febem da esfera da Educação’), enquanto o assunto de São Paulo mais comentado nacionalmente, o massacre de moradores de rua, tem menos destaque. Embora seja importante noticiar bem que o governo do Estado não sabe o que fazer com os seus adolescentes que cometeram infrações, o caso das mortes no centro é mais importante, tanto que tomou toda a capa da Edição São Paulo.
Olimpíada
O jornal comemorou a vitória antecipada da dupla Torben Grael e Marcelo Ferreira na vela na primeira página e na capa do caderno especial. Ali já está dito que o Brasil ganhou o ouro. Embora o quadro de medalhas esteja correto ao manter as duas já ganhas de ouro e ao explicar que só vai computar esta nova medalha de ouro depois da última regata, no sábado, em algum lugar poderia ter mostrado em que posição o Brasil estaria ontem no ranking com o ouro da vela.
O ‘Globo’ já registra o ouro, mas explica que está antecipando. O ‘Estado’ também registra, sem explicação.
Erro de montagem na página Especial 4 da Edição Nacional: em vez de sair a arte com os resultados do futebol feminino na Olimpíada, saiu o resultado do vôlei feminino. Foi corrigido na Edição SP.
24/08/2004
O assunto mais importante para um jornal de São Paulo continua a ser, na minha opinião, a chacina de mendigos no centro da cidade. Foram duas ondas de ataques letais contra uma população indefesa; nestes ataques, foram mortas seis pessoas e nove estão feridas com traumatismo craniano, sendo que cinco estão em estado grave e podem morrer ou sobreviver com seqüelas; os ataques ocorreram no centro da maior e mais rica cidade brasileira (onde a Folha tem sede); o caso, por suas características e por todas as razões anteriores, deixou de ser um caso local e virou um caso nacional; a polícia, até a edição de hoje, não tinha um rumo; e isso tudo acontece às vésperas de uma eleição que coloca em lados opostos a Prefeitura e o governo do Estado.
Por todas estas razões, não consigo entender:
1 – que o caso não tenha sido a manchete do jornal;
2 – que o caso não tenha sido a capa de ‘Cotidiano’.
Jornalisticamente, nenhuma das duas decisões se justificam.
A manchete escolhida –’Ganho das indústrias cai no primeiro semestre’– é um estudo parcial da economia, trata apenas de números, e que não são muito diferentes dos números do mesmo período do ano passado. Na Edição Nacional, o estudo não era sequer a manchete do caderno ‘Dinheiro’.
A capa de ‘Cotidiano’ –’Governo proíbe venda de 63 inseticidas’– é um serviço relevante, mas que não tem importância maior do que as séries de crimes que a cidade assistiu, e que ainda estão sem solução.
O editorial do jornal chama os ataques aos mendigos de ‘selvageria’ e ‘barbárie’. A Redação, que praticamente escondeu o caso na primeira página e internamente, deveria ter lido a última frase do texto da página A2: ‘Ou o país enfrenta essa realidade com a determinação que o desafio exige ou estaremos condenados a viver numa sociedade cada vez mais marcada pela selvageria’.
As manchetes dos dois concorrentes:
‘Estado’: ‘Câmara quer apurar assassinato de mendigos’;
‘Globo’: ‘Lula: massacre de moradores de rua ‘cheira a preconceito’.
Massacre no Centro
‘Estado’ e ‘Globo’ deram mais espaço e destaque para a cobertura dos ataques e assassinatos de mendigos no centro de São Paulo que a Folha. O ‘Estado’ edita o material na capa do seu caderno ‘Cidades’ e nas três páginas seguintes. O ‘Globo’ abre a sua editoria Nacional, página 3, com o assunto, e o estende pelas páginas seguintes.
Além das informações sobre as investigações e a cobertura da vigília, aqueles jornais foram ouvir autoridades em Brasília, têm manifestações de parlamentares (segundo o ‘Estado’, deputados federais vão formar comissões para acompanhar o caso) e ouviram vários especialistas em crimes em série, em grupos neonazistas e em população de rua. Além de escondida e minguada, a cobertura da Folha está incompleta.
Os jornais trazem as principais informações já levantadas pela investigação policial, mas dão destaques diferentes para os detalhes.
O ‘Globo’ publicou três cartas de leitores (dois do Rio e um de Minas) indignados com as matanças no centro de São Paulo. Será que nenhum leitor da Folha ou do ‘Estado’ escreveu ontem para estes jornais a respeito do assunto?