Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘O Banco Santos sofreu intervenção na sexta-feira dia 12. Segundo arte que vem sendo reproduzida pela Folha, a primeira vez que o BC apontou problemas na saúde financeira do banco foi em 15 de outubro, e ‘no dia 5 de novembro o sinal vermelho foi aceso’.

Segundo um dos advogados do banco, Ricardo Tepedino, ‘o BC [Banco Central] fez uma fiscalização muito ostensiva e pouco discreta [da situação do banco]. Os rumores levaram a uma onda de saques incomum. Foram R$ 700 milhões nos últimos quatro meses. Essa sangria enxugou a liqüidez do banco’ (‘Boataria causou problemas, diz advogado’, Folha, em 14/11).

Na reportagem ‘Banqueiro admite problema de caixa’ publicada dia 13, sábado, o jornal informou que o banco ‘estava havia pelo menos um ano sob rigorosa inspeção do Banco Central’ e que ‘os rumores de que a saúde do Banco Santos estava debilitada já corriam havia bastante tempo no mercado’.

Anteontem, todos os jornais publicaram a nota do ex-presidente José Sarney em que ele informava que havia transferido seus depósitos do Banco Santos ‘em face dos rumores publicados na imprensa e existentes na praça’. Na mesma sexta, outra reportagem informa: ‘Nos últimos quatro meses, depois que começaram rumores sobre os problemas na saúde financeira do banco, o caixa da instituição começou a perder muito dinheiro. Em quatro meses, perdeu R$ 700 milhões em depósitos’.

Relato todos estes detalhes porque recebi o telefonema de uma leitora questionando a Folha por não ter informado antes que o banco não estava bem. Correntista, ela se sentiu ‘traída’ pelo jornal porque não teve a informação que lhe teria permitido trocar de banco.

Razões de segurança

Se os rumores eram tão fortes e antigos, por que a Folha não os noticiou? Por uma razão simples: o jornal não publica rumores, ainda mais se podem provocar uma corrida aos caixas e a quebra de um banco.

Este procedimento está consagrado no verbete ‘razões de segurança’ do ‘Manual da Redação’: ‘Em regra, a Folha publica tudo o que sabe. Mas pode decidir omitir informação cuja divulgação coloque em risco a segurança pública, de pessoa [seqüestro, por exemplo] ou de empresa’. É o caso.

A Folha agiu bem ao não divulgar boatos. Seu problema foi de outra natureza. A responsabilidade que deve ter em assuntos como este não a exime de estar bem informada e de orientar o noticiário para uma cobertura do interesse do leitor. Não foi o que aconteceu. No período em que já corriam os rumores de que o Santos ia mal, o jornal divulgou três notas que, lidas agora, parecem releases do banco e passam a idéia de que o banco estava bem.

A primeira foi dia 3 de setembro na coluna ‘Mônica Bergamo’, como título ‘Lista VIP’: ‘O Banco Santos está despachando cartas de seu presidente, Edemar Cid Ferreira, a uma lista VIP de pessoas do país. É para a abertura de contas no banco de varejo que Ferreira está lançando, e que aceita pessoas de renda superior a R$ 4.000’.

As outras duas saíram no mesmo mês, dia 24, no ‘Painel S.A.’, com os títulos ‘Sinal verde’. A primeira: ‘O Banco Central acaba de homologar o aumento de capital de R$ 41 milhões do Banco Santos e de aprovar a nova diretoria com Ricardo Gribel na presidência da instituição. ‘Trata-se de uma demonstração inequívoca da saúde financeira do banco’, diz Gribel’. A outra: ‘Gribel acha que a decisão do BC representa um marco importante na história do Banco Santos. Segundo ele, o banco vai atuar, a partir de agora, no segmento de pessoa física. A instituição registrou no primeiro semestre um lucro líquido de R$ 41,1 milhões’.

Nenhum questionamento, nenhuma preocupação em verificar a situação do banco. Não para noticiar que ia quebrar, mas para mostrar que as medidas que estavam sendo tomadas eram reflexos das dificuldades que o banco vinha passando.

Nenhum veículo noticiou com clareza que a situação do banco era difícil. A revista ‘Exame’ do dia 13 de outubro tem uma reportagem (‘Banco Santos altera sua estratégia’) que dá a entender que a instituição tinha problemas, mas não é explícita. Seu enfoque é o mesmo das notas da Folha: positivo e acrítico.

É compreensível que a Folha não tenha publicado os rumores. Mas nada justifica que tenha alimentado a idéia de que a situação do banco era saudável. O interesse do banco foi preservado, mas não o do leitor.’

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‘A ira dos leitores’, copyright Folha de S. Paulo, 21/11/04.

‘O jornal ‘O Globo’, do Rio, publicou, na primeira página de sua edição de segunda, dia 15, duas fotos do assaltante Rafael da Silva Alves. Na primeira, ele acabava de ser preso depois de assaltar um casal de turistas chilenos e era levado para a delegacia por três policiais. A foto seguinte mostrava o assaltante, dentro da delegacia, com o olho direito inchado.

A reportagem não usa a palavra tortura, apenas testemunha que o preso chegou bem, que meia hora depois foi apresentado à imprensa com o rosto vermelho, e que, 20 minutos após, voltou a ser apresentado com o olho direito fechado e inchado. Segundo a reportagem, a polícia negou qualquer agressão.

Não é a primeira vez que um jornal flagra um preso machucado dentro de uma delegacia. O interessante neste caso foi a reação de indignação e revolta que as fotos provocaram nos leitores do jornal. Como era feriado, não foi uma reação imediata. Mas na quarta-feira, a seção ‘Carta dos Leitores’ trazia 21 mensagens contra o jornal.

O teor das manifestações pode ser resumido por alguns trechos que reproduzo: ‘O que ‘O Globo’ pretende com iniciativas deste tipo? Proteger os criminosos?’; ‘O Globo’ está do lado do povo ou dos bandidos?’; ‘Fiquei surpreso pelo fato de o jornal proteger, em nome dos direitos humanos, um bandido que está sujando mais ainda o nome do Brasil no exterior’; ‘Não há mais lugar no Rio para a defesa dos direitos humanos desses bandidos que não pensam quando matam’.

Segundo o diretor de Redação do jornal, Rodolfo Fernandes, foram 74 mensagens recebidas em três dias.

A posição do jornal foi expressa, na mesma quarta, em Nota da Redação: ‘O Globo’ respeita a opinião dos leitores que se sentiram contrariados com as fotos publicadas, mas entende que as polícias modernas do mundo não precisam se valer da tortura para solucionar os crimes. As estatísticas mostram que a violência oficial entra no vácuo da falta de investimento em equipamentos, treinamento e inteligência. O Rio tem condições de sonhar com uma redução da criminalidade sem que o Estado apele para a barbárie’.

Com a edição das cartas indignadas, leitores que pensam de forma diferente reagiram, e o jornal editou as cartas, no dia seguinte, em forma de debate. Ouviu também especialistas, que entenderam a primeira onda de reações como uma conseqüência do medo. ‘Medo da violência leva cariocas a botarem em xeque valores básicos do estado de direito’ era a submanchete da reportagem do dia 15.

Acho que ‘O Globo’ cumpriu o seu dever ao publicar as fotos do assaltante e ao questionar o trabalho da polícia. Este é um dos papéis dos jornais, que devem estar sintonizados com seus leitores, mas não podem abdicar de princípios como a defesa da democracia e dos direitos humanos, princípios difíceis de serem sustentadas em períodos de crise e de caos, quando as opiniões se radicalizam.

A situação talvez seja mais grave no Rio, mas a criminalidade, a violência policial e a formação de uma opinião pública desiludida (que não vê solução senão na lei de Talião, na pena de morte e nos esquadrões de extermínio) não são exclusividades da cidade.

Mais do que nunca os jornais devem estar comprometidos em ajudar a sociedade a enfrentar esses fantasmas abrindo suas páginas para a discussão ampla. Mesmo quando essa discussão questiona os seus pontos-de-vista e os espreme contra a parede.’