Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Marcelo Beraba

‘A imprensa brasileira acaba de passar por dois testes importantes, as coberturas das eleições no Brasil e nos Estados Unidos. Saiu–se bem? Eu diria que saiu chamuscada, com arranhões e questionamentos.

Cada eleição é uma prova de fogo para qualquer imprensa do mundo que se pretenda séria e responsável. As pressões legítimas de leitores e de candidatos, e de seus partidários, transformam vários momentos da disputa num jogo bruto que exige dos jornais muita serenidade para manter o distanciamento crítico e a cobertura isenta.

Em jornais que têm ombudsman, no Brasil infelizmente apenas três, somos os depositários da ira ou da frustração de leitores, do inconformismo dos candidatos e das reações dos jornalistas. É normal.

Esse embate é ainda mais tenso em São Paulo, e a pressão maior recai sempre sobre a Folha. Foi em São Paulo onde nasceram, e têm fortes raízes, os dois principais partidos que disputam hoje a hegemonia nacional, o PT e o PSDB. Ambos surgiram identificados com a Folha da campanha das Diretas–Já e cobram ambos do jornal, erroneamente, uma fidelidade incompatível com o apartidarismo.

Dito isso, devo informar que a pressão maior, ao longo da campanha deste ano em São Paulo, foi de leitores que consideravam que a Folha teve um comportamento jornalístico pró–tucanos. A maioria dos e–mails que recebi nos últimos meses tinha essa queixa. De 1º de julho para cá, de 472 mensagens arquivadas sobre o caderno Brasil, 326 continham críticas à cobertura eleitoral. Algumas emitidas claramente por militantes petistas; outras, por leitores que se diziam sem partido, mas igualmente insatisfeitos com a cobertura.

Muitas vezes sem motivo. Mas muitas com razão, como assinalei em várias colunas. Em diversas ocasiões faltaram ao jornal equilíbrio nas edições, rigor e precisão nas informações e regularidade na cobertura das políticas públicas estaduais que repercutem na eleição municipal. Inútil voltar aos exemplos.

Finda a eleição municipal, o interesse dos leitores da Folha se volta agora para a cobertura do novo governo. É de se esperar que seja igualmente atenta e crítica. Muitos leitores, alguns por birra ou ironia, outros por curiosidade, perguntaram ao longo destes meses por que a Folha não declarava apoio explícito a um candidato, como fez o ‘Estado’ em favor de José Serra, e fizeram quase todos os jornais dos Estados Unidos.

A melhor pessoa para responder à essa questão, e às críticas que, durante a eleição, encaminhei em meu nome e em nome dos leitores, é o diretor de Redação do jornal, Otavio Frias Filho: ‘Há jornais que declaram seu voto em editorial. Acho legítimo, mas essa não é a tradição da Folha. Embora o jornal emita suas opiniões todos os dias em editoriais, preferimos não nos atrelar a esta ou àquela candidatura, a fim de resguardar ainda mais a autonomia do jornal em relação a grupos e partidos.

Respeito a opinião de quem pensa diferente, mas acredito que a cobertura da Folha a respeito das eleições municipais foi equilibrada e isenta. Jornalismo não é ciência exata, de modo que sempre há controvérsias e interpretações divergentes. Mas penso que a Folha se manteve fiel a seu compromisso com um jornalismo apartidário e crítico. Pretendemos dedicar, à futura gestão José Serra na Prefeitura de São Paulo, tratamento semelhante ao dispensado à gestão da prefeita Marta Suplicy’.

A função do ombudsman não é a de defender este ou aquele interesse de grupo, mas a de zelar para que o jornal ofereça a seus leitores informação de qualidade, coberturas equilibradas e pluralidade de temas, enfoques, análises e opiniões. É o que tento fazer.

O que me parece novo no relacionamento da sociedade com a imprensa, e não está restrito à cobertura eleitoral, é a pressão organizada por meio de observatórios e institutos de monitoramento. Na minha opinião, a pressão por equilíbrio, qualidade e pluralidade tende a crescer, e os jornais terão de estar preparados. Esses instrumentos de vigilância devem se multiplicar e abranger todas as áreas do jornalismo. Se sérios, poderão ter influência crescente nos meios de comunicação.’

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‘A eleição nos EUA’, copyright Folha de S. Paulo, 7/11/04.

‘Em relação à eleição nos Estados Unidos, destaco alguns aspectos da cobertura da Folha. Primeiro, o esforço do jornal, num período de contenção de despesas, ao enviar àquele país jornalistas experientes (como Clóvis Rossi, Fernando Canzian e Sérgio Dávila) e ao reservar bastante espaço (papel) para a cobertura diária e os cadernos especiais.

O segundo ponto não diz respeito apenas à Folha, mas a praticamente todos os jornais brasileiros: foi indisfarçável a simpatia dos diários pela candidatura democrata de John Kerry.

Por fim, a extrema dependência que temos das agências e serviços jornalísticos americanos. Essa subordinação restringe a publicação de pontos–de–vista de fora dos Estados Unidos.

Reproduzo a seguir alguns textos publicados pela Folha ao longo desta semana e que o leitor pode não ter percebido. As críticas podem ser aplicadas a outras imprensas e a outras coberturas:

‘Não vi nenhuma novidade na cobertura, que foi bastante superficial. A grande imprensa tem a tendência de dar uma enorme ênfase a pequenas controvérsias, como o histórico militar de [George] Bush ou a passagem de [John] Kerry pela Guerra do Vietnã, mas negligencia os temas relevantes. (…)

A grande imprensa não consegue deixar passar questões irrelevantes. Contudo não cobre profundamente assuntos muito sérios, como a Guerra do Iraque ou a situação econômica do país.’

Thomas Patterson, professor da Kennedy School of Government da Universidade Harvard, em ‘Mídia foi ‘superficial’, diz analista’, em 2/11.

‘Apesar da polarização ideológica [que dividiu a mídia dos EUA], a maior parte da cobertura da campanha presidencial de 2004 não perdeu o caráter fundamentalmente sensacionalista, superficial e de concentração em assuntos triviais (como a vida pessoal dos candidatos e sua família, aspectos duvidosos de sua biografia etc.) que caracteriza o jornalismo político nos EUA.’

Carlos Eduardo Lins da Silva, em ‘Mídia dos EUA também racha na eleição’, em 3/11.

‘A conduta da imprensa poderá ser um fator que compense, em medida ao menos razoável, o fracasso dos democratas para compor a oposição. Boa parte da imprensa importante adotou publicamente a candidatura Kerry. O provável é que, ao seu constrangimento pela atitude leviana com que se sujeitou à política belicista e falaciosa de Bush, some agora mais um motivo para empenhar–se na vigilância que só há pouco passou a exercer sobre os métodos de Bush e seus associados. A imprensa norte–americana sabe e sente as responsabilidades negativas que lhe pesam desde a sujeição que aceitou a partir do 11 de Setembro, e a busca da reabilitação ética (e jornalística, portanto) em relação ao governo pode resultar em controles positivos.’

Janio de Freitas, em ‘O melhor’, coluna de 4/11.’