Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘A Folha publicou no domingo passado o resultado de uma pesquisa do Datafolha que mostra que 82% de seus assinantes na Grande São Paulo estão satisfeitos com a cobertura jornalística da crise política. A edição não destacou, no entanto, um dado que considero importantíssimo: praticamente a metade dos leitores ouvidos questiona a isenção do jornal.

Segundo a pesquisa, 55% acham a cobertura imparcial, contra 42% que a avaliam como parcial. Como a margem de erro da pesquisa (feita por telefone com 301 leitores) é de seis pontos percentuais para mais ou para menos, é possível que, no limite, os que apontam a falta de isenção cheguem a 48%, contra 49% que acham que o jornal é imparcial. Um empate, na prática.

O índice dos que consideram a cobertura parcial chega a 55% (variação, nos limites da margem de erro, de 49% e 61%) entre os leitores de 16 a 34 anos.

A pesquisa tem uma falha, na medida em que não aprofunda com os leitores o que identificam como parcialidade. Mas há pistas interessantes. Levados a comparar o ânimo crítico da Folha em relação aos governos federal, estadual e municipal, os leitores revelam que acham o jornal mais crítico em relação ao presidente Lula (PT) do que em relação ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) e ao prefeito José Serra (PSDB).

A pergunta era se achavam a cobertura da Folha crítica na medida certa, mais crítica do que o necessário ou menos crítica do que o necessário. A maioria considerou que os três eram criticados na medida certa (70% no caso de Lula, 70%, de Alckmin, e 66%, de Serra). A diferença aparece nas duas outras opções. Enquanto 9% dos leitores acham que o jornal critica o governo Lula menos do que o necessário, 23% têm a mesma opinião quanto ao governo Alckmin e 25% quanto ao governo Serra. Ou seja, é maior o número de leitores que acham o jornal mais tolerante com os tucanos. Um detalhe importante: mais leitores declaram simpatia pelo PSDB (23%) do que pelo PT (14%).

A impressão de mais tolerância com os tucanos se confirma no item seguinte: 20% consideram que o jornal é mais crítico com Lula do que o necessário, contra 2% que têm essa avaliação em relação ao governo Alckmin e 4% em relação ao governo Serra.

Não são dados conclusivos, mas são indicações que devem fazer o jornal refletir. O fato de que quase a metade dos leitores considere a cobertura parcial obscurece as qualidades apontadas pela pesquisa, a saber: 78% destacam que a cobertura é completa (contra 18% que a têm como incompleta) e 82% a definem como séria (contra 15% que apontam sensacionalismo).

Venho cobrando da Folha, nesta e em outras coberturas, três aspectos que julgo os mais importantes para a credibilidade de um jornal: a qualidade (da informação apurada), o equilíbrio (na cobertura e na edição) e o pluralismo (nas análises e nas versões). São compromissos assumidos publicamente pela Folha no seu Projeto Editorial e no ‘Manual da Redação’.

Não entendo, portanto, por que o jornal não chamou a atenção para o principal ponto negativo da pesquisa e não o tratou abertamente com os seus leitores. Ainda há tempo.’

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‘Imprensa na berlinda – A valorização das minúcias’, copyright Folha de S. Paulo, 4/9/05.

‘A antropóloga Carla Teixeira é professora da UnB (Universidade de Brasília), especializou-se em antropologia da política e tem um livro, ‘A Honra da Política’ (Relume Dumará, 1998), em que analisa os processos de cassação de mandato no Congresso Nacional por quebra do decoro parlamentar entre 1949 e 1994. A seguir, a análise que faz do papel da imprensa na cobertura da atual crise política.

‘Julgo da maior importância as investigações feitas pelos jornalistas ou por eles divulgadas, mas avalio que há uma fronteira tênue entre investigação e noticiário policial, havendo por vezes uma supervalorização de minúcias factuais que, curiosas e interessantes, freqüentemente pouco acrescentam à compreensão da complexidade dos acontecimentos. Assim, por um lado, alimentam uma cultura dos ‘escândalos’, dos ‘casos’ e dos ‘episódios’ que obscurecem as continuidades e rupturas entre eles; e, por outro, supervalorizam a especificidade da política brasileira, sem compará-la à de outras democracias.

A importância da investigação feita pela imprensa parece vir decrescendo desde o caso Collor e a CPI do Orçamento. Tenho a impressão, valeria checar, de que no processo que levou à punição do então senador Luiz Estevão e do juiz Nicolau, diferentemente dos processos anteriores, foi o Ministério Público quem se destacou. Já agora, a Polícia Federal tem contribuído de maneira crucial para o bom andamento das investigações no Congresso. Não quero dizer que a imprensa não se faça presente, mas que há outras instituições que, devido ao avanço do sistema democrático, podem cumprir este papel tão bem ou melhor do que ela.

Contudo, a função de mediação lhe é especialmente cara. Principalmente, se considerarmos que parece estar havendo um esvaziamento das organizações que tradicionalmente realizariam esta mediação (como sindicatos e partidos). Não sei se os jornalistas se dão conta disso, mas hoje as relações entre políticos dos diferentes Poderes e o conjunto dos cidadãos vêm se consolidando muito mais por via da imprensa e do chamado governo eletrônico. Acho fundamental refletirmos sobre as possíveis conseqüências deste processo para as relações de poder, de decisão e de participação.

Por fim, creio que a imprensa, ciente da delicadeza do momento, tem revelado maturidade e raramente vi manchetes sensacionalistas. Tenho a impressão de que a dimensão institucional que esta crise adquiriu contribui para tal atitude. Se em momentos anteriores a crise era encarada como conseqüência de falha moral dos envolvidos, hoje claramente tem sido debatida como fraqueza das estruturas democráticas no país. Não se trataria tanto de um problema de corrupção individual ou de honra, mas sim de corrupção institucional e de ética.’’

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‘O artifício especial’, copyright Folha de S. Paulo, 4/9/05.

‘A Folha começou mal a cobertura da destruição provocada pelo furacão Katrina nos sul dos EUA. Durante dois dias, na quinta e na sexta, o jornal assinou as notícias que recebeu das agências internacionais e as que recolheu por telefone como se fossem do repórter Pedro Dias Leite.

O crédito de quinta-feira informava que ele estava em Mobile, no Alabama, e o de sexta que chegara a Biloxi, no Mississippi, ambas no litoral do Golfo do México. O repórter esteve nas duas cidades a caminho de Nova Orleans, mas a devastação que encontrou não permitiu que passasse informações para a Redação no Brasil. Segundo o relato que recebi, ele não conseguiu usar o celular e tinha grandes dificuldades para se locomover no front devastado.

São dificuldades compreensíveis, que atingiram todos os meios de comunicação e que valorizam o esforço da Folha de ter um relato próprio. O que não se compreende, no caso, é por que o jornal consolidou na Redação as informações que colheu em várias fontes e assinou como se fossem do repórter. A edição ficou inverossímil: como o jornalista conseguiu reproduzir as entrevistas do prefeito de Nova Orleans, dos governadores da região e do presidente Bush se não foi capaz de enviar uma linha sequer sobre as ruínas e as misérias humanas que testemunhou em Biloxi e Mobile, duas cidades destruídas?

O erro, evidentemente, não é do repórter, que sequer tinha idéia do que se passava no Brasil, mas sim do jornal, que, com o artifício, quis fazer crer que estava recebendo informações exclusivas da região. Um erro grave.’